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Estado de Minas DIPLOMACIA

Itamaraty busca reconstruir pontes com outros países

Ministro das Relações Exteriores fez 65 encontros bilaterais nos primeiros 100 dias do governo


10/04/2023 04:00 - atualizado 10/04/2023 07:06

Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores
''Transmitimos aos nossos parceiros uma mensagem clara, de que o Brasil retomou suas linhas tradicionais de política externa, como parceiro comprometido sempre com o diálogo'' - Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores (foto: AFP PHOTO - 26/3/23)

Estava um clima tão descontraído – dentro dos padrões do rito diplomático – que, a certa altura, Celso Amorim esqueceu que seu interlocutor era russo e começou a falar em português. Do outro lado de uma mesa gigante no Kremlin, estava Vladimir Putin, que por uma hora conversou com o enviado de Lula (PT). O russo riu. Foi uma quebra de gelo que, para o assessor especial da Presidência e ex-chanceler, cristalizou a receptividade que nem ele esperava. Amorim, afinal, foi à Rússia vender a Putin a ideia de Lula sobre o “clube da paz” para frear a guerra em curso na Ucrânia.

A viagem representou o mais recente aceno da política externa brasileira novamente sob a batuta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os cem primeiros dias do novo Itamaraty foram marcados por acenos múltiplos em várias direções. O desafio, agora, é esclarecer o que será prioridade. Com a ressaca do bolsonarismo – um período que apartou o Brasil da China, seu principal parceiro econômico, e tornou o país quase pária – o clima geral sobre a agenda externa capitaneada por Lula, pelo chanceler Mauro Vieira e por Celso Amorim é de otimismo.

Mas diplomatas e acadêmicos salientam que, daqui para a frente, é preciso medir a materialidade dessas propostas e, claro, quais sairão primeiro do papel. “Quando há uma multiplicidade de prioridades, pode-se incorrer em erros de concretização e materialização de alguns projetos”, diz Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Em pouco mais de três meses a pasta fez acenos à América do Sul – em busca da dita “ideologia da integração”– aos EUA, à China, à União Europeia, à agenda ambiental, à igualdade de gênero e à Guerra da Ucrânia. Foi também um período inicial de ampla agenda no exterior. Enquanto Lula esteve em Portugal, antes mesmo da posse, na Argentina, no Uruguai e nos EUA, Vieira fez, além dessas, outras cinco viagens oficiais – como à Alemanha, para a Conferência de Segurança de Munique, e a Índia, para reunião do G20.
 

Ao todo, segundo levantamento junto ao Itamaraty, foram 65 encontros bilaterais de Vieira com chanceleres e ministros desde 1º de janeiro. Ao Brasil, já vieram seis chanceleres nestes cem dias – de Japão, Grécia, França, Portugal, Uruguai e Angola. Figuras próximas aos principais formuladores da atual política externa argumentam que a multiplicidade de acenos se trata, na verdade, da construção de pontes necessárias para fazer avançar áreas prioritárias, como a agenda climática, o combate às desigualdades e a mediação da paz e da democracia (na Ucrânia e em outros lugares, como na Venezuela, para onde Amorim também foi enviado por Lula).

Normalização


O próprio chanceler adota essa linha. Vieira afirma que, nestes 100 dias, o foco inicial foi “normalização” das relações com o mundo. “Transmitimos aos nossos parceiros uma mensagem clara, de que o Brasil retomou suas linhas tradicionais de política externa, como parceiro comprometido sempre com o diálogo”. “Com os canais já plenamente restabelecidos, o momento é o de trabalhar no seguimento e na retomada de projetos com nossos vizinhos sul-americanos, com a América Latina como um todo, com os EUA, China e Europa, e também com nossos parceiros africanos”, acrescenta o chanceler.

Os cem primeiros dias também não deixaram de registrar certos entraves. Nos EUA, onde Lula esteve em fevereiro, a frustração se deveu ao valor enxuto destinado pelo governo de Joe Biden ao Fundo Amazônia: US$ 50 milhões (R$ 260 milhões). Mas a proximidade da administração do democrata à do petista não deixa de ser vista com bons olhos por especialistas na agenda climática. “É impressionante como a filantropia internacional se moveu (desde a eleição de Lula)", avalia Renata Piazzon, membro da Coalizão Brasil Clima e diretora do Instituto Arapyaú. Ela diz que caberá ao Itamaraty, em articulação com outros ministérios, saber aproveitar o momento. “Nos próximos dois ou três anos, temos que surfar nessa onda de olhares voltados para o Brasil, porque ela vai passar rapidamente”.

Houve, ainda, a resposta à pressão da Alemanha —cujo premiê, Olaf Scholz, veio ao Brasil— para não enviar armas à Ucrânia. E as rusgas com Washington após a decisão de receber navios de guerra do Irã. Com a União Europeia, o esforço é para tirar do papel um acordo comercial com o Mercosul gestado há mais de 20 anos. A expectativa vendida por Lula, de assinar as tratativas finais até o meio do ano, parece compartilhada por parte da diplomacia do bloco europeu. Em certa medida, o arranjo vem também com a expectativa de fazer deslanchar a aliança sul-americana. Há, no entanto, arestas a serem aparadas com o Uruguai, que publicamente manifesta querer arranjos por fora do Mercosul, em especial com a China.
 

Clube da paz

A proposta de Lula para o chamado "clube da paz" é vista com pouco crédito mesmo entre alguns aliados. A avaliação é de que, a despeito do crédito de colocar o Brasil como um interessado em atuar pelo fim do conflito, não há materialidade na proposta. Para o ex-chanceler Celso Lafer, a medida dialoga, em partes, com “um componente de antiamericanismo da instintiva tradição de correntes do PT”. “E propicia menor abertura para a tragédia da Ucrânia e da sensibilidade política dos que a respaldam”, diz. “A credibilidade do Brasil como um terceiro em prol da paz não aumenta com a viagem de Amorim a Moscou, não acompanhada de prontas e explícitas iniciativas em relação à Ucrânia”, acrescenta Lafer. “Correm o risco de serem vistos como um terceiro aparente, que não é neutro e busca se beneficiar de um conflito que é pluridimensional.”
 
Amorim, depois de retornar da Rússia, argumentou que um cessar-fogo realmente não está na agenda imediata. Mas sinalizou a vontade de Brasília de se mostrar disponível para quando houver a possibilidade de esboçar um plano de paz. Para Kalout, “antes da paz, que não está dada, o Brasil pode ser proponente de ações humanitárias”. “Isso é muito mais importante no momento. O Brasil está fazendo todo um movimento tático para garantir um assento na mesa. Mas pode não ser da forma como o Brasil espera. É preciso recalibrar o discurso.” (Folhapress)

Ucrânia


Autoridades ucranianas criticaram a proposta de paz do presidente Lula (PT) para acabar com a guerra entre Ucrânia e Rússia. Na última quinta-feira, Lula sugeriu que a Ucrânia cedesse a Crimeia, península anexada ao território russo em 2014, em troca de paz. Nas redes sociais, ele disse que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, com quem já conversou por vídeo conferência, “não poderia querer tudo”. A proposta foi prontamente rejeitada. “Não há razão legal, política ou moral que justifique o abandono de sequer um centímetro do território ucraniano”, escreveu o porta-voz da diplomacia ucraniana, Oleg Nikolenko, nas redes sociais. Autoridades ucranianas adotaram o mesmo tom. “Defina 'tudo', por favor! A soberania da Ucrânia sobre sua própria terra?”, provocou o diplomata ucraniano aposentado Olexander Scherba, também nas redes sociais.
 



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