(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ENTREVISTA/CARLOS ALBERTO SANTOS CRUZ, EX-MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

''Tem que manter o veto'', diz general sobre emenda impositiva

Ex-ministro, general Carlos Alberto Santos Cruz, diz que Congresso deve acatar decisão de Bolsonaro sobre repasse obrigatório de verbas aos parlamentares


postado em 02/03/2020 04:00 / atualizado em 02/03/2020 09:43

(foto: Fábio Rodrigues Pozzedom/Agência Brasil)
(foto: Fábio Rodrigues Pozzedom/Agência Brasil)
O ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz diz que não guarda mágoas de sua demissão, descarta que esteja havendo parlamentarismo branco no país e garante que não há a menor possibilidade de novo regime militar ou de um Ato Institucional 5, como ocorreu durante a ditadura. Quanto ao veto do presidente Jair Bolsonaro ao Orçamento Impositivo criado pelo Congresso Nacional, que será avaliado nesta semana, ele acha que tem que ser mantido. “Todo esse bolo dá uma boa base para os parlamentares fazerem a sua política local”. Confira os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o veto ao trecho da lei que concedia mais poder para parlamentares em relação às emendas impositivas?

Existe essa disputa sobre parte do orçamento. Tem que manter esse veto. Tenho conhecimento de como funciona as emendas parlamentares. Tem as impositivas, as que não são impositivas. Todo esse bolo dá boa base para os parlamentares fazerem a sua política local. No nosso sistema é importante que o Executivo tenha uma parcela forte de recurso para poder implementar aquilo que ele pensa. A disputa é essa.

A disputa se concentra em cima do orçamento?

Neste momento, sim. Mas tem sempre muitas pautas, tem legislação, das mais diversas, que tem que ser votada. Mas hoje toda essa agitação é em torno deste veto. Agora, isso daí é uma disputa que está havendo, uma agitação muito grande. Mas não tem nada de excepcional. Isso dai vai ter que ser discutido neste ano mais algumas vezes. Isso dai vai ter que ser discutido no ano que vem. Discussão entre Executivo e Legislativo é normal. Isso aí é toda semana. Mas o clima esquenta, é normal.

Concorda com essa tese de que temos um parlamentarismo branco?

Não. Essa é só a questão do orçamento. E isso aí vai ser resolvido. Achar que o Congresso e o próprio presidente não estão acostumados com discussão difícil… Eles estão acostumados. Isso não tem segredo nenhum. A dinâmica da democracia é assim mesmo. Vocês viram que nos EUA o presidente sofreu um processo de impeachment. O que aconteceu? As instituições funcionaram. Ele perdeu na Câmara, ganhou no Senado. Na imprensa, alguns são a favor, outros contra. E a vida segue. Instituição forte é o que faz democracia. E democracia é feita neste jogo todo de pressão. 

Então não era motivo para fazer uma convocação?

A convocação tem outro componente. Temos que voltar algumas eleições. A eleição da Dilma Rousseff foi uma eleição absolutamente convencional, de grande mídia, de marqueteiro. Quatro anos depois, mudou tudo. Se entrou em um sistema onde a mídia social passou a ser a estrela da festa.  Então a participação popular se tornou completamente diferente. E aqueles grupos que participaram de eleição de campanha, estão, ainda hoje, com a mesma energia. São pequenos grupos, mas que continuaram na mesma dinâmica de eleição. O presidente não, no outro dia, ele tem uma responsabilidade muito grande. Ele tem que deixar a eleição e passar a governar. Mas aqueles grupos de sustentação, principalmente aqueles de caráter ideológico mais radical, continuam com a mesma dinâmica. 

Então existe um movimento para manter o clima de eleição vivo?

