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Estado de Minas JUSTIÇA

Desgaste com vazamento de diálogos de procuradores pode comprometer operação Lava-Jato

Atores dos três poderes, apoiados de forma não intencional pela força-tarefa, geram desgaste quase irreversível à operação


postado em 01/09/2019 07:40 / atualizado em 01/09/2019 09:37

Decisão da segunda turma do STF abre precedentes para anulação de sentenças de primeira instância(foto: Nelson Jr/STF -' 17/4/18)
Decisão da segunda turma do STF abre precedentes para anulação de sentenças de primeira instância (foto: Nelson Jr/STF -' 17/4/18)

Brasília - Tal qual um acidente de avião, em que uma série de fatores determinam o desastre, a Lava-Jato segue uma trajetória de queda a partir de efeitos negativos produzidos pela própria equipe da força-tarefa e por atores do Executivo, Legislativo e Judiciário. A principal manobra foi feita de maneira não intencional pelos integrantes da operação em Curitiba, depois que os diálogos de procuradores vieram a público. Mas seria infantil acreditar que apenas os investigadores foram os responsáveis pelo desgaste. A trama é muito mais complexa, envolvendo personagens de todos os poderes, que parecem torcer pela implosão da maior operação de combate aos desvios de recursos públicos e ao apadrinhamento do Brasil. Ainda há tempo para uma bela arremetida, porém, cada vez mais existe pouco espaço para isso.

Na última semana, um entendimento de ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) abriu precedentes para que fossem anuladas as penas impostas pela Justiça Federal do Paraná a até 143 dos 162 réus condenados pela Lava-Jato. Na terça-feira, o colegiado analisou um caso concreto da investigação e, de acordo com a maioria dos ministros, ao não estabelecer prazos distintos para que delatores e acusados apresentassem suas alegações finais (etapa processual que antecede a leitura da sentença), o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, desrespeitou a Constituição. A Carta Magna assegura “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” às partes investigadas. A situação se repetiu em pelo menos outras 32 condenações.

O caso fez com que, em menos de 48 horas, as defesas de três investigados entregassem habeas corpus à corte pedindo a revisão dos processos dos seus clientes. Um dos documentos foi formulado pelos advogados do ex-presidente Lula, que solicitaram a suspensão da ação penal que investiga se ele recebeu propina pela empreiteira Odebrecht na compra de um imóvel para o Instituto Lula. O ministro Edson Fachin aceitou a tese da defesa e determinou que a ação penal retorne à etapa de alegações finais. O processo estava prestes a ser julgado pela 2ª Turma. Para dar um veredito sobre qual deve ser a ordem para a apresentação de alegações finais entre réus delatores e réus delatados, os 11 ministros julgarão o tema, em data ainda a ser definida pelo presidente do STF, Dias Toffoli.

A ação na “segundona”, como ficou conhecido o julgamento na turma, é apenas um dos problemas verificados na imagem da Lava-Jato. “Não há poucas dúvidas sobre a multicasualidade do desgaste da Lava-Jato”, diz Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). Para o professor, que também é mestre em direito, o maior problema da Lava-Jato é perder apoio popular. “De imediato, o vazamento das conversas desfez as alianças dentro do Supremo, tirou a hegemonia do poder da Lava-Jato”, afirma Holmes. “Isso não é ruim para a democracia, pois houve uma tomada de poder dos principais atores da operação, sem qualquer contraponto.”

Ao mesmo tempo, as investidas do presidente Jair Bolsonaro sobre os órgãos de investigação e controle têm enfraquecido reações do próprio Ministério Público e da Polícia Federal contra parlamentares interessados no desmonte da operação e mesmo magistrados. Ao segurar o nome do substituto da chefe da Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge, Bolsonaro enfraqueceu integrantes do MP, reféns da indicação política no órgão. O próprio Bolsonaro e Sérgio Moro negam qualquer ingerência para além do curso administrativo.

Segunda Turma

Enquanto isso, a “segundona” repercute fora da Corte, inclusive entre ex-ministros do tribunal, que divergem sobre o caso. Segundo Sepúlveda Pertence, que ocupou uma cadeira no local entre 1989 e 2007, a 2ª Turma acertou. “Trata-se de privilégio da defesa, em qualquer procedimento penal, falar por último e responder, se for o caso, às alegações finais da acusação”, garante. Segundo ele, o entendimento deve ser mantido pelo plenário. “Particularmente, acredito que a decisão da 2ª Turma está correta. O relator vencido afetou o caso ao plenário, o que é uma decisão respeitável. Provavelmente, a expectativa é de que se manifeste mais uma vez a divergência por um único voto entre a 2ª e a 1ª Turma”, analisa o ex-ministro, acrescentando que o procedimento adotado para se ouvir os réus enfraquece o mérito da Lava-Jato.

Por outro lado, o presidente da corte entre 1999 e 2001, Carlos Velloso, alerta que a decisão da 2ª Turma foi tomada “com base num princípio, o devido processo legal”. “Isso é perigoso. É que princípios não têm conteúdo. Seu conceito é, portanto, indeterminado, cuja determinação deve apoiar-se em critérios objetivos. De regra, o melhor e o mais adequado desses critérios é a lei. Critérios subjetivos levam o jurisdicionado a sujeitar-se aos bons ou maus humores do juiz”, explica. Velloso não acredita que a decisão da última semana tenha sido equivocada. “Consubstancia um entendimento, do qual, entretanto, divirjo”, diz. De qualquer forma, Velloso frisa que as sentenças impostas pela Lava-Jato correm risco.

Bendine atendido

Por três votos a um, a 2ª Turma do STF anulou a condenação do então juiz Sérgio Moro ao ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine, acusado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao receber R$ 3 milhões em propina da empresa Odebrecht. Bendine, que foi alvo de delações premiadas de ex-executivos da empreiteira, alegou cerceamento de defesa por ter sido obrigado a apresentar suas alegações finais ao processo ao mesmo tempo que os delatores. Segundo a maioria dos ministros do colegiado, o correto seria que ele prestasse esclarecimentos apenas depois dos acusadores.


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