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Estado de Minas

TJ e MP de Minas não recolhem R$ 30 milhões em impostos para o Leão

Análise de apenas uma folha de pessoal do Tribunal de Justiça e do Ministério Público indica que benefícios como auxílio-moradia e auxílio-livro não pagam IR e Previdência


postado em 04/09/2017 06:00 / atualizado em 04/09/2017 08:23


Milhões de reais deixam de entrar nos cofres da Previdência Social e do Tesouro Nacional simplesmente porque uma bolada recebida por um seleto grupo de servidores não sofre o desconto previdenciário nem do Imposto de Renda. São as chamadas verbas “indenizatórias” recebidas por integrantes do Judiciário e do Ministério Público, tais como auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-livro e outros benefícios que não são especificados nos contracheques. O Estado de Minas analisou uma única folha de pessoal do Tribunal de Justiça e do Ministério Público, o que totaliza 2.970 desembargadores, juízes, procuradores e promotores ativos, aposentados e pensionistas. Se tributadas todas as verbas recebidas, algo em torno de R$ 30 milhões teriam sido recolhidos a mais em impostos nos meses analisados.

Ao contabilizar vários recebimentos como indenizatórios, vantagens pessoais (adicionais, vantagens de extensão administrativa ou sentença judicial e abono de permanência) ou vantagens eventuais (pagamentos retroativos, substituições, serviços extras, férias e décimo-terceiro), o grupo de servidores se vê livre do desconto previdenciário e da mordida do Leão. “O que temos aí é uma indústria da indenização, já que a legislação prevê a isenção para essas verbas. O problema é que o conceito é aplicado de forma ampla para escapar dos impostos”, diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

De acordo com ele, uma indenização é algo que deve ser recebido para reparar uma “injustiça” – o que certamente não inclui verbas para morar, dinheiro de férias, pagamentos retroativos ou acúmulos de função. “Todos têm natureza de remuneração”, sentencia. A pedido da reportagem, o IPBT fez cálculos para mostrar a “regalia financeira” desses contribuintes. As operações foram feitas partindo do pressuposto de que o trabalhador não tem dependentes ou qualquer tipo de isenção – até porque os portais de transparência do TJ e MP não trazem detalhamento sobre a que se refere cada parcela recebida.

O que temos aí é uma indústria de indenização, já que a legislação prevê a isenção para essas verbas. O problema é que o conceito é aplicado de forma ampla para escapar dos impostos(foto: IBPT/DIVULGAÇÃO)
O que temos aí é uma indústria de indenização, já que a legislação prevê a isenção para essas verbas. O problema é que o conceito é aplicado de forma ampla para escapar dos impostos (foto: IBPT/DIVULGAÇÃO)

O maior contracheque do TJ mineiro em julho foi pago a um juiz de entrância especial: de um salário bruto de R$ 470.049,97, ele embolsou R$ 461.153,91. O montante foi calculado levando em conta o subsídio de R$ 28.947,55, indenizações de R$ 3.624,23 e vantagens eventuais de R$ 436.947,33. Sobre o bruto, ele teve um desconto de R$ 8.896,06 (somados a previdência de R$ 2.575,79 e IR de R$ 6.320,27). Pois o que aconteceria se um trabalhador da iniciativa privada recebesse essas mesmas verbas? Sem dependentes, o dono do contracheque pagaria R$ 608,44 de INSS (no Regime Geral há um teto de contribuição) e exatos R$ 127.475,25 de Imposto de Renda. Ou seja, o líquido cairia para R$ 341.966,28.

Cálculo semelhante foi feito com o maior salário pago em maio no Ministério Público mineiro. Trata-se de um procurador que recebeu brutos R$ 83.440,11 e líquidos R$ 75.929,91 (descontados IR e Previdência). O contracheque se baseou no subsídio líquido de R$ 22.960,91, indenizações de R$ 18.465,88 e “remunerações retroativas ou temporárias” de R$ 34.503,12. Da mesma forma que o colega magistrado, se ele fosse da iniciativa privada e sem dependentes, o desconto seria bem maior: chegaria a R$ 22.474,32, em vez dos R$ 7.510,20 descontados no contracheque.

MULTA Segundo Eloi Olenike, a inclusão de verbas que deveriam ser taxadas como “indenizatórias” é muito comum no poder público, mas existe também na iniciativa privada. Caberia então à Receita Federal, durante a declaração de Imposto de Renda, verificar a natureza dos benefícios. Mas não é tarefa fácil. “Possivelmente, a Receita não deve fazer esse questionamento porque o trabalhador tem o contracheque classificando a verba como indenizatória”, explica. De toda forma, uma possível multa seria aplicada à empresa ou órgão que paga o salário, e não ao trabalhador.

Além de isentá-los de impostos, as indenizações servem para que os magistrados e membros do MP recebam contracheques acima do teto permitido no serviço público no país: atualmente R$ 33,7 mil mensais. Para ter uma ideia, em maio, dos 1.028 promotores e procuradores de Justiça de Minas Gerais, 894 receberam acima de R$ 33,7 mil. Já no TJMG, 1.610 magistrados receberam acima desse teto em julho.

Reforma tributária permitirá cobrança

Se aprovada sem modificações, a reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados permitirá o pagamento do Imposto de Renda sobre qualquer tipo de parcela indenizatória, por meio de uma alteração no artigo 150 da Constituição Federal. “Determinamos a cobrança do Imposto de Renda sobre o valor das verbas indenizatórias que superem o gasto ou patrimônio indenizado, acabando, assim, com estratagema comum de travestir renda em pretensas indenizações não tributáveis para fugir do pagamento do imposto”, escreveu o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma.

A minuta com os principais pontos da reforma tributária foi apresentada por Hauly em comissão especial no último dia 22. O parlamentar está confiante na aprovação do texto no plenário até o fim deste ano: até mesmo do artigo que trata das verbas indenizatórias. Os deputados e senadores recebem o auxílio-moradia de R$ 4.377,73 – mesmo valor dos magistrados e integrantes do Ministério Público –, mas no caso deles, se não for apresentado um documento comprovando a despesa eles sofrem o desconto de 27,5% no IR.

HARMONIZAÇÃO De acordo com Luiz Carlos Hauly, no bolo das alterações propostas na reforma tributária, a taxação sobre as verbas indenizatórias pode até não representar um valor tão significativo, mas já é um começo. “Se ganhou a renda, tem que tributar mesmo. A Justiça ou o próprio Supremo Tribunal Federal podem até decidir que não pode cobrar o imposto sobre as indenizatórias, mas não vejo a razão disso”, afirma o parlamentar. “O que estamos apresentando é um conceito de harmonização internacional. Não estamos inventando nada”, justifica.

Em tramitação no Congresso há décadas, o objetivo da reforma é reestruturar ao sistema tributário brasileiro, criado na década de 1960. Entre as propostas está a substituição de tributos estaduais por imposto sobre valor agregado (IVA) e imposto seletivo. Dessa forma, simplificar o atual sistema por meio da unificação de tributos sobre o consumo e aumentar gradativamente os impostos sobre renda e patrimônio.


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