Depois de lançar “Do vinil ao streaming – 60 anos em 60 discos”, em setembro de 2023, o que o jornalista Daniel Setti mais escutou foi: por que tal cantor/banda ficou de fora? A resposta ele dá logo na apresentação do livro “Do vinil ao streaming vol. 2 – 60 anos em outros 60 discos” (Editora Autêntica).
Leia Mais
“Tecnicamente, o segundo livro já havia sido iniciado antes mesmo do lançamento do primeiro. Oito dos seus 60 textos, em versões preliminares, a princípio integrariam o volume 1. Entretanto, por decisão editorial minha, acabaram ficando de fora”, explicou o jornalista.
A reclamação dos leitores era legítima. Ficaram de fora do primeiro volume artistas e bandas que fizeram história e marcaram o imaginário popular, como Elvis Presley, Bob Dylan, Rolling Stones, Marvin Gaye, Led Zeppelin, Queen, Ramones e Beyoncé. O segundo volume, portanto, chega como uma espécie de “acerto de contas”.
De “Elvis is back” (1960) a “Kiwanuka” (2019), do britânico Michael Kiwanuka, primeiro e último álbuns analisados, o livro mostra como a inovação sonora e tecnológica desempenhou papel fundamental na música, moldando gêneros, expandindo possibilidades artísticas e influenciando a própria recepção do público.
Nesse sentido, os discos entram para ilustrar tal panorama, sem deixar de lado o contexto em que foram lançados e curiosidades sobre os artistas.
Quem imaginaria que o primeiro vocalista do The Kinks era fisiculturista? Ou que Bill Lee, pai do cineasta Spike Lee, gravou o baixo das faixas de “Bringing it all back home”, álbum de Bob Dylan?
Quando o Rei do Rock lançou “Elvis is back!”, havia enorme expectativa. Era o retorno dele à vida civil depois de dois anos de serviço militar. A gravadora queria capitalizar com o ídolo novamente e o público esperava novidades. Elvis voltou com um rock atualizado, incorporando elementos do country, blues e jazz.
Ousadias
Bob Dylan fez parecido em “Bringing it all back home”. Considerado marco da carreira dele e da história da música pop dos anos 1960, o álbum tirou o compositor da posição messiânica em que crítica e fãs o haviam colocado na cena folk para transformá-lo em “Dylan eletrificado”, muito mais próximo do rock.
As ousadias iniciadas no final dos anos 1960 marcaram a década seguinte. Marvin Gaye trouxe arranjos inovadores para as canções de “What’s going on” (1971), apostando em faixas longas e interligadas.
Led Zeppelin se tornou o bastião do hard rock, com canções que incorporaram elementos do folk e funk norte-americano misturados ao misticismo em “Led Zeppelin IV” (1971). Já o Queen levou o rock para outro caminho, com a diversidade instrumental de “A night at the opera” (1975).
“Ramones” (1976) deu o pontapé inicial no punk rock e foi um dos poucos grupos que recusaram explicitamente a influência do blues. James Brown trabalhou em “The payback” para contornar a tristeza pela morte trágica do filho de 19 anos em acidente de carro. E o The B-52s surgiu com uma proposta de pós-punk surreal, musical e visualmente, no disco que leva o nome da banda, lançado em 1979.
“Tento fazer a mistura de álbuns que foram marcos comerciais com outros que foram marcos de influência”, diz Daniel Setti. “Também misturo com algumas coisas que acho incríveis e, a meu ver, precisariam entrar”, acrescenta.
Nos anos 1980, Daniel lembra que o cenário foi marcado pela chegada do CD, por bandas de rock lotando os estádios – Iron Maiden é o melhor exemplo – e pelo nascimento do synthpop, com “Power, corruption & lies” (1983), do New Order.
Beyoncé surpreendeu os fãs ao lançar álbum digital com seu nome, em 2013
“Auge da catástrofe”
Já a década de 1990 o autor considera o “auge antes da catástrofe”. Isso ocorre pelo fato de o período apresentar intensa inovação e alta qualidade artística paralelamente a profundas dificuldades, tragédias pessoais, conflitos internos e crescente tensão dos músicos com a indústria.
Muitas vezes, tudo isso levou ao declínio ou a mudanças drásticas na carreira dos artistas. Como esquecer a queda de Sinéad O’Connor, que conheceu o ostracismo após o sucesso de “I do not want what I haven’t got” (1990), ao rasgar a foto do Papa João Paulo II em rede nacional?
Por fim, “Do vinil ao streaming vol. 2” transita entre as décadas de 2000 e 2010, que trouxeram a revolução digital para a música. Quando o streaming ainda engatinhava, em 2013, Beyoncé lançou o álbum batizado com seu nome de forma inesperada e sem aviso prévio, inicialmente apenas em formato digital.
Seis anos depois, Billie Eilish foi a primeira “megaestrela 100% século 21”. Com “When we all fall asleep, where do we go?”, chamou a atenção na cena pop inovando em composição, interpretação e produção ao transitar entre o digital e a inteligência artificial.
Mais que organizar a lista de álbuns essenciais, Daniel Setti propõe um jogo de memória e de descobertas. Afinal, se a música está em constante reinvenção, talvez o leitor já possa se perguntar: quais discos deveriam entrar no volume 3?
Podcast
Além dos dois volumes de “Do vinil ao streaming”, Daniel Setti desenvolveu o podcast homônimo, que serve como complemento às publicações. Disponível no Spotify e Deezer, o programa conta com episódios sobre Jimi Hendrix, Gorillaz, PJ Harvey, U2, Kraftwerk e Sade.
A ideia é contemplar ao menos os top 10 de cada livro, diz o jornalista. “É outro formato, com linguagem totalmente diferente. Acho bem interessante. Afinal, são coisas distintas sobre um mesmo assunto”, comenta.
“DO VINIL AO STREAMING VOL. 2 60 ANOS EM OUTROS 60 DISCOS”
• De Daniel Setti
• Editora Autêntica
• 512 páginas
• R$ 149,80 (livro físico)
• R$ 104,90 (e-book)
