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Estado de Minas

"Ninguém está fora do alcance da Justiça", diz Roberto Gurgel

Aposentado desde novembro de 2013, o procurador cumpre quarentena até agosto. E não esconde que entre os planos está a volta à advocacia


postado em 24/01/2016 06:00 / atualizado em 24/01/2016 08:02

(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Roberto Monteiro Gurgel Santos, 61 anos, tornou-se um rosto gravado na memória dos brasileiros naquela tarde do início de agosto de 2012, depois de mais de cinco horas de sustentação oral contra 36 réus do processo do mensalão. Ali, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ele se transformou em herói e vilão ao mesmo tempo, a depender das cores partidárias das torcidas que o elogiavam ou o criticavam. As acusações ao longo do julgamento, entretanto, apenas reforçaram o caráter estritamente técnico do trabalho de Gurgel, confirmado a cada dia em outro processo ainda em curso, o da Operação Lava-jato. As comparações entre o mensalão e a Lava-Jato são inevitáveis. Afinal, o ataque aos cofres públicos se repetiu, e mesmo alguns personagens expostos durante o escândalo iniciado nos Correios acabaram  no banco dos réus — e já atrás das grades — acusados de corrupção na Petrobras. “O mensalão era apenas a ponta do iceberg”, afirmou Gurgel na tarde da última quarta-feira em entrevista exclusiva ao Estado de Minas. “O enfrentamento entre Justiça e impunidade teve um momento marcante no mensalão e se desdobra, em momento também importante, em volumes exponenciais em termos de recursos da Lava-Jato.” Aposentado desde novembro de 2013, o procurador cumpre quarentena até agosto. E não esconde que entre os planos está a volta à advocacia. Por ora, divide o tempo entre leituras, encontros em Brasília com amigos em bares e restaurantes, e o trabalho como integrante do Conselho de Administração da Rede Sarah. Antes de mais nada, é um observador privilegiado do atual processo da Lava-Jato.

Há paralelo entre mensalão e a corrupção na Petrobras?

Li um artigo da Lya Luft, na época do mensalão, em que ela falava do enfrentamento entre Justiça e impunidade. Esse enfrentamento, que não é muito antigo no Brasil, teve um momento marcante no mensalão e se desdobra agora, em um momento igualmente importante, de volumes exponenciais em termos de recursos na operação Lava-Jato.

O mensalão foi um marco?

Sim. O principal operador, Marcos Valério, pegou pena de quase 40 anos. Esse exemplo bem-sucedido acabou influenciando a postura de operadores da Lava-Jato a buscarem uma delação premiada. Tivemos o núcleo político com penas, a meu ver, exageradamente pequenas diante da gravidade do crime. O Marcos Valério e o núcleo financeiro, com a Kátia Rabello, do Banco Rural, pegaram penas elevadas. Serviram para estimular essas pessoas a verem no caso do Marcos Valério algo como “ele ficou calado e está pagando quase sozinho”.

Ele está tentando um acordo agora.

Marcos Valério é um jogador, sempre criando algum fato, tentando veicular coisas, blefando como qualquer jogador. No início do julgamento do mensalão, procurou o ministro Ayres Britto, então presidente do STF, para dizer que tinha revelações a fazer que implodiriam a República, e que precisava prestar um depoimento. Britto disse que não podia, evidentemente, mas pediria que eu ouvisse. Concordei, e ele então pediu uma série de cautelas, dizendo que, após o depoimento, não deveria ter mais que 24 horas de vida.Chegou com o advogado e disse que queria prestar esse depoimento para ter benefícios no mensalão.

Ele queria uma delação premiada?

Eu disse que o julgamento estava em andamento, já havia um mês, e deixei claro que poderia tomar o depoimento, mas jamais para que se produzisse algum tipo de benefício na Ação Penal 470. O que ele queria, na verdade – acho que ele não estava em função própria, mas também atendendo a pedidos de outros réus –, era melar o julgamento. Para que o ouvisse na Ação Penal 470, teria que reabrir a instrução. Então, ouviria, mas com essas observações, de que não surtiria efeito no processo. Ele concordou em prestar o depoimento. Dois colegas tomaram o depoimento. Ele não disse nada relevante, que nem de longe implodiria a República.

No mensalão só houve uma delação (do doleiro Lúcio Funaro). Por quê?

Não houve interesse dos réus, a investigação foi avançando, independente disso. De um lado, não houve interesse e do outro lado não houve necessidade.

Eles apostavam na impunidade?

