Vista da praça sete de setembro, um dos mais movimentados cartões-postais de BH -  (crédito: fotos: jair amaral/em/D.A Press)

Vista da praça sete de setembro, um dos mais movimentados cartões-postais de BH

crédito: fotos: jair amaral/em/D.A Press

O ano é 2032, e fui eleito.

Sou o novo prefeito de Belo Horizonte, mas dei um azar danado, porque os cofres estão vazios e o município endividado. A capacidade de investimento é, matematicamente, zero.

Uma das razões, agora sabemos, foi a altivez, o senso de grandeza e desprendimento, e - por que não - uma certa soberba, ao assistir passiva e desinteressadamente às empresas e uma parte importante da população se mudando para outros municípios da região metropolitana.

Os escritórios, os prestadores de serviço, os profissionais liberais, as sedes de várias empresas, os restaurantes e o setor hospitalar e de saúde se mudaram para Nova Lima e, com elas, a população de alta e média renda associadas.

Transportadoras, empresas de logística, atacadistas, indústrias e uma outra parte da população migraram para Contagem e Betim; um contingente de trabalhadores de baixa renda não teve alternativa, e precisou se mudar para Neves, Betim, Ibirité, Sarzedo, Sabará, Santa Luzia e outros.

Isso tudo, sem mencionar as empresas que optaram por São Paulo.

Belo Horizonte, outrora o centro solar da vida mineira, viu seu PIB per capita caindo ano após ano (até ser reduzido, lá em 2023, para 50% do PIB per capita de Nova Lima), a arrecadação de ISS caindo, a indústria imobiliária e da construção civil raleando a cada dia e, com isso, o IPTU subindo sem parar para compensar a perda de arrecadação e o empobrecimento do município.

Não espanta que, agora que fui eleito, a prefeitura mal tenha como fazer frente ao básico constitucional, mantendo algumas escolas abertas e uma parte apenas do sistema de saúde municipal. Melhorias, reformas, investimentos em infraestrutura, zeladoria, segurança pública ficaram para trás nestes últimos tempos, por absoluta falta de orçamento.

As praças já não podem ser usadas pela falta crônica de manutenção, e os parques municipais estão permanentemente fechados, evitando ataques, assaltos ou coisa pior. A população se acostumou a ficar em casa após as oito horas da noite, numa espécie de “toque de recolher” tácito. Comércio e supermercados, atualmente, apenas nos shopping centers que, com os detectores de metal e guarda armada, conseguem garantir alguma segurança para as compras.

Paradoxalmente, Belo Horizonte ainda possui a melhor, mais completa e ampla infraestrutura da região metropolitana, seja em metragem de asfalto, seja na cobertura de água e esgoto, mesmo que limitada a uma única linha de metrô, após 70 anos (agora, em 2032, uma piada nacional recorrente sobre oportunidades perdidas em qualquer fórum de prefeitos que se vá).

Pode ter sido em 2003, ou 2010 (não me lembro mais), quando o Governo do Estado e os prefeitos da região metropolitana assistiram, encantados, à apresentação de uma tese na qual a região metropolitana seria uma espécie de loja de departamentos, e cada município um setor especializado. Um setor serviria como apoio aos demais e, todos juntos, uma orquestra afinada, cada qual com a sua vocação e a sua missão. Um município seria o setor da logística aérea, outros do turismo, alguns para as indústrias (separadinhos por “temas”), outros dos serviços, outro focado no meio ambiente, e por aí vai.

A ideia era tão ruim, mas tão ruim, que conseguia ser ainda pior que cidades setorizadas e segmentadas por uso (como Brasília e Chandigarh, na Índia), porque nessas cidades - pelo menos - a arrecadação pode ser compartilhada (mesmo que a cidade não funcione).

Numa região metropolitana pensada como uma loja de departamentos ou como Brasília, quem perdeu arrecadação, se lascou, e não há compensação. Quem só ganhou população e se tornou uma cidade dormitório, viu os custos e as responsabilidades nas áreas da saúde e da educação explodirem, sem qualquer contrapartida na arrecadação. Pior, várias dessas cidades ou subsidiam, ou não cobram IPTU dos imóveis, e precisam ser quase que integralmente financiadas por repasses do FPM - Fundo de Participação dos Municípios.