Não é isso. Mas é fanatismo ideológico. Então, hoje tem um componente externo que acaba fazendo pressão. Temos grupos de pressão. Na democracia tudo funciona com núcleos de poder. Na democracia tem o Legislativo, Executivo, Judiciário, a imprensa, o Ministério Público. E hoje temos mais um, que é a mídia social. Você tem de tudo na mídia social. Tem gente que colabora com uma ideia. Tem gente que criminaliza tudo, que quer chamar o Congresso todo de marginal. E não é nada disso. É uma instituição que tem seus problemas, como todos os grupos têm, como as famílias têm. E tem gente boa, que não é tão eficiente, mas é uma instituição que funciona. Tanto que aprovou a Previdência no ano passado. Aprovar a Previdência em um governo que está sem base parlamentar. Então não é isso que o pessoal fica retratando aí não. Não estamos na beira do precipício, não é nada disso. 

O senhor conhece bastante o presidente. Esse jeito de ser, é um estilo, ou ele tenta reforçar uma tese…

Você não consegue viver 24 horas por dia baseado no planejamento. Você vive baseado no seu modo de pensar e na sua característica. Essa é a característica dele.

Algumas pessoas dizem que é uma estratégia política para se manter em evidência…

Não. Pode até se ter isso como ideia geral. Mas não se consegue se comportar o tempo todo com planejamento. Se vive por espontaneidade. Agora, se pode ver que a própria manifestação, apesar dele ter feito vídeo e depois dizer que foi uma coisa pessoal, você começa a ver que tem as mais diversas agendas. Isso daí não vem do presidente. Vem dos grupos. Então tem um grupo lá de São Paulo, do Rio… Um quer fazer manifestação contra o STF. O outro contra o fulano de tal. Então se começa a ter uma diversificação dessas motivações… Tem de tudo, como apoio ao presidente. Hoje vivemos em fenômeno que é a presença de novos grupos de influência e são fortes.

Esses grupos influenciam o governo?

Claro. Porque é um novo componente.

Bolsonaro, no cargo em que ocupa, não deveria ser mais cuidadoso com essas manifestações?

Achar alguma coisa, criticar um presidente, uma pessoa que está nesta posição, é facílimo. Mas é claro que em tese, ter cuidado é bom em qualquer lugar. O problema não é esse. A questão é que você não pode exigir que a pessoa mude a característica dela completamente. Esse é o estilo dele. Essas coisas repercutem, dá uma consequência. Mas não quer dizer que na semana que vem ele vai mudar…

Foi um erro ele repassar um vídeo convocando para protestos?

Uma coisa é eu falar o que eu faria se tivesse na posição. Outra coisa é o que ele faria. Nós estamos lidando com um presidente que tem este estilo. Assim como o menino falou lá em jogar uma bomba no Congresso. Ninguém vai jogar bomba no Congresso, a bomba não existe. A bomba H não. É uma linguagem figurada.

O presidente tem uma base eleitoral muito grande, sendo alguns radicais… Discursos contra o STF e o Congresso não criam riscos à democracia?

Eu não acho que cria risco para a democracia. Eu acho que de certa forma chama atenção para a necessidade de aperfeiçoamento das instituições. Então não adianta querer levar a retórica ao pé da letra. As nossas instituições têm problemas? Tem. Isso em todas elas, não só o Judiciário, não só o Executivo, Legislativo. O aperfeiçoamento tem que ser constante.

No caso das milícias, falta pulso firme para contê-las?

Milícia é crime organizado. E estamos conversados. Não podemos fazer consideração especial sobre milícia.

Como evitar? Está crescendo bastante, não só no Rio, mas também no Nordeste.

O crescimento é do crime organizado, que tem de ser combatido. Não tem conversa. Não tem o PCC, a ADA, etc? É tudo a mesma coisa. Só está entrando uma nova sigla.

Guarda mágoa da sua saída do governo?

Não. Guardo excelentes lembranças. Minha experiência no governo foi muito boa. Minha saída não teve qualquer anormalidade. Nenhum governo no mundo começa com um grupo de ministros e termina intacto.

