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Estado de Minas Na contramão

Brasil precisa de vacina contra COVID, mas Bolsonaro quer mais armas

Novos decretos do presidente devem gerar ação de contestação no Supremo Tribunal Federal


16/02/2021 04:00 - atualizado 16/02/2021 07:23

Bolsonaro faz gesto de armas em 2018: aliados dizem que ele está apenas cumprindo promessa de campanha(foto: EVARISTO SÁ/AFP - 5/9/18)
Bolsonaro faz gesto de armas em 2018: aliados dizem que ele está apenas cumprindo promessa de campanha (foto: EVARISTO SÁ/AFP - 5/9/18)
Os decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que flexibilizam a aquisição de armas de fogo no país provocaram manifestações da sociedade civil e do Congresso Nacional, no qual a prioridade é a aquisição de vacina para o combate ao novo coronavírus.

Além de implicar projetos de lei pela derrubada dos decretos, as novas medidas de Bolsonaro devem ser judicializadas no Supremo Tribunal Federal. Enquanto Bolsonaro quer mais armas, o Brasil precisa de mais vacinas, porque a pandemia avança.

Os governadores, inclusive, agendaram reunião para amanhã com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para definir um cronograma de imunização da população.

Foram quatro decretos publicados pelo presidente em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na sexta-feira. Com as alterações, cidadãos comuns aptos a adquirir armas poderão ter até seis exemplares – e não quatro.

O laudo de capacidade técnica exigido para atiradores e caçadores poderá ser substituído por um certificado emitido por clubes de tiro. Esse grupo poderá também comprar até 2 mil munições por ano, ante o limite de 1 mil que vigorava até a edição das medidas.

Comerciantes de armas de pressão, como as de chumbinho, não precisarão mais de registro junto ao Exército.

A edição de decretos é prerrogativa do chefe do Executivo e, ao contrário de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição (PEC), não precisa do aval do Senado e da Câmara dos Deputados para que comecem a valer.

Um projeto de decreto legislativo, contudo, pode anular as determinações de Bolsonaro. Em 2019, os senadores utilizaram o mecanismo para derrubar outros decretos do presidente sobre armamentos.

O deputado federal mineiro Mário Heringer (PDT) garante que vai assinar proposição para barrar os novos decretos. “É uma fixação, uma paixão que o presidente tem por armas, violência e controle. A gente não compreende até onde isso vai. Isso é pessoal. Não é um projeto de Estado. O Brasil não precisa disso. É um projeto pessoal: ele é apaixonado por armas e acha que todos os apaixonados podem encher suas casas de armas”, protesta.

No mesmo dia em que foi publicado o aumento do número de mortes violentas no Brasil, Bolsonaro publicou decretos facilitando ainda mais o acesso a armas.

“Já temos uma ação no STF questionando a inconstitucionalidade da política armamentista do governo e vamos acrescentar um pedido para também derrubar esses novos atos. Bolsonaro não quer passar leis pelo Congresso, quer governar por decreto. O Brasil é um Estado de direito, não um Estado de tiro”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PS-RJ).

Já Cabo Junio Amaral (PSL), também deputado federal, é alinhado ao governo e defensor da pauta armamentista. “O presidente não fez estelionato eleitoral como fizeram outros candidatos depois de eleitos. Ele deixou isso (simpatia à pauta armamentista) claro há muito tempo. Foi bandeira de campanha. A população o escolheu falando isso. Há algumas questões em que são necessárias mudanças por tramitação convencional, mas as alterações que ele fez são permitidas via decreto. O que estiver ao alcance dele para flexibilizar, com os devidos critérios, responsabilidade, controle, treinamento e preparo psicológico, ele tem que fazer”, disse.

Entidades da sociedade civil repudiam os decretos. O Instituto Igarapé, ligado à segurança pública, ao clima e ao desenvolvimento, criticou a flexibilização.

“Infelizmente, alguns legisladores tomam decisões sem se pautar em evidências científicas, mesmo quando elas existem. O relaxamento da atual legislação sobre o controle do acesso às armas de fogo implicará mais mortes e ainda mais insegurança no país”, diz nota assinada por pesquisadores do grupo, que já anunciou que recorrerá ao STF.

Momentos após o manifesto ser compartilhado nas redes sociais, a cientista política Illana Szabó, presidente do Igarapé e especialista em segurança pública, foi bloqueada por Jair Bolsonaro no Twitter.

“Impressionante ver como a máquina do ódio é eficiente e está aparelhada para bloquear qualquer contestação à narrativa oficial. Isso só acontece em ditaduras. Já vivemos tempos de exceção”, denunciou.

