Em meio a likes, haters e starkers estamos

Em meio a likes, haters e starkers estamos "perdidis", diria o filósofo Mussum.

crédito: TV Globo/Divulgação

A arte do silêncio deveria ser ensinada nas escolas. Enquanto não falamos nada, as pessoas ao nosso redor ficam em dúvida se somos sábios ou ignorantes. Assim que as palavras saem de nossa boca, a dúvida se extingue.

 

 

Já ultrapassamos a época em que se discutia a importância entre o “ser” e o “ter”. Hoje, temos a certeza de que o fundamental é parecer. Ou melhor, aparecer! Em meio a likes, haters e starkers estamos “perdidis”, diria o filósofo Mussum.

 

A questão mais crucial é que perdemos uma certa elegância diante da vida, aquilo que sustentava uma espécie de ceticismo sobre as coisas do mundo e suas realidades. A dúvida, mãe da sabedoria, se cansou de nós e foi passear em outras paragens. Talvez tenha descoberto um mundo onde se sentisse mais útil.

 

Lógico que o problema não é necessariamente ser um burro. A coisa complica mesmo quando começa a crescer o número de imbecis com iniciativa. Aí o cenário fica quase irreversível. Há uma certa virtude no idiota tímido. Ao contrário, um tapado cheio de prontidão tem o potencial destrutivo de uma bomba atômica.

 

No ar e na tela, frases feitas, receitas existenciais e dicas de enriquecimento ecoam em uma polifonia de asnice, traduzidas em pequenas pílulas de suicídio intelectual: “Trabalhe enquanto eles dormem (Marx só observando...)”, “aprenda a conquistar pessoas com minha fórmula de sedução (Sartre e Simone de Beauvoir tecem um olhar de desprezo)”, “fique rico trabalhando poucas horas por semana (Adam Smith infartou)”, “não perca a fé, mesmo se te acertarem um tijolo (Tomás de Aquino não entendeu)” e “controle seu destino ou alguém o controlará (Freud deve estar gargalhando desta!)” .

 

Acontece que a ignorância, agora, é vista como uma espécie de troféu. Ninguém tem mais vergonha de sair por aí espalhando idiotice. Assombra perceber que algumas pessoas perderam o pudor de demonstrar seus parcos conhecimentos por aí. De brigas políticas nas redes sociais às consultas de psicologia positiva, falar besteira é a regra do momento. Kant deve estar se revirando no túmulo. Autonomia? Pensar por si mesmo? Para quê? Se tenho alguém prontinho – desde que receba um bom dinheiro, né? - para assumir dilemas de consciência em meu lugar, gritando palavras de ordem pela tela do celular.

 

Por isso que a vergonha em afirmar algo e estar muito equivocado, a busca por conhecer melhor sobre o assunto e se informar para se formar, cedeu lugar à aceleração dos linchamentos digitais, cheios de especialistas em guerras, entendedores de conflitos geopolíticos, mestres em ordenamento jurídico, professores de ética e doutores em conflitos familiares.

 

Nelson tinha razão. Os idiotas irão dominar o mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos. Basta olhar para fora da janela. Para cada Pelé, milhares de pernas-de-pau. Para cada Beethoven, um milhão de sofrência. Para cada silenciosa sabedoria, um falatório sem fim. Infelizmente (ou felizmente?) a natureza transformou a genialidade em coisa rara. O que vemos é a vitória do homem comum, medíocre e falador. Visão elitista? Talvez.

 

O que Sócrates fazia na ágora era justamente expor a ignorância dos faladores. Políticos, poetas e artífices - representantes da alta sociedade grega - que afirmavam saber de tudo. Quando eram testados pela dúvida socrática, demonstravam que não passavam de um vaso oco, superficial como um fungo. Eram os influencers da época. Possuíam a profundidade de um pires e um raciocínio curtinho.

 

Enquanto Sócrates buscava saber, justamente porque tinha a convicção de que ainda não sabia de todas as coisas, o restante andava por aí, ostentando a burrice como medalha de guerra, regurgitando frases feitas, pré-conceitos e opiniões. Era a luta da sabedoria elegante contra a burrice empoderada.

 

No final das contas, Sócrates foi condenado pelo júri, obrigado a tomar um cálice de cicuta. A acusação? Corromper a juventude ateniense. A maioria o qualificou como culpado (veja bem: a maioria!).

 

Espanto? Nenhum. Enquanto ele entrou para a história, os outros se transformaram em uma massa amórfica que ficou conhecida por censurar o “pai da filosofia”. Talvez esse seja mesmo o destino da maioria.