Aprendemos desdes os bancos da faculdade que, no Código Penal Brasileiro, há a história dos três P’s: preto, pobre e prostituta. E, no Brasil, sempre foi considerado inconcebível responsabilizar penalmente pessoas situadas nos estratos mais elevados da sociedade. Ninguém acreditava que um personagem como o ex-ministro José Dirceu, o todo- poderoso da República, seria denunciado, condenado e preso. Ele não imaginava, nem ninguém. Havia muito essa certeza de que as pessoas que estavam entre paredes palacianas não podiam ser tocadas.

José Dirceu na Lava-Jato comprova o que o senhor falava no mensalão?

A Lava-Jato demonstra o que se disse em muitas outras oportunidades, que o mensalão não era nada além da ponta do iceberg. Ali se estava apenas apurando o mínimo. Os próprios valores a que se chegou no mensalão eram irrisórios diante do que seria o quadro total.

Quais eram os objetivos no mensalão?

O objetivo do grupo era assegurar um amplo apoio parlamentar, que permitisse o exercício do poder por um período extremamente longo.

Mas no caso da Petrobras a gente vê mais do que isso, comprova-se o enriquecimento.

No mensalão, se dizia que ninguém colocou dinheiro no bolso. E isso é verdade até certo ponto. Na grande maioria dos casos, isso não aconteceu. A coisa se revertia em prol do projeto do partido. E nesse caso da Lava-Jato, por conta dos valores absurdos envolvidos na questão, é claro que há benefícios diretos.

Esperava que viesse uma bomba tão grande quanto a Lava-Jato em seguida?

A gente imaginava, se falava de alguns órgãos, de que haveria mais coisas, mas nada dessa magnitude que acabou aparecendo e envolvendo a Petrobras.

Os precedentes do mensalão influenciam os julgamentos da Lava-Jato?

Um dos aspectos importantes do mensalão foi fixar uma série de precedentes, em diversos aspectos, que eram, digamos, inovadores. Quanto à questão da prova, se exigia para esse tipo de crimes, até o mensalão, o mesmo tipo de prova que se exige de um furto, de um roubo, a chamada prova direta. É claro que, com relação a quem liderava a quadrilha, não se encontraria nenhum recibo. A prova tinha que ser estabelecida com base na teoria do domínio do fato.

Nota-se, agora, uma ofensiva dos acusados na tentativa de desqualificar Janot. O senhor sofreu isso?

Naqueles dias iniciais de sustentações orais, só não falaram da minha mãe. Fui xingado de todas as formas possíveis. No caso do Janot, fala-se até em ameaça... Sempre digo que ameaças são uma questão muito subjetiva. Você se sente ou não se sente ameaçado. No caso do Rodrigo, teria havido um relatório da PF que apontaria a existência de uma situação de risco. Mas essa troca de farpas, faz parte do jogo dialético. É claro que há excessos, algumas vezes há falta de uma mínima educação nesses ataques.

Sentiu-se de alguma forma ameaçado?

Em relação ao mensalão, eram ataques de uma ala do PT a que me referia como a ala mensaleira, que fazia um jogo baixo. Saíam coisas naqueles blogs mantidos pela ala mensaleira do PT, publicações até de jornalistas conhecidos. Essas pessoas me incomodaram imensamente, porque envolviam a minha família. Chegaram a ponto de dizer que eu tinha recebido propina. Era jogo sujo. Mas nunca me senti fisicamente ameaçado, tanto que jamais andei com segurança.

A ofensiva de advogados contra a Lava-Jato, com a publicação de carta aberta, mostra que estão muito incomodados?

O Sérgio Moro é um juiz competente, corajoso, mas não poderia fazer absolutamente nada do que está fazendo se não fosse a atuação igualmente competente dos colegas do MP do Paraná. O trabalho dos procuradores tem proporcionado uma eficácia no resultado dessas investigações que é absolutamente rara, não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo. As investigações têm tramitado de modo rápido, apesar de uma ampliação que sempre considero perigosa do foco das investigações. Você vai puxando a meada e vem mais coisa. Isso é perigoso porque você pode perder o foco, mas o trabalho dos colegas e do juiz Moro tem conseguido manter o foco. Já temos um grande número de sentenças proferidas e não há dúvidas de que isso, do ponto de vista da defesa, é assustador. É preciso gritar.

Qual o objetivo dos advogados?

É um procedimento de defesa. Além da defesa oferecida nos autos, feita por brilhantes advogados, optou-se por uma defesa extra-autos, tentando pôr sob suspeita essa investigação. Tentam ganhar a opinião pública, que está toda a favor da Operação Lava-Jato, e criar algum constrangimento para a Justiça.

Mudou depois do mensalão?

Sim, mas sempre digo que o corajoso da história se chama Antônio Fernando Barros e Silva de Souza porque teve a coragem de oferecer aquela denúncia.


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