O paulistano Thaide se apresentou na edição 2023 do festival, que tem a praxe de convidar artistas de outros estados e também da cena local -  (crédito: Pablo Bernardo/Divulgação)

O paulistano Thaide se apresentou na edição 2023 do festival, que tem a praxe de convidar artistas de outros estados e também da cena local

crédito: Pablo Bernardo/Divulgação

Já são 13 anos de história. E, nesse período, muita coisa aconteceu no Palco Hip Hop, festival realizado anualmente na capital mineira. Em 2012, o rapper Emicida foi preso por desacato, depois de cantar em show “Dedo na ferida”, música que critica a falta de equidade e impessoalidade no sistema judiciário brasileiro.


Em 2018, o Palco Hip Hop jogou luz na questão da acessibilidade, ao colocar no palco Perninha e Samuka, jovens portadores de necessidades especiais de locomoção e que estão entre os maiores b.boys (termo que designa as pessoas que englobam a essência do hip hop).


No ano passado, em edição realizada no CCBB-BH, o festival acabou se misturando com a mostra “Nossos segredos”, d’Os Gêmeos, cuja carreira está diretamente ligada à chegada do hip hop no Brasil. A dupla de artistas, aliás, participou de debates e apresentações musicais.


Neste ano, o foco é protagonismo feminino e LGBTQIA+. Realizado neste sábado (17/2) e domingo, o festival leva para três espaços da cidade (Sesc Palladium, Espaço de Cultura do Gueto e Espaço de Cultura do Soul Guetto) programação intensa, com oficinas, workshops, debates, batalhas de rima e de dança, e shows com os rappers MC Monge, Colombiana, Contraste, Sharylaine, Dany Fragozo, MC Ellu, Roger Dee, Douglas Din, entre outros.

“Se hoje a palavra da vez é ancestralidade, nada mais justo que trazer essas pessoas para o centro do festival. Afinal, elas são figuras ancestrais do que temos hoje no hip hop nacional”

Victor Magalhães, idealizador e curador do Palco Hip Hop


“Desde a primeira edição, nós temos a preocupação em trazer para o centro do festival algumas questões que o próprio hip hop deixou de lado ao longo desses 40 anos”, afirma o idealizador e curador do festival, Victor Magalhães, lembrando a origem do movimento no Brasil, em meados dos anos 1980.


“São coisas como a invisibilidade de mulheres e de pessoas LGBTQIA+. Por isso, há uma preocupação muito grande nossa em propor uma curadoria com equidade, trazendo sempre artistas de fora e, principalmente, daqui, da cena de Belo Horizonte”, diz.


Pioneiras do rap e funk

Se na edição do ano passado as grandes estrelas foram nomes masculinos, como Os Gêmeos e Thaíde, que fechou a programação com show realizado a preço popular, neste ano os destaques são a paulistana Sharylaine e a mineira radicada no Rio de Janeiro MC Ellu.


Pioneira do rap feminino, Sharylaine começou a carreira ainda na década de 1980, na capital paulista. Em ambiente dominado por homens, ajudou a criar a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop. Suas músicas, com forte apelo social e títulos sugestivos (“Livre no mundo”, “Nunca subestime a força de uma mulher”, por exemplo), ajudaram a abrir caminho para outras mulheres no gênero musical.


MC Ellu, por sua vez, foi uma das pioneiras do funk, estilo que se desenvolveu a partir da cultura hip hop. Natural de Belo Horizonte, ela estreou com o single “Tira a mão de mim”, lançado em conjunto com outras faixas de funkeiros de BH, no disco independente “Fábrica ritmos” (1992). A música é um grito de protesto contra a violência sexual, da qual a MC foi vítima aos 17 anos.


“Essas mulheres foram importantíssimas para a construção do que estamos consumindo hoje na música”, diz Magalhães. “Assim como elas, teremos outros artistas que ajudaram a pavimentar esse caminho e que não tiveram o devido reconhecimento.”


São muitos os motivos que podem justificar a falta de espaço para as artistas e a baixa projeção que alcançam, em comparação com outros nomes do rap e do funk nacionais. No entanto, há também um contexto desfavorável em relação ao mercado como um todo. Sharylaine e MC Ellu se lançaram na música numa época em que rap e funk eram segmentados e, principalmente, marginalizados.


“Entre as décadas de 1980 e 1990, nós só tínhamos notícias sobre hip hop em pouquíssimas revistas e só ouvíamos as músicas em algumas poucas rádios”, lembra Magalhães. “Se hoje a palavra da vez é ancestralidade, nada mais justo que trazer essas pessoas para o centro do festival. Afinal, elas são figuras ancestrais do que temos hoje no hip hop nacional”, comenta.


Além das apresentações musicais, o Palco Hip Hop contará com discussões sobre a gestão na carreira de dança, protagonismo feminino, a história do hip hop e a origem do hot moves (dança urbana). E também workshops sobre estratégias de composição coreográfica para festivais house dance, dança estilo livre (freestyle) e popping dance.


Nos dois dias de evento, haverá feira de produtos ligados ao universo hip hop e espaço kids. Com exceção dos shows, todas as atividades são gratuitas, com ingressos distribuídos com uma hora de antecedência.


DIVERSIDADE DE LOCAIS

O Palco Hip Hop é realizado em três partes, ao longo do ano. As atividades deste final de semana inauguram a programação. As próximas etapas devem ser realizadas em junho, com as atividades na região do Barreiro; e em meados do segundo semestre, com programação em equipamentos culturais públicos de Contagem. “Assim como nessa primeira etapa as atividades são descentralizadas (ocorrem em três espaços), nas próximas etapas elas também serão realizadas em diferentes locais do Barreiro e de Contagem. Isso porque é também do nosso interesse promover a descentralização do evento”, afirma o curador Victor Magalhães.


FESTIVAL PALCO HIP HOP
Shows, debates e oficinas. Neste sábado (17/2) e domingo, das 10h às 22h, no Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro), Espaço de Cultura do Gueto (Rua Botelhos, 55, Bonfim) e Espaço de Cultura do Soul Guetto (Av. Santa Tereza, 590, Taquaril). Entrada franca para debates e oficinas. Para shows, ingressos à venda por R$ 2 (inteira) e R$ 1 (meia). Programação completa no Instagram.