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Estado de Minas BRASIL

Como Daniel Silveira se tornou titular da comissão mais importante da Câmara

Parlamentar condenado pelo STF e indultado pelo presidente Bolsonaro foi escolhido como membro permanente da CCJ e da Comissão de Segurança Pública


27/04/2022 19:36 - atualizado 28/04/2022 08:29


Deputado Daniel Silveira
Daniel Silveira foi condenado à prisão pelo STF, mas recebeu indulto do presidente Bolsonaro (foto: Getty Images)

Uma semana depois de ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão e perdoado em seguida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) viveu mais uma reviravolta nessa quarta-feira (27/04).

Ele se tornou membro titular da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a mais importante da Casa. Além disso, foi eleito vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara.

Mas como o deputado condenado na semana passada e cujo perdão ainda está sendo analisado pelo STF passou a ocupar cargos de destaque na Câmara dos Deputados?

A explicação de como isso aconteceu tem dois fatores: acordo entre os partidos da base de apoio de Bolsonaro, de um lado, e um recurso aguardando análise no STF, de outro.

Para entender o caso é preciso voltar ao julgamento de Silveira pelo Supremo. Na quarta-feira passada, ele foi condenado — por 10 votos a 1 — e as punições estipuladas foram de oito anos e nove meses de prisão, perda do mandato de deputado federal e suspensão dos direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.

Entre 2020 e 2021, ele divulgou vídeos com ataques a ministros do STF e pedindo um golpe militar no país.

Daniel Silveira é um dos militantes bolsonaristas mais conhecidos do público. Em 2018, ele ficou famoso ao participar de uma manifestação no Rio de Janeiro durante a qual ele quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, morta a tiros em março daquele ano.

A condenação de Silveira mobilizou a base bolsonarista e, no dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro usou suas redes sociais para anunciar um decreto no qual ele concedeu uma "graça" a Daniel Silveira. Graça é o termo jurídico para um perdão de pena individual.

No Brasil, a tradição é que os perdões de penas sejam dados a grupos de pessoas condenadas a tipos específicos de crimes, e não individualmente. Apesar disso, a graça está prevista na legislação brasileira.

O decreto do presidente criou mais um atrito com o Judiciário. A oposição questionou a legalidade do perdão dado a Bolsonaro alegando, entre outras coisas, que teria havido um "desvio de finalidade", uma vez que o presidente estaria ajudando um aliado.

Recurso em análise

A Rede Sustentabilidade entrou com um recurso no STF pedindo a anulação do decreto. Na prática, isso significaria que a decisão do Supremo seria mantida e Silveira poderia perder o mandato. O caso, porém, está sob a relatoria da ministra Rosa Weber, mas ainda não foi deliberado pelo Supremo.


Daniel Silveira
Acordo entre os partidos da base de apoio de Bolsonaro e recurso que ainda será analisado pelo STF possibilitam chegada de Silveira a comissões (foto: Reuters)

Além da questão envolvendo a validade do decreto, os ministros também avaliam duas outras questões: se cabe, de fato ao Supremo determinar a perda de mandato ou se essa decisão é exclusiva da Câmara; e se mesmo recebendo o perdão presidencial, Silveira está inelegível e impedido de disputar as eleições deste ano.

Nos bastidores, o temor é de que uma decisão contrária ao decreto de Bolsonaro aumente ainda mais a tensão entre o Judiciário e o Executivo.

Mas enquanto o recurso não é julgado, Daniel Silveira continua exercendo o seu mandato normalmente, inclusive transitando pelas instalações da Câmara dos Deputados livremente.

Eleições e acordos

O outro ponto que ajuda a explicar como Silveira saiu de deputado condenado a membro de comissões importantes são os acordos partidários em vigor na Câmara dos Deputados.

As duas comissões das quais Silveira é membro fazem parte das chamadas "comissões permanentes".

É nessas comissões que tramitam, inicialmente, projetos de lei sugeridos tanto pelos parlamentares quanto pelo Executivo. Essas comissões são responsáveis por analisar os projetos e produzirem pareceres e mudanças no texto antes de eles serem encaminhados à votação pelo Plenário da Câmara.

No caso da CCJ, ela é ainda mais importante porque ela é que analisa se uma proposta legislativa é constitucional ou não. Em outras palavras, a deliberação da CCJ pode fazer avançar ou derrubar um projeto de lei.

Além disso, a comissão funciona como uma espécie de câmara recursal para análise de decisões da Presidência da Câmara.

A cada ano, os seus membros são trocados. De acordo com o regimento interno da Câmara, a escolha dos integrantes de cada uma é feita por meio da indicação dos líderes de cada partido, respeitando critérios como proporcionalidade e formação de blocos partidários.

Os blocos partidários mais fortes têm direito de escolher um maior número de comissões que desejem comandar.

Uma vez definido o controle das comissões, parte-se para a indicação dos seus integrantes. Neste momento, o critério para definição de quantos nomes um partido terá em cada comissão é o tamanho da sua bancada na Câmara.

"Não há votação para saber quem serão os integrantes de cada comissão. Eles são escolhidos por meio dos acordos feitos entre as lideranças partidárias sempre que um novo ano legislativo começa. São os líderes que indicam os seus integrantes", explicou o coordenador das comissões permanentes da Câmara, Marcelo Brandão Lapa.

Brandão explica que, uma vez selecionados os membros da comissão, há uma eleição interna para decidir quem vai presidi-la.

Ele afirma que o comando da comissão também é, normalmente, acertado previamente entre os próprios líderes partidários e que, raramente, há chapas formadas por integrantes dela disputando o seu controle.

No caso da CCJ e da Comissão de Segurança Pública, o responsável pela indicação de Silveira foi o líder do partido na Câmara, o deputado Paulo Bengtson (PTB-PA).

Segundo ele, o fato de Silveira ser bacharel em direito e ex-policial militar o credencia a integrar as duas comissões.

"Ele tem formação compatível com o que se espera de um parlamentar nessas duas comissões. Como foi PM, ele pode ajudar bastante a causa da segurança pública", diz Bengtson, cujo partido faz parte da base aliada do governo Bolsonaro.

O PTB também é o partido de outro aliado de Bolsonaro, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, que está em prisão domiciliar determinada pelo STF e que é investigado em inquérito que apura ataques a instituições democráticas.

Bengtson negou que a indicação de Silveira para as duas comissões tenha sido determinada pelo governo e disse que a indicação do deputado foi possível porque, do ponto de vista legal, ele está no pleno exercício do seu mandato.

"A indicação é uma decisão discricionária minha e tomei sem consultar o governo. O deputado está exercendo seu mandato de forma legal e, por isso, não haveria nenhum impedimento para que ele fosse indicado", diz o deputado.

A chegada de Silveira às comissões, no entanto, causou reação na oposição. A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) classificou a indicação de Silveira à CCJ como um "acinte".

"Queria expressar a minha indignação com indicação do PTB de Daniel Silveira para a principal comissão da Casa. A Casa que deveria zelar pela Constituição de 1988 e que, na verdade, vive esse acinte de ter na titularidade alguém que já deveria ter ido cassado, alguém que já foi condenado por 10 votos a 8 anos de prisão, que está inelegível que foi indultado pelo presidente da República num indulto ilegal", disse a parlamentar.

Até que haja uma nova definição sobre a condenação de Silveira pelo STF, a tendência é que ele continue integrando as duas comissões até o fim deste ano legislativo, que deverá se encerrar apenas em 2023.

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