Mas qual foi a motivação?

Tem que perguntar para o presidente. É prerrogativa dele.

Dizem que o senhor saiu porque falava a verdade.

O que posso dizer é o seguinte. Você precisa ter princípios. Por que aceitei o convite de ser ministro? Eu tinha outras atividades, até melhores do ponto de vista financeiro. Na minha fase da vida, eu fui para ajudar em uma proposta em que eu acreditava e acredito. Acredito em combate à corrupção, acredito que dá para fazer política séria com política pública. Acredito que o governo precisa se empenhar em reduzir a desigualdade social. Eu não preciso de nada. Para mim, se o governo for um pouco melhor ou pouco pior, não vai mudar minha vida. Mas para um sujeito desfavorecido, é complicado. Você não vai para o governo pelo status de ministro nem por dinheiro. Status de ministro é coisa temporária, não me interessa nada. E na minha profissão, cheguei à posição máxima.

O país não está muito extremista?

O Brasil, não. Tem um grupo pequeno. A sociedade brasileira quer tranquilidade. Briga constante não dá, né? A sociedade gosta de votar, mas de quatro em quatro anos. De vez em quando ela pode se manifestar sobre uma coisa ou outra, mas a sociedade quer paz e desenvolvimento. Quer equilíbrio, não quer radicalismo. Por quê? Medidas econômicas, por exemplo. Normalmente elas exigem um ano, um ano e meio para ter efeito. Até se tornarem em emprego e imposto, demora. Esse tempo, a sociedade tem que esperar com tranquilidade, não pode ser em clima de ebulição. Você pode discordar de uma pessoa, mas não pode xingar. Sou contra. Até porque isso acontece muito no anonimato. Na mídia social, a coisa anônima facilita a irresponsabilidade, a covardia. Não adianta querer eliminar o fenômeno da rede social. Mas as pessoas têm que se mobilizar para não deixar isso acontecer, senão vira a festa dos irresponsáveis. O Código Penal não foi abolido com a liberdade de expressão. A liberdade de expressão sempre existiu, e o Código Penal também. É preciso compatibilizar.

O senhor diz que um dos problemas do governo são esses grupos radicais. Eles têm mais força dentro do governo do que se imaginava?

Têm um pouco de influência dentro do governo, e um pouco fora, da perturbação social. A gente vai ter que conviver com eles. A gente vai ter que discutir como isolar esses grupos. Mas a sociedade brasileira nesse momento não está interessada nesse tipo de coisa. Ela quer paz, quer emprego. Você pega um cara que fala de palavrão na rede social? A sociedade nem lê isso.

Mas não é só palavrão. Tem gente de alto quilate no governo que fala em AI-5.

Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo. Não é problema político. Não tem sentido. O AI-5 aconteceu há mais de 50 anos. Você tem que voltar, mas num contexto da época para discutir. Tem gente que vai defender, tem gente que não vai, etc.

Não existe essa possibilidade?

Nenhuma. Zero.

Nem de um regime militar?

Nem de regime militar. Você tem um presidente eleito, goste dele ou não, seja explosivo ou não, dá certo ou não. Está eleito. Você tem um Congresso que funciona. Um Judiciário que funciona. Tem seus problemas lá, o pessoal não gosta do cara que liberou fulano, do segundo que deu habeas corpus... Mas você tem o Judiciário. A troco de quê vou falar em regime militar? É a mesma coisa que falar em eu ir à Lua. Não dá nem tempo de eu ser astronauta, não tenho nem idade mais de fazer o curso. São coisas irracionais, que só ajudam na perturbação.

Mas a ameaça de AI-5 não vem de setores externos ao governo. Vem de gente do próprio governo, ou de aliados. Se as instituições funcionam, o presidente foi eleito, se há um clima de normalidade democrática como o senhor diz, por que apelar a esse expediente?

Aí é um problema de personalidade. As pessoas têm inteligências diferentes.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)