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Estado de Minas

Servidores públicos preparam contra-ataque na Justiça contra Guedes

Indignadas com agressividade do discurso governista, categorias organizam ações judiciais contra Paulo Guedes, mobilização nas ruas e campanha sobre serviço público fortalecido


postado em 09/02/2020 04:00 / atualizado em 09/02/2020 09:13

Ministro Paulo Guedes(foto: Mauro Pimentel/AFP - 3/1/19)
Ministro Paulo Guedes (foto: Mauro Pimentel/AFP - 3/1/19)
Brasília – Os servidores já foram chamados de marajás, preguiçosos, incompetentes, improdutivos, elites, corporativistas, sangues-azuis e, agora, de “parasitas”. Todos os termos causaram indignação e revolta. Mas o último qualificativo, além do repúdio generalizado, teve o poder de aglutinar as diferentes categorias do serviço público, que estavam, aparentemente, sem o projeto definido para enfrentar o ímpeto governista na reforma administrativa.

De acordo com técnicos do próprio governo, Paulo Guedes, ao ofender o funcionalismo e criticar com veemência o reajuste anual de salários, privilégios e aposentadorias generosas, criou um clima de terra arrasada e derrubou todo o trabalho de divulgação que vem sendo levado a cabo. O governo já estava com uma campanha publicitária praticamente pronta para vender de forma efusiva a reforma na administração pública.

A propaganda iria justamente abordar pontos como a dificuldade do governo em investir em áreas prioritárias, a exemplo da saúde, educação e segurança, porque a maioria dos recursos públicos estão comprometidos com pessoal e custeio. Mas a mensagem seria divulgada de forma cuidadosa, com um inteligente encadeamento. A ideia era argumentar que o servidor custa na entrada e na saída, porque se aposenta e continua bancado pelo contribuinte por mais 20 ou 30 anos. Mas essa despesa obrigatória existe somente porque a lei permite. É legal, mas é imoral. Portanto, a sociedade precisa ajudar, com urgência, e diante da necessidade de ajuste fiscal, a mudar a lei – com as reformas – para acabar com a farra de pessoas que trabalham pouco e dão quase nenhum retorno à população.


''A generalização, em ambos os casos (Guedes e FHC), é totalmente descabida. Há ilhas de excelência na administração pública. Tirando meia dúzia de servidores que o ministro trouxe da iniciativa privada, os principais assessores de Guedes são servidores públicos de carreira, altamente capacitados''

Gil Castello Branco, economista e especialista em contas públicas




“Esse discurso vem desde a campanha presidencial. Foi sendo consolidado com o apoio da população, de forma coordenada, por vários ocupantes de cargos relevantes. Nada foi por acaso. Assim como na reforma da Previdência, a retórica foi ganhando corações e mentes. Os servidores, tenho certeza, já estavam quase absorvendo a possível derrota. Mas agora, estragou tudo”, lamentou o técnico do governo. Na sexta-feira, poucas horas após a palestra de Paulo Guedes, na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma enxurrada de notas de repúdio de entidades sindicais tomou conta do país.

Apesar da interpretação pessimista dos auxiliares próximos a Paulo Guedes, há controvérsias sobre os possíveis efeitos negativos da provocação. Pode parecer gratuita, mas não é. “Lembrei-me de Fernando Henrique Cardoso, quando chamou os aposentados de “vagabundos”. 

Ambos (FHC e Guedes) foram grosseiros na tentativa de chamar a atenção da sociedade para privilégios de determinados setores do funcionalismo público”, recordou o economista e especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. 

Ele acha difícil cravar, em tão pouco tempo, o que vai acontecer. “Creio que o governo acha, sim, que esses termos fortes auxiliam. Assim como os servidores se preparam para pressionar os parlamentares, em ano de eleição, a sociedade pode despertar e começar a fazer o mesmo”, avaliou.

“A generalização, em ambos os casos (Guedes e FHC), é totalmente descabida. Há ilhas de excelência na administração pública. Tirando meia dúzia de servidores que o ministro trouxe da iniciativa privada, os principais assessores de Guedes são servidores públicos de carreira, altamente capacitados”, justificou. 

A reação dos servidores, no entanto, foi maior que o esperado, disse Castello Branco. Tanto o Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), que representa os funcionários públicos do topo da pirâmide remuneratória, quanto a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), com 80% dos servidores da base associados, consultaram seus departamentos jurídicos e ameaçam entrar com ações na justiça ou acionar a comissão de ética.


Agenda de protestos


Servidores já protestaram contra as reformas previdenciária e trabalhista e agora preparam manifestações contra a administrativa(foto: MINERVINO JÚNIOR/CB/D.A.PRESS)
Servidores já protestaram contra as reformas previdenciária e trabalhista e agora preparam manifestações contra a administrativa (foto: MINERVINO JÚNIOR/CB/D.A.PRESS)

A tônica das notas de repúdio deixa claro que os protestos vão crescer. “Na próxima semana, a mobilização dos servidores deve ganhar força, com o lançamento da campanha salarial unificada, no dia 11. Um ato em frente ao Ministério da Economia marca a entrega oficial da pauta de reivindicações dos federais das três esferas. As entidades reunidas nos fóruns conjuntos enviaram pedido de audiência ao ministro Paulo Guedes, que nunca recebeu oficialmente as categorias. No dia 12, a Condsef/Fenadsef participa de debate convocado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Serviços Públicos, na Câmara. Uma plenária nacional dos federais também vai avaliar o cenário e definir novas ações”, dizem as entidades.

