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Estado de Minas ELEIÇÕES 2022

Jovem Pan vira voz do bolsonarismo com verbas do governo e tom amigo

Pesquisas qualitativas indicaram que a rádio tem ouvinte fiel, que não consome outras fontes, não lê jornal, evita TV e se informa em redes sociais e WhatsApp


18/09/2022 04:30 - atualizado 18/09/2022 08:58

Bolsonaro e o microfone da Jovem Pan
Bolsonaro e o microfone da Jovem Pan (foto: Jovem Pan/Reprodução)
Ex-atleta e hoje comentarista da Jovem Pan, Ana Paula Henkel descreveu certa surpresa com a recepção no ato pró-Bolsonaro em São Paulo, no 7 de Setembro. "As pessoas diziam: 'Vocês são a nossa voz'."

Exaltações à emissora se somaram ao coro de "Globo lixo" e aos ataques a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e ao sistema eleitoral no evento em apoio ao candidato à reeleição.

Ser apontada nas ruas como a voz dos seguidores de Jair Bolsonaro (PL) é o ápice da guinada da Jovem Pan, de 80 anos, que a levou a um crescimento exponencial de audiência, aumento de verbas recebidas do governo federal e patrocínios de empresas comandadas por apoiadores do presidente da República.

O ano de 2014 marca o começo da mudança na rádio paulistana. Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, assumiu o comando do grupo no lugar do pai, e a empresa estreou o Pingos nos Is.

O programa era apresentado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, colunista da Folha. O sucesso veio rapidamente, e, em outubro de 2014, a audiência chegou a 87 mil ouvintes por minuto na Grande SP, levando o programa ao topo. O ponto de inflexão no rádio, plataforma-mãe do grupo, foi em 2015, quando passou a galgar postos na pesquisa de audiência do segmento, feita pela Kantar Ibope.

Reinaldo deixou a bancada em 2017, após a procuradora-geral da República divulgar conversas dele com Andrea Neves, irmã do então senador Aécio Neves (PSDB). Antes de sua saída, a emissora já havia pulado do terceiro para o primeiro lugar no setor de notícias em São Paulo, posição que mantém até hoje.

Às 18h, horário nobre do rádio, na faixa ocupada pelo Pingos nos Is, a Jovem Pan ultrapassa os 100 mil ouvintes por minuto, 40% a mais do que a segunda colocada, a CBN, do Grupo Globo. São 2,8 milhões de pessoas na capital paulista por mês, também segundo a Kantar Ibope.

O crescimento levou concorrentes a realizarem pesquisas qualitativas. Resultados indicaram que a Jovem Pan tem um ouvinte fiel que não consome outras fontes. Tem a rádio como única mídia tradicional, não lê jornal, diz evitar TV e se informa majoritariamente em redes sociais e grupos de WhatsApp.

Assim como outras atrações, o Pingos nos Is passou a ser retransmitido na TV do grupo, inaugurada no segundo semestre de 2021, e no canal de YouTube, um dos mais populares entre veículos de imprensa.

Apresentada por Vitor Brown, que dita as chamadas jornalísticas, a bancada reveza comentaristas, mas mantém o núcleo formado por Augusto Nunes, Ana Paula Henkel, Guilherme Fiuza e José Maria Trindade.

Com endosso a pautas do bolsonarismo, como suspeitas sobre o sistema eleitoral e críticas à soltura de Lula e ao PT devido a acusações de corrupção, o programa lidera o crescimento no YouTube entre os canais com viés de direita e de direita radical durante o mandato de Bolsonaro.

Levantamento da Novelo Data, consultoria que monitora a plataforma, mostra que o Pingo nos Is quintuplicou a base de seguidores em dois anos. Perto de 5 milhões de inscritos, a atração está próxima de superar o canal da própria Jovem Pan, que agrega conteúdo de toda a programação. Em 2022, a audiência média do programa diário é de 809,3 mil visualizações no YouTube.

Um estudo do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado pela Folha, indica que a plataforma também dá destaque à Jovem Pan a novos usuários: para 18 perfis com zero interação na rede, o YouTube recomendou vídeos da emissora a 10 deles.

Com base nisso, a coligação do PT entrou na quinta (14) com ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pedindo explicações ao YouTube sobre o caso e alegando que a Jovem Pan "tem evidente tendência ideológica". O caso criou rusgas já expostas ao vivo: uma queda brutal de audiência no programa daquela noite levou apresentadores a sugerirem que houve censura por parte da empresa, sem explicitar como.

Além da audiência pela internet, o programa usufrui da capilaridade de pequenas emissoras que transmitem no interior as duas horas de opiniões que muitas vezes casam com a expectativa do ouvinte.

A escolha dos termos dos comentaristas vem do dialeto bolsonarista. Lula é chamado de ex-presidiário, a ameaça democrática vem do "Judiciário ativista" ou do "ativismo de toga" --não das ofensivas do presidente contra as urnas--, a mídia tradicional é a "imprensa velha" e os apoiadores do presidente nas ruas são "jovens de bem", "mulheres honestas" e "patriotas em defesa da liberdade".

À Folha o CEO da Jovem Pan, Roberto Araújo, nega que a emissora apoie o presidente. "O Grupo Jovem Pan não se posiciona em defesa de figuras ou de partidos políticos", afirmou ele, em entrevista por email.

O executivo diz ter uma relação institucional com Bolsonaro, "como ocorre com governadores, prefeitos e demais representantes do povo em qualquer um dos Poderes".

Para veicular campanhas do governo federal, as rádios do grupo receberam cerca de R$ 2,2 milhões em 2021. Foi o maior montante destinado a emissoras do tipo, 13% do total gasto em rádios. A Bandeirantes, com R$ 1,6 milhão, e as rádios da Globo, com R$ 759 mil, vieram atrás. O valor não inclui publicidade das estatais, como Caixa Econômica Federal, Petrobras e Banco do Brasil.