E então, a terceira capital brasileira, uma das cidades mais arrumadinhas, prósperas, seguras e agradáveis, com múltiplas vocações, sede de grandes grupos empresariais, concordou em pular para o precipício armada apenas com um guarda-chuvas, candidamente cedendo as joias da coroa para os municípios vizinhos, num acordo sem qualquer ganho para o município.

Repetindo, nenhum ganho para Belo Horizonte.

Agora já foi, e a loja de departamentos que não devia ter sido já dura uns 20 anos, funcionando mal e tocando cada dia mais desafinada. Alguns municípios ganharam muito, outros perderam um pouco e ganharam um pouco, e outros só perderam, e perderam muito. Desses (que só perderam), os que toparam receber os MCMV - Minha Casa Minha Vida de forma extensiva pularam no abismo sem ter, sequer, o guarda-chuvas. Para esses, a única saída é a atração de indústrias, quaisquer indústrias, e a qualquer custo, fomentando empregos e arrecadação local.

Para Belo Horizonte, o leque de alternativas é extenso, embora as décadas de inação representem, por si só, um problemão que aumenta a cada dia.

A boa notícia, para eu que fui eleito, é que o resgate da importância, da arrecadação e da vitalidade de Belo Horizonte não dependem de investimentos, mas de uma mudança de postura: ajudar quem quer investir e correr riscos no município de Belo Horizonte, porque ao fazer assim, os empreendedores me ajudarão na geração de empregos, aumento na arrecadação, aumento do estoque de moradias e alívio no custo das moradias produzidas (quanto mais produz, mais baratas ficam), redução do custo do transporte urbano (se muita gente pode morar perto de onde trabalha), melhoria da segurança pública (com as ruas mais “vigiadas” pelos comércios e moradores), atração de mais comércio, mais lazer e mais negócios.

Aproveitando o conhecimento acumulado em outras cidades (várias dessas na China, por exemplo), se consigo reverter parte desse aumento de arrecadação para investimento em cultura, áreas de lazer, museus, mercados, praças e parques, tudo com muita segurança pública, consigo atrair moradores da área de tecnologia e, após os moradores, as empresas de tecnologia.

As escolas públicas também precisam melhorar, porque os trabalhadores dos setores do futuro (ou do presente) só vão morar onde seus filhos possam ter, sem qualquer sombra de dúvida, educação de qualidade, segurança, lazer e cultura.

Que mágica é essa que eu faria? Que mágica é essa que não custaria nada aos cofres municipais?

Eu chamaria os agentes do mercado imobiliário e ofereceria muito coeficiente de aproveitamento sem custo, a chance de construir sem os nefastos afastamentos, aprovações e alvarás de construção expressos, desburocratização. O poder público servindo e trabalhando em favor dos empreendedores, só para variar um pouco. Teria o mercado imobiliário como um parceiro verdadeiro, como um meio para os objetivos do município, e não como um oponente prestes a cometer um deslize.

Para a cidade toda, em qualquer lugar?

Claro que não!

Somente em corredores, e nos locais com bastante infraestrutura e baixa densidade, como por exemplo a Avenida Amazonas, no trecho compreendido entre Avenida do Contorno e Avenida Tereza Cristina (Gameleira).

Embora o trecho seja dotado da melhor infraestrutura disponível (só falta metrô), predominam construções de 2 pavimentos. São mais ou menos 546 mil metros quadrados nos quarteirões lindeiros à Avenida, absolutamente degradados, infra totalmente subutilizada.

A um coeficiente de 10, são 5 milhões e meio de metros quadrados construídos, 80 a 100 mil apartamentos de média e baixa renda, 200 ou 300 mil pessoas, bilhões em taxas arrecadadas, bilhões em IPTU, vitalidade, comércio, serviços, densidade, empregos, segurança pública, talvez a ponto de justificar uma linha de metrô sob a Avenida Amazonas.

Eu disse “mágica”?

Não, eu não sou mágico… sou o prefeito de Belo Horizonte.