Vladimir Nepomuceno, ex-diretor de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento e consultor de entidades sindicais, conta que as estratégias dos servidores estão se consolidando. O lema da campanha para enfrentar a propaganda oficial é “Eu perco meu emprego, você perde o serviço público gratuito”. Segundo ele, para chegar à população, não adianta defender carreiras isoladas. “Temos que focar em quem precisa. Falar com o usuário que essa política que aí está não pensa em melhorar o serviço público, e sim em acabar. Ele vai ficar sem hospitais, escolas e segurança. É bom lembrar que as vacinas e as campanhas de medicamentos são desenvolvidas e distribuídas por servidores. Só há uma saída: investir no serviço público”, defende Nepomuceno.

Em meio a mais de 12 milhões de servidores (estaduais, municipais e federais), há quem preste um mau serviço. Mas há leis que permitem a dispensa deles, reitera Nepomuceno. “Quase 60% da população não tem nem sequer o ensino médio, muito menos dinheiro para pagar plano de saúde. A nossa proposta não é somente sentar e conversar. É ir a feiras, lideranças comunitárias, postos de saúde, pontos de ônibus, hospitais e conscientizar os desempregados, sem deixar de pedir ajuda à classe média, aos formadores de opinião”, reforça o assessor.

Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional), admite que a missão vai ser difícil. “No passado, as campanhas dos nazistas também demonizavam os judeus. Não é novidade. A estratégia está sendo copiada”, afirma. O clima de ódio no Brasil não deixa dúvidas de que o país “está sobre um barril de pólvora; a dúvida é quem vai incendiar primeiro”. “Hoje, vivemos um ambiente dominado por forças que tendem para os extremos”, observa. E muita gente ainda não percebeu o equívoco que cometeu, ou não consegue admitir. “Há uma dificuldade real em abrir esses olhos. Quem sabe se, em 18 de março (Dia Nacional de Paralisação), a gente não consiga encher a Esplanada?”, espera o dirigente.

Rudinei Marques, presidente do Fonacate, conta que a intenção é continuar com a estratégia de apresentar estudos técnicos. Um deles já foi divulgado, que tratava das especificidades dos serviços federais. E outro será apresentado na semana que vem, com detalhes sobre estados e municípios. “São dados que vão servir de contraponto ao discurso oficial raivoso, ofensivo e equivocado”, afirmou. Um dos focos é o combate à ideia do governo de cortar 25% da jornada e da remuneração. “Vamos perder um quarto do tempo e da mão de obra. Isso tem que ficar claro, já que não temos os R$ 200 milhões que o Executivo, desde a gestão de Michel Temer, gastou em propaganda”, diz Marques.

Delegados


As declarações do ministro provocaram reação de delegados da Polícia Federal e peritos criminais federais. A Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal reagiu à declaração do ministro, repudiando não apenas o termo, como a estratégia sistemática de apontar os servidores públicos brasileiros como culpados dos problemas nacionais, silenciando sobre as causas verdadeiras, bem como a de difundir notícias inverídicas a respeito. “Qualquer manual básico de gestão consideraria a declaração do ministro assediante e desestimuladora. Trata-se de uma verdadeira tragédia acompanhar reiterados ataques daquele que deveria estimular o bom funcionamento da máquina pública. Paulo Guedes, com suas falas, parece nutrir ódio crescente pelos agentes públicos. E com ódio nada se constrói”, afirmam os delegados.

Os delegados da PF rebatem. “Não bastasse a ofensa, o ministro desinforma e confunde a sociedade ao afirmar que servidores públicos têm reajustes salariais automáticos e acima da inflação. A última negociação salarial para a maioria do serviço público federal se deu há mais de quatro anos, e apenas repôs parte da inflação até então. No caso específico da Polícia Federal, há perdas inflacionárias desde o ano de 2016. Cada centavo de correção inflacionária decorre de extenuantes e prolongadas negociações com os governos, da mesma maneira que costuma ocorrer na iniciativa privada entre patrões e empregados”.

“Certamente, os servidores da Polícia Federal, que em pesquisas recentes foi identificada como a instituição de maior confiabilidade no conceito dos brasileiros, assim como os demais honrados agentes públicos, merecem mais respeito e valorização. Não há Estado forte sem instituições fortes. Demonizar o servidor público é destruir as instituições e o próprio país. A quem interessa a desvalorização do serviço público?”, indaga a entidade.

Peritos


“Mesmo com a tentativa de se explicar, oportunidade em que preferiu culpar a imprensa pelo equívoco cometido por ele mesmo, o ministro mostra, por meio de ataques gratuitos, o descompasso entre ele e as obrigações do cargo que ocupa, revelando desconhecimento sobre o serviço público e desprezo pelo servidor público”, diz a nota da Associação dos Peritos Criminais Federais.



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