APOIO E CRÍTICA

O deputado Mário Heringer define a “eclosão” da pauta sobre as munições como “bomba de fumaça” para ocultar erros do governo federal na condução da pandemia.

É para desviar o foco. Eles usam essas posições negacionistas, obscurantistas e preconceituosas nos momentos em que estão sendo constrangidos pela verdade. Isso é uma bomba de fumaça para esconder a inoperância que estão tendo em relação à pandemia, à vacina e à falta de oxigênio no Amazonas”, acusa.

“Não é só o Ministério da Saúde que está funcionando. Todos os outros ministérios estão funcionando, tendo que apresentar resultados. O Brasil não pode parar. A execução das promessas (de campanha) também não pode parar”, rebate Junio Amaral, que diz não ver como inoportuno o debate de um tema ligado aos costumes durante a crise de saúde.

O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) critica duramente a decisão do presidente da República. Ele também prometeu acionar o STF. No Twitter, ele chamou a atenção para os impactos das mudanças ligadas aos atiradores esportivos e caçadores.

“A política armamentista de Bolsonaro está focando no afrouxamento da legislação dos CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), que reúne pouco mais de 400 mil pessoas, para ampliar o acesso a armas e munições e fragilizar a fiscalização”, apontou.

A fala de Freixo foi rebatida pelo bolsonarista Márcio Labre (PSL-RJ), que insinuou que revólveres podem ser utilizados para impedir que partidos à esquerda passem a governar o Brasil.

“A vantagem de uma população civil bem-armada é que se partidos como o seu, por alguma tragédia eleitoral, chegarem ao poder e se atreverem a controlar a sociedade, serão recebidos a bala pelo cidadão, que jamais aceitará a escravidão de pseudodemocratas da sua laia”, comentou, em discurso fortemente criticado por internautas e outros políticos.

NOVAS REGRAS

Decreto 9.845:
» Aumento de quatro para seis do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo

Decreto 9.846:
» Possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica – exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) – por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes ou entidades de tiro
» Permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército
» Elevação, de 1 mil para 2 mil, da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridas por “desportistas” por ano

Decreto 9.847:
» Definição de parâmetros para a análise do pedido de concessão de porte de armas, cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias do caso, sobretudo aquelas que demonstrem risco à vida ou à integridade física do requerente

Decreto 10.030:
» Dispensa da necessidade de registro junto ao Exército os comerciantes de armas de pressão (como armas de chumbinho)

Arthur Lira diz que o Congresso priorizará pandemia

Mesmo aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional entendem que o momento é de priorizar o combate à pandemia do novo coronavírus, e não o armamento da população. É o caso dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Pacheco já adiantou que apesar de desejos pessoais de parlamentares e de Bolsonaro, o Parlamento dará maior atenção às ações de enfrentamento da COVID-19.

“(Arma de fogo) deve ser discutida no colégio de líderes para avaliar se deve ser pautada ou não, mas se eu disser que isso é prioridade em momento de pandemia, estaria mentindo. Ela pode ser prioritária em algum momento para senadores, e vamos ter toda a receptividade em pautá-la se for o caso, mas neste momento o foco é o enfrentamento à pandemia”, sustentou.

O primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSL-AM), que pertence a um partido que apoia Bolsonaro, criticou os decretos que flexibilizam o uso de armas. No domingo, ele postou mensagem nas redes sociais criticando a ingerência do governo em assuntos do Legislativo.

“Mais grave do que o conteúdo dos decretos é o fato de Bolsonaro exacerbar seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Legislativo”, afirmou. Ontem, o parlamentar voltou à carga: “O povo não precisa de armas, precisa de vacina”, afirmou pelo Facebook.

Já Arthur Lira justificou o apoio que recebeu do presidente para sua eleição para o comando do Legislativo ao rebater as declarações de Marcelo Ramos e defender o decreto de armas. Segundo ele, Bolsonaro não invadiu competência do Legislativo.

“Ele não invadiu competência, não extrapolou limites, já que, na minha visão, modificou decretos já existentes. É prerrogativa do presidente. Pode ter superlativado na questão das duas armas para porte, mas isso pode ser corrigido”, disse ele à jornalista Andrea Sadi, do G1.

Mas, sobre a importância de priorizar armas em vez de pandemia, Lira afirmou: “É de cada um. É pauta dele. A minha prioridade eu já deixei claro, que é vacina”. Em Santa Catarina, onde passa o recesso de carnaval, Bolsonaro afirmou a um apoiador no domingo que “o povo tá vibrando” com os decretos que ampliam a posse de armas no país.


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