Interessante como uma cena de um filme pode desbloquear vivências que fizemos de tudo para esquecer. Foram 5 minutos de filme e eu precisei sair da sala tamanha a angústia que se abateu em mim. A angústia do puerpério estava ali, presente, 15 anos depois. Foi como se a cena tivesse me arremessado para dentro daquele buraco que eu insistia em fingir que nunca existiu.


Lembro-me do meu maior medo e meu maior desejo no último mês de gestação: ter meu filho nos meus braços. Era o maior medo porque, enquanto ele estava na minha barriga, eu tinha controle de quase tudo. Mas eu também teria o prazer de ver aquela carinha, de amamentar, de tê-lo no meu colo, além de poder voltar a dormir sem aquela falta de posição provocada pelo pequeno inquilino que ocupava meu útero há 39 semanas. Maternidade é essa contradição.


Eu tinha tudo planejado, sabia qual roteiro seguir para ser a mãe/mulher/profissional perfeita. Tinha lido muitos livros, tinha feito curso de aleitamento, curso para pais de primeira viagem, tinha me preparado para um parto vaginal. Tinha até matriculado o inquilino no berçário que ficava bem perto do meu trabalho, antes mesmo de ele desocupar o imóvel. Ninguém me contou que aquele roteiro da perfeição tinha tudo para ser um desastre.


Meu filho nasceu no dia 6 de maio de 2009, às 23h19 depois de quase 24 horas de trabalho de parto. Naquela noite eu não consegui dormir. Cheguei da sala de recuperação no meio da madrugada e pude ficar com ele no meu colo. Depois de amamentá-lo queria ficar olhando para aquele pequeno ser que tinha saído de dentro de mim, e que dependia de mim e do meu leite para sobreviver. Eram 3,505kg de responsabilidade dormindo no meu colo.


Ativei o piloto automático e fui fazendo tudo do jeito que eu achava que tinha que ser. Meu bebê tinha 28 dias quando voltei a trabalhar, não me permiti ter nem um mês de licença-maternidade, porque não podia deixar minha sócia cuidando de tudo sozinha. Entre reuniões com clientes, desenhos técnicos e supervisão das arquitetas e estagiárias que trabalhavam conosco, eu amamentava meu bebê que tinha um berço dentro do meu escritório.


As primeiras cenas daquele filme desenterraram tudo o que eu escondia de mim mesma naquele puerpério, tentando ser a Mulher Maravilha. Submergi num mar de angústia e culpa por ter exigido tanto de mim mesma, querendo fazer parecer fácil passar por tudo aquilo. As lágrimas desciam enquanto aquela pulsão de morte aflorava. Precisei me deitar. Dormi. Acordei virada do avesso, sem forças para sair da cama. Passei a manhã ouvindo mantras e meditando, elaborando toda aquela angústia que eu nem sabia que estava em mim.


Acolhi a pessoa que eu fui 15 anos atrás, senti com força e deixei ir embora. Peguei fotos daquele período e só consegui ver um bebê muito fofo e todo o amor que eu sentia por ele, que eu sinto. Então entendi que aquele amor havia se misturado com a dor e a angústia e, como o amor era muito maior, eu consegui deixar os outros sentimentos escondidinhos. Nesse desbloqueio, libertei a dor e restou um alívio enorme por ter passado. Agora consigo entender por que sempre me dava pena quando via uma mulher grávida. Talvez um dia eu consiga assistir àquele filme, hoje não.