garoto deitado no sofá mexe no smartphone

Estudo canadense de 2022 identificou que o tempo de tela de jovens até 18 anos aumentou em média 52% durante a pandemia

Alexandra_Koch/Pixabay
 Manter a concentração dos alunos nas aulas de Português tem sido um desafio para Vanessa Soares, professora da rede estadual de São Paulo há 12 anos. O problema não é, necessariamente, o desinteresse pela matéria. Ela não consegue competir com a sonolência e o uso de celulares. "Vemos muitos alunos com muito sono, e, quando a gente pergunta, eles foram dormir duas horas da manhã jogando na internet, usando o celular. Os pais têm dificuldade de controlar", relata.

 

Soares ensina crianças e adolescentes de 11 a 14 anos na cidade de Quatá, interior paulista. Ela notou, nos últimos anos, uma piora expressiva na capacidade de concentração dos alunos, que estão cada vez mais sonolentos em sala de aula.

 

A dificuldade já existia antes da pandemia, mas piorou após o período de isolamento. Um estudo canadense, publicado na Jama Pediatrics em novembro de 2022, identificou que o tempo de tela de jovens até 18 anos aumentou em média 52% durante a pandemia.

 

"No período do isolamento, alguns jovens passavam de 14 a 16 horas por dia usando telas", aponta o pediatra Gustavo Moreira, especialista do Instituto do Sono. "Estudos mostram que três horas por dia já têm um efeito negativo."

As consequências

 

As consequências do uso excessivo de celulares, tablets e computadores ainda estão sendo estudadas. Oftalmologistas acreditam, por exemplo, que o hábito esteja ligado ao aumento do número de casos de miopia em jovens.

Leia: Uso excessivo de telas: cresce miopia entre crianças e adolescentes.

 

A relação da luminosidade das telas com a dificuldade de dormir, porém, é facilmente explicada pela ciência. Letícia Soster, responsável pelo laboratório de Sono Infantil do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da USP e membro da ABS (Associação Brasileira do Sono), aponta que o organismo humano tem uma série de mecanismos para determinar o ciclo de sono, incluindo fatores comportamentais e o gasto de energia.

 

Contudo, um fator importante para que o corpo entenda que está na hora de dormir é a ausência de luminosidade, difícil de conseguir quando se tem contato constante com celulares, tablets e computadores. "O nosso olho não entende a diferença entre a luz do sol e a luz de telas", pontua Soster. "A criança que usa telas no fim do dia tende a empurrar o horário do início do sono."

Leia: Luz emitida por celulares antecipa processo de maturação sexual, diz estudo.

 

É por isso que no período letivo muitos têm dificuldade de se adaptar aos horários e os efeitos são percebidos em sala de aula.

 

"A privação de sono tem vários efeitos neurológicos", afirma o pediatra Gustavo Moreira, especialista em medicina do sono. Para crianças e adolescentes, dormir menos de nove horas por dia pode causar alterações de humor, dificuldade de memorização e de concentração.

 

Especialmente na adolescência, fatores fisiológicos e sociais dificultam que essa meta seja alcançada. Moreira ressalta que, enquanto crianças tendem a ser mais matutinas, adolescentes são vespertinos: sentem sono mais tarde à noite e têm mais dificuldade para acordar cedo.

 

"O horário da escola, que começa às 7h, é muito cedo para o adolescente", reforça Soster. Segundo a neurologista infantil, experiências em outros países mostram que atrasar o começo das aulas pela manhã pode ajudar os alunos a melhorar o rendimento.

 

Privação do sono e a dificuldade de aprendizado

A privação de sono associada ao uso de telas em excesso causa dificuldades no aprendizado e diminui o foco dos estudantes em sala de aula. Além disso, professores e especialistas têm observado um comportamento imediatista e ansioso.

 

Ana Paula Aoletta, professora de Língua Portuguesa em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo, diz que em resposta ao comportamento dos alunos, os professores precisam dinamizar "muito" as aula, pois "qualquer atividade ou explicação que se prolongue um pouco, percebo que eles começam a dispersar".

 

Aoletta é professora há 19 anos e já ensinou crianças e adolescentes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental em escolas municipais da região do ABC Paulista. A profissional relata que, ao mesmo tempo que os alunos têm o raciocínio mais lento e a atenção prejudicada, também demonstram certa impaciência e dificuldade de aguardar respostas. A professora Vanessa Soares concorda. "Eles querem tudo muito rápido."

Como contorlar o tempo de sono

Os especialistas ressaltam que os pais precisam estabelecer limites em casa para garantir que os filhos tenham uma boa rotina de sono. "Para adolescentes, dez da noite é um bom horário para dormir. Já para crianças menores, nove horas", diz Moreira.

 

Soster reforça que é importante manter também horários semelhantes no final de semana. "Atrasar de uma a duas horas o horário de dormir, no máximo."

Para garantir que as crianças respeitem esses horários, um elemento importante é reduzir o uso de aparelhos eletrônicos, atividades e alimentos estimulantes no período da noite. A partir das sete horas, é recomendado reduzir o tempo de tela, além de buscar desligar os celulares cerca de uma hora antes de ir para a cama.

 

"A família deve buscar incluir as crianças em atividades sem telas," sugere Moreira. "Os mais velhos podem ajudar a preparar o jantar ou colocar a mesa, por exemplo."