Em 2015, último ano completo do governo Dilma Rousseff (PT), a emissora recebeu R$ 1,9 milhão (em valores corrigidos) de verba publicitária do governo federal. O montante representou 7% do total gasto na época, quase a metade do percentual do ano passado.

Na novata Jovem Pan News TV, uma campanha do Governo Fraterno, ação da gestão Bolsonaro para incentivar a doação de cestas de alimentos, rendeu R$ 368 mil em compra de espaço comercial em 2022.

"Hoje, a verba pública representa a menor fatia do bolo da nossa receita, um sinal de que nossa transformação ocorreu como esperado", afirma Araújo. Ele acrescenta que o grupo tem sido cada vez mais procurado por "empresas privadas para projetos que fogem do modelo convencional de mídia".

Profissionais do mercado publicitário, entretanto, relatam que a linha editorial adotada espantou anunciantes no início do projeto. Até hoje, a empresa tem dificuldade de atrair as maiores companhias, que buscam elos com temas como diversidade e preservação ambiental.

Entre os anunciantes da Jovem Pan estão empresas cujos donos são apoiadores do presidente. Marcas como Havan e Coco Bambu aparecem no espaço comercial do rádio e da TV. Os donos das redes de lojas, Luciano Hang, e de restaurantes, Afrânio Barreira Filho, foram alvo de operação da Polícia Federal que investiga ataques às instituições e disseminação de fake news em grupo de WhatsApp.

"A Jovem Pan traz um jornalismo independente, coisa que nosso país precisa atualmente", disse Ronald Aguiar, um dos sócios do Coco Bambu, no aniversário da emissora.

Também são anunciantes o jornal Gazeta do Povo, a produtora de vídeos de direita Brasil Paralelo, o grupo Gocil, de Washington Cinel, e a Riachuelo, de Flávio Rocha --ambos os empresários já declararam apoio a Bolsonaro.

No YouTube, o canal da Jovem Pan tem 5,6 milhões de seguidores, à frente de Globo, Band, SBT e Record.

Os links para vídeos da emissora, em especial do Pingo nos Is, pipocam em grupos bolsonaristas de WhatsApp e de Telegram e ganham destaque como a voz jornalística em meio à cacofonia de youtubers de direita que improvisam estúdios em casa.

O Pingo nos Is transmite na íntegra as lives do presidente, que já afirmou ter apreço pelo espaço. Ao Flow Podcast Bolsonaro disse que o programa da Jovem Pan é o que ele acompanha e recomenda.

No 7 de Setembro na Paulista, entre os comentaristas in loco em meio à multidão estavam Marco Antônio Costa, conhecido como "Superman do Pânico", Zoe Martínez e Carla Cecato. Somava-se ao grupo Adrilles Jorge, que chegou a ser demitido da rádio por uma sinalização associada ao nazismo, mas retornou antes de se licenciar do trabalho para disputar o cargo de deputado federal pelo PTB em São Paulo.

Após o evento, os comentários foram publicados no YouTube em modo de celebração: "Escondidos com medo do povo, ministros do STF reagem ao 7 de Setembro", "Alexandre Garcia: Nunca vi um líder mobilizar tanta gente como Bolsonaro", "Fiuza: Povo na rua é sinal de resultado positivo do governo Bolsonaro" e "José Maria Trindade: Nunca vi nada igual, havia um mar de pessoas na Esplanada".

Mídia parceira do Google, como outros veículos de jornalismo, a emissora está sujeita às mesmas regras de qualquer canal e teve vídeos banidos do YouTube. Ao menos 45 conteúdos foram retirados da plataforma de vídeos nos dois últimos anos por infração às políticas da empresa, de acordo com a Novelo Data. Eram vídeos sobre Covid, vacinação, Guerra da Ucrânia e fraude eleitoral.

O último registro suspenso retransmitia uma live presidencial de julho de 2021, quando Bolsonaro levantou suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral. Na ocasião, admitiu não ter provas de fraude e dizia que "óbitos seriam evitados se não houvesse politização da cloroquina e da ivermectina".

A primeira reação após a fala foi de Augusto Nunes, que classificou a live de "reveladora". Naquele dia, Marcelo Mattos, que apresentava o programa, destacou que a audiência chegava a 322 mil visualizações simultâneas, um recorde para o Pingo nos Is no YouTube até então.

A Folha procurou Augusto Nunes e outros jornalistas da rádio, que preferiram não falar com a reportagem.

A menos de um mês da eleição, Bolsonaro foi sabatinado na Jovem Pan. A jornalista Amanda Klein questionou a compra de imóveis em dinheiro vivo por sua família. "Amanda, você é casada com uma pessoa que vota em mim. Eu não sei como é teu convívio na tua casa com ele" foi a resposta.

Depois, Bolsonaro disse que a profissional, ao fazer a pergunta, o rotulava de corrupto e estava sendo leviana. Amanda faz parte de uma minoria na rádio que critica o presidente. Além dela, Guga Noblat, Diogo Schelp e Fábio Piperno participam de programas da casa e questionam ações do governo.

Amanda foi lembrada no ato da Paulista. No carro de som, Tomé Abduch, líder do movimento Nas Ruas, chegou a convocar o que chamou de "recado" à jornalista, mas depois retomou o microfone para pedir respeito, para que os manifestantes não se portassem como "petistas da direita".

"Ao presidente Tuta [Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho], a todos vocês que são do jornalismo, que levam a mensagem para nós, brasileiros, digo a vocês que não vamos perder nosso país", disse ele.

Ao fundo, os apoiadores gritavam o nome da emissora.


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