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Estado de Minas

Censura de páginas no Facebook é motivo de controvérsia

Movimento que prega liberdade feminina e imagem tatuada de paciente de câncer sofrem censura no Facebook enquanto permanecem páginas que pregam violência contra a mulher


06/06/2013 08:51 - atualizado 06/06/2013 09:59

Em corpos nus mostrados como forma de protesto, batons vermelhos contornam frases contra a violência às mulheres durante a Marcha das Vadias: “O seu machismo é indecente, não os meus seios”. O movimento surgiu em 2011, em Toronto (Canadá), em protesto contra a declaração de um policial que teria dito que as vítimas de estupro são culpadas do ato por usarem roupas provocantes. Durante a mobilização, as participantes abusam desse tipo de vestimenta e, nomeando a passeata, tentam ressignificar a palavra, muito usada pelos agressores. A marcha é o exemplo preferido dos analistas do Facebook quando o assunto é remoção de conteúdo dito como pornografia, afinal, apesar do intuito não sexualizado, os seios das mulheres estão ali expostos. Diversas manifestantes já tiveram seus perfis bloqueados.

Priscila Musa teve álbum de fotos feitas na Marcha das Vadias censurado pelo Facebook no ano passado. Movimento prega direito das mulheres de decidirem o que fazer com o próprio corpo
Priscila Musa teve álbum de fotos feitas na Marcha das Vadias censurado pelo Facebook no ano passado. Movimento prega direito das mulheres de decidirem o que fazer com o próprio corpo (foto: Priscila Musa/Divulgação/Marcos Michelin/EM/D.A Press)
No ano passado, Priscila Musa, de 32 anos, arquiteta, urbanista e conhecida fotógrafa de mobilizações em Belo Horizonte, teve seu álbum da marcha censurado pela rede social. Quase imediatamente após a publicação, as fotos foram removidas, porque, segundo post feito por ela num blog, “era necessário conservar os padrões da comunidade do Facebook”. O site bloqueou a conta por 24 horas, e assim que liberou, ela publicou as imagens de novo. A arquiteta resolveu então fazer pequenos manifestos e postou várias fotos durante 15 dias até que recebeu uma mensagem do Facebook comunicando que seu perfil seria excluído. A ameaça surtiu efeito e ela parou.

O irônico é que as fotos da marcha deste ano, realizada em 25 de maio, ainda não foram censuradas. “Eles dizem que são os próprios amigos que denunciam. Meus contatos não mudaram, a repercussão deste ano foi a mesma. Recebi comentários machistas dizendo que o movimento é coisa de vagabunda, mas ainda não fui notificada”, conta.

Essa não foi a única vez que o site bloqueou o perfil de Musa. Quando ela colocou o sobrenome Guarani-Kaiowá, em apoio aos indígenas de aldeia homônima que seriam retirados de terras no Mato Grosso do Sul para reintegrar a posse a fazendeiros, foi bloqueada por usar “perfil falso”. Depois de enviar um e-mail indignado e ameaçando sair do site, pediram que ela mandasse a carteira de identidade, o que foi recusado pela arquiteta.

“É uma contradição: uma suposta ferramenta que permite que você interaja com as pessoas, faça diversas ações, passa pelo crivo da sociedade moralista”, afirma. Priscila teve que lidar com diversas críticas, questionando por que simplesmente não saiu da rede. “A propriedade privada é inquestionável?”, argumentava. Para ela, a própria comunidade deveria ser encarregada de fazer a gestão do conteúdo, salvo questões criminosas já tipificadas por lei. “Conteúdo agressivo deve ter um controle rigoroso, tem que ser mapeado, saber de onde estão saindo os posicionamentos e quem faz, porque isso é grave. Muito diferente de seios expostos em uma manifestação”, afirma.

Imagem tatuada de uma mulher que se submeteu a mastectomia por conta de um câncer foi considerada conteúdo ofensivo e retirada do Facebook
Imagem tatuada de uma mulher que se submeteu a mastectomia por conta de um câncer foi considerada conteúdo ofensivo e retirada do Facebook (foto: Facebook/Reprodução da internet)
QUE LIBERDADE É ESSA?

