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Com todo o glamour

Em 1959, garotas de Araguari fizeram um jogo para 20 mil pessoas no Independência vestindo as camisas de Atlético e América, e viveram momentos de celebridade. Amanhã, quase 60 anos depois, os times voltarão a se enfrentar no Mineirão


postado em 22/03/2019 05:08

As jogadoras de Araguari vieram de avião para BH e foram recebidas como verdadeiras estrelas. Vestindo as camisas de América e Atlético, elas foram a principal atração da 6ª Festa dos Melhores, promovida pelo Diário da Tarde(foto: Fotos: arquivo/EM)
As jogadoras de Araguari vieram de avião para BH e foram recebidas como verdadeiras estrelas. Vestindo as camisas de América e Atlético, elas foram a principal atração da 6ª Festa dos Melhores, promovida pelo Diário da Tarde (foto: Fotos: arquivo/EM)



Passava das 14h de domingo, 10 de maio de 1959, quando 22 jogadoras entraram no gramado do Independência com as camisas de América e Atlético. Nas arquibancadas do Horto, 20 mil torcedores se acotovelavam curiosos pelo duelo festivo numa época em que o Conselho Nacional de Desportos (CND), subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, proibia competição de futebol entre as mulheres – bola nos pés, só em partidas de exibição, enfrentando o preconceito e os olhos desconfiados dos pais. A história do clássico, disputado por jogadoras de Araguari, no Triângulo Mineiro, que vestiram a camisa dos dois clubes, é a primeira parte da matéria especial “Pioneiras FC”, sobre as raízes do futebol feminino em Minas Gerais.

Sessenta anos depois, América e Atlético voltam a se enfrentar em amistoso amanhã, às 10h, no Mineirão. Hoje, por determinação da CBF, seguindo exigência da Fifa e Conmebol, clubes sem time feminino em competições nacionais estão proibidos de jogar a Libertadores. No fim da década de 1950, a situação era bem diferente. O pior: qualquer iniciativa, mesmo que independente, era prontamente interrompida pelo decreto-lei de abril de 1941 que afirmava que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”

Os contratempos, entretanto, não intimidaram o diretor de futebol do Araguari Atlético Clube, Ney Montes, de criar dois times femininos, inicialmente para arrecadar fundos para um grupo escolar. Organizou uma peneira e escolheu 25 meninas. Jogaram pela primeira vez em dezembro de 1958 e a fama logo correu o país. Às 9h10 de quinta-feira, 7 de maio de 1959, desembarcaram no aeroporto da Pampulha, em avião da Real, para jogar pela primeira vez na capital mineira, como atração principal da 6ª Festa dos Melhores, promovida pelo jornal Diário da Tarde.

Partiu do periódico dos Diários Associados a ideia de vesti-las com as camisas de América e Atlético. “Para se estabelecer nesta exibição a criação do espírito de rivalidade entre as equipes, vimos por bem encamisá-las de modo diferente, seguindo para isto a maior marca de tradição do futebol mineiro: o clássico das multidões”, anunciava a publicação de 8/5/1959.

A presença das garotas, todas na média de 15 anos, gerou um alvoroço em Belo Horizonte. Jogadoras como a goleira Eleuza, as zagueiras Marizeta, Mirna e Zalfa; as médios Ormezinda e Leni; e a ponta-direita Wileina viveram dias de estrelas de cinema, com fotos nos jornais e entrevista no estúdio da TV Itacolomi. “A rivalidade entre Atlético e América era muito grande, tanto que as torcidas ficaram separadas durante o jogo. E isso aumentou muito o interesse em torno da partida”, lembra Zalfa Nader, zagueira-central, capitã do Atlético.

FESTA E GRACEJOS PUNIDOS No início da tarde de domingo, 20 mil pessoas lotaram o estádio do Horto. “As beldades de Araguari, por si só, arrastaram ao Independência, na tarde de ontem, grande parte da multidão que lotou o Gigante do Horto, como autênticas vedetes do espetáculo em que se constituiu a tarde esportiva”, destacava o Diário da Tarde.

O clima era de festa, e muito respeito, mas um fato chamou a atenção: três torcedores se dirigiram às jogadoras com gracejos, mas logo foram punidos por um policial. “Dando vazão à sua pouca educação, três moleques dirigiram gracejos às moças (...) Um investigador, de serviço na pista, se limitou a colocá-los de costas para o gramado, encostados no paredão da ferradura”, dizia o texto.

O Atlético abriu o placar com Iraídes, aos 4min. Aos 22min, Leny empatou para o Coelho. O gol da vitória do Galo foi de Wisleina, aos 18min. “Quando o Atlético ganhou o jogo, a torcida jogava chapéus para cima, paletós... Foi uma festa no gramado”, lembra Zalfa.

 



Meninas viajaram pelo país

A equipe feminina do Araguari Atlético Clube foi um sonho que durou pouco mais de um ano, quando foi sufocado de vez pela proibição de competição entre mulheres no Brasil. Em 1959, os dois times excursionaram por Uberlândia, Belo Horizonte, Varginha, Salvador e até receberam convite para jogar no México. As jogadoras ganharam as páginas dos principais jornais e revistas, como O Cruzeiro, que registrou as tardes de casa cheia do Estádio José Vasconcelos Montes, em Araguari, e em Uberlândia.

A ideia partira de Ney Montes, que a bordo de seu Chevrolet Ramona, percorreu Araguari convidando as moças entre 14 a 20 anos para jogar futebol. “Meu pai era muito conhecido e respeitado na cidade. Os pais e mães das jogadoras só deixavam viajar se ele fosse junto”, conta Teresa Cristina Cunha, filha de Ney Montes, já falecido.

“A gente era muito humilde, menina do interior, e pudemos viajar de avião, ficar em hotel três-estrelas, participar de recepções nas cidades. Todos nos respeitavam muito. É uma época da qual todas temos saudades”, conta Darci de Deus Leandro, hoje com 75 anos, mãe de cinco e esposa de Homero, ex-goleiro do Araguari. “A gente foi jogar na Bahia e tinha muita vontade de jogar fora do Brasil, no México. Mas quando fomos fazer os documentos, a lei foi rigorosa e o time teve que acabar”, lembra a zagueira, que defendeu as cores do América no Independência.

Muitas jogadoras foram para handebol, vôlei, outras deixaram de vez o esporte. Em 2014, veio o reconhecimento, quando foram homenageadas no Rio, no Palácio do Catete – o mesmo lugar onde foi assinado o decreto-lei que proibiu o futebol feminino, em 1941. As jogadoras se encontraram com Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. “A gente lamenta que muitas já se foram antes de ser homenageadas, mas fazemos questão de lembrar de todas que fizeram parte desta história”, se emociona Darci.

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