Enquanto a imagem da tatuagem do colo de uma mulher que venceu o câncer de mama é removida da rede de Zuckerberg, grupos que explicitamente encorajam o estupro e a violência doméstica são aprovados por seus moderadores. Em nota, o Facebook afirmou não permitir que indivíduos ou grupos ataquem outras pessoas com base em sua raça, etnia, nacionalidade, religião, gênero, orientação sexual, deficiência ou doença. “Permitimos que os usuários falem livremente sobre assuntos e pessoas de interesse público, mas tomamos medidas em relação a todas as denúncias sobre comportamento abusivo direcionado a pessoas em particular.” Nota-se que a empresa preocupa-se com calúnia e difamação de indivíduos específicos, não entrando nessa política a agressão a todo o gênero, como no caso das mulheres.

A empresa afirmou ainda incentivar a denúncia e que ela “é a melhor forma de submeter o conteúdo à revisão da nossa equipe multidisciplinar, que removerá prontamente aquilo que violar os nossos termos”. No dicionário do Facebook a palavra prontamente deve ter outro significado, pois diversas páginas, a despeito das denúncias, continuam no ar. “Denúncias de conteúdo ofensivo são seriamente analisadas por nós e é por isso que também oferecemos ferramentas de denúncia social e o painel de suporte.” Tão sério que a rede está cheia de páginas de incitação ao ódio, no ar há meses, e com milhares de curtidas.


CINCO PASSOS
Melhorias que serão implementadas pelo Facebook imediatamente, segundo Marne Levine, vice-presidente global de políticas públicas:
1) Revisão e atualização das diretrizes
O guia utilizado para avaliar denúncias de violação das normas sobre discurso de ódio será revisto. Será solicitada orientação de especialistas jurídicos e outros, como representantes das mulheres e grupos historicamente discriminados.

2) Treinamento
As equipes terão treinamento atualizado para avaliar relatórios de discursos de ódio no site. Especialistas e representantes de entidades diversas também serão consultados.

3) Responsabilização do criador de conteúdo
A empresa já está testando um novo requisito para que o criador de qualquer página de humor nonsense inclua sua identidade autêntica para que o conteúdo permaneça no site. Assim, fica mais fácil direcionar as denúncias.

4) Canais de comunicação
O Facebook convida a todas as representantes de causas feministas a se juntar à empresa em canais de comunicação menos formais. Assim, a avaliação do conteúdo que viola as normas pode ser acelerado.

5) Pesquisas sobre efeitos do discurso do ódio
Incentivo a incluir representantes da causa sexista em grupos de trabalhos internacionais contra a propagação do discurso do ódio na rede a fim de realizarem pesquisas sobre os efeitos das experiências on-line.

* Acesso a nota oficial (em inglês): https://on.fb.me/19k1c5Y.


CARTA ABERTA
O grupo Women, Action and The Media e The Everyday Sexism Project pediram à rede social:
1 - Que o Facebook reconheça mensagens que banalizam ou glorificam a violência contra meninas e mulheres e assuma o compromisso de não tolerar esse comportamento.
2 - Que eles treinem moderadores para reconhecer e remover discursos de ódio baseado em gênero.
3 - Que eles também façam esses moderadores entenderem como essas agressões on-line afetam diferentemente homens e mulheres em um contexto histórico de agressões ao gênero feminino.

 

Opinião de especialista: Ambiente virtual é  punível

 

Segundo Alexandre Atheniense, advogado especializado em direito digital, as regras do Facebook não podem estar desalinhadas da legislação brasileira, independentemente de a sede ser nos Estados Unidos. Para ele, as redes sociais são extensão da vida real e as leis também são aplicadas no ambiente virtual. O provedor, tomando ou não consciência do fato, por dar suporte passa a ser corresponsável do conteúdo. “Estupro é crime. Se a empresa estiver dando estrutura para essa prática, será responsabilizada. É só lembrar que em 2008 o então diretor do Google no Brasil, Alexandre Hohagen, foi detido depois que a companhia se eximiu da responsabilidade de conteúdo pedófilo na rede”, afirma.

Enquanto imagens de mulheres em discurso político envolvendo o uso de seus corpos em protesto e de maneira não sexualizada são banidas por pornografia, conteúdo realmente pornográfico permanece on-line na rede. Atheniense lembra que “sexo” é o conteúdo mais procurado pela internet. “Costumo dizer que muitas vezes essa vista grossa existe porque gera tráfego para as redes”, afirma. Ele ressalta que qualquer pessoa que se sentir prejudicada por conteúdos no Facebook tem o direito de pedir para a imagem ou texto ser retirado e lembra que é vedada pela Constituição federal a manifestação de forma anônima. “As cláusulas do site não são irretocáveis”, destaca.

 


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