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Estado de Minas

Gilmar Mendes, presidente do STF, garante não ter medo de polêmica

Presidente do Supremo Tribunal Federal diz que polícia não pode se tornar um superpoder


postado em 14/12/2008 08:14 / atualizado em 08/01/2010 03:56

"Eu não sou profissional da polêmica, mas não tenho medo de enfrentá-la" (foto: Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press)

Brasília
– O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, não tem medo do debate. Diz que isso faz parte da missão do homem público, mas não esperava tanta polêmica sobre o habeas corpus que concedeu ao banqueiro Daniel Dantas na Operação Satiagraha, no recesso judiciário de julho. Nesta entrevista ao Estado de Minas, ele fala da agenda do STF, repleta de casos polêmicos, um dos quais está em andamento, a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Mendes defende a participação do Ministério Público nas investigações criminais, mas condena veementemente os abusos. “Não podemos aceitar investigações secretas”. Ele também considera uma página virada o episódio do grampo do qual foi vítima,

juntamente com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), pois, mesmo que não tenha sido esclarecido, serviu para o tribunal estabelecer regras mais rígidas para a escuta telefônica. “De alguma forma, eu tenho a impressão de que se modelou uma superpolícia ou uma superagência de espionagem, que parecia estar acima do bem e do mal. E, depois dos episódios que nós passamos a conhecer, parece-me confirmar esse juízo. Por desmandos administrativos, descontrole, falta de autoridade, o fato é que nós tivemos esse coquetel explosivo produzido, independentemente das intencionalidades. O fato é que ao colocarmos isso em xeque, essa armação, que era de barro, se quebrou”, avalia.

Há uma agenda polêmica no Supremo. Um dos temas é a demarcação das terras indígenas, com o caso Raposa/Serra Sol. O que há de novo nesse julgamento?
Existe o aspecto sensível da área cultivada da reserva. Mas também há os critérios de demarcação. Qual deveria ser o procedimento tendo em vista as questões que foram levantadas aqui, mas que se projetam sobre os casos que estão em andamento e até sobre as demarcações futuras? Nós tivemos um pouco essa resposta no voto proferido pelo ministro Carlos Alberto Direito, que já foi seguido até mesmo pelo relator, ministro Ayres Brito, e também por outros ministros. Então, nós temos essa orientação no sentido de que o estado e o município têm que participar desse processo, se eles estiverem entre as áreas afetadas, e também as pessoas que forem afetadas devem participar dessas comissões. Elas devem ter algum tipo de representação. As áreas que já foram demarcadas não devem ser “redemarcadas”, porque nós temos esse processo contínuo no Brasil de a toda hora se retomar o processo de demarcação. Também se definiu o que as Forcas Armadas podem ou não podem fazer nas áreas de fronteira. Elas não são submetidas à Funai, nem à vontade da comunidade indígena. E, no caso de dupla afetação de área ambiental e área indígena, preside a da área ambiental. Aquela declaração da ONU, tal como ela está – pelo menos na língua portuguesa, porque houve muita discussão sobre o significado dos termos em língua francesa, inglesa ou portuguesa–, não dá autonomia aos índios. Aquela declaração não nos afeta.

O Supremo não entrou numa tarefa que seria do Executivo e do Legislativo?
Essa história de o tribunal eventualmente usurpar competência ou assumir a competência de outro Poder nasce no mundo em 1803, com o celebre caso Marbury v. Madison nos Estados Unidos. Desde então, há este debate: o tribunal está exorbitando ou não suas competências? O tribunal foi chamado para dirimir um sério conflito confederativo por um estado-membro que já sofrera uma série de déficits de eliminação de território com a demarcação de áreas indígenas e também de áreas ambientais, sem que fosse consultado, sem que participasse do processo. Essa é uma questão que não é só de Roraima, se projeta pelo Brasil afora. Então, o tribunal está aplicando a Constituição. A questão é mais complexa do que o capítulo que trata da área indígena. A Constituição tem como cláusula pétrea o princípio federativo.

Por falar em Ministério Público, o tribunal está para julgar uma matéria que envolve o poder de investigação do MP na área criminal…
Nós temos alguns processos que tratam desse tema. E a nossa intenção era inclusive julgar ainda este ano ou pelo menos iniciar o julgamento. Acredito que vamos voltar com esse tema já em fevereiro. A Constituição, na verdade, define que a função de investigação é da Polícia Civil. Mas é claro que o Ministério Público tem uma função eminente também no processo criminal. É inegável. Às vezes, até fazendo levantamento na área civil ou administrativa, se depara com o crime ou atividades complementares. A partir de um inquérito policial existente, o Ministério Público pode deflagrar novas perguntas e novas investigações. Surgem novas situações. Para isso, pergunta-se: pode ou não pode o Ministério Público prosseguir nas investigações? Estaria usurpando competências da polícia? Então, surgem essas tensões. Outro problema: se o Ministério Público pode fazê-lo, como poderá fazer? Em que condições? Pode fazê-lo de início ou só pode fazer numa seqüência. Nós temos caso de investigação que correu toda ela no Ministério Público. E aí, também surgem problemas, porque quando há um inquérito policial, a polícia abre o inquérito, formaliza o inquérito, notifica os eventuais envolvidos para darem depoimento. A investigação no Ministério Público muitas vezes não tem essa característica, porque ela não está formalizada. E, como não está formalizada, gera então a investigação secreta. Isso o tribunal tem censurado. Então, tudo isso está sendo discutido: primeiro, o Ministério Público pode ou não pode? Se pode, em que condições? Em determinados crimes ou em todos os crimes? O que certamente o tribunal não vai validar e não validaria jamais são essas práticas de investigação secreta, o Ministério Público deflagrar uma investigação e ninguém saber.

A escuta telefônica passou a ser a principal ferramenta de investigação. Isso virou um problema?
O tribunal tem avançado tendo em vista esse balanceamento, essa ponderação. De um lado, o combate à impunidade, claro, como nós queremos; de outro, o respeito aos direitos e garantias individuais. Hoje, nós temos uma criminalidade extremamente complexa e o tribunal entendeu que isso poderia ser feito de forma corrente, sem um limite. Hoje nós vimos que, às vezes, algumas investigações se projetam por quatro anos e aí já se vem entendendo que é abusivo. Esses dias, o STJ entendeu que são 15 dias e mais 15. E que, portanto, o que ultrapassou disso já seria prova ilícita. Nós ainda não chegamos a esse ponto, nesse caso específico julgado agora, nesse caso da operação que envolveu juízes, o caso do juiz do STJ. O tribunal entendeu que agora qualquer prorrogação tem que ter uma comunicação específica. Portanto, não pode haver uma mera requisição formal. Portanto, terá que ter um ato que depois será aferido. São tentativas de fazer valer e respeitar os direitos e garantias individuais.
Está havendo muitos vazamentos de gravações?
O tribunal tem tentado coibir os abusos cometidos com base no vazamento de informações. Sabemos que há muito pré-julgamento a partir da análise das informações colhidas. A polícia, em algum momento nesse contexto, virou um pouco juiz. Dizia o que se dizia e o que não se dizia. Qual era a intenção das pessoas? Nós já vimos muitas vezes revelados que isso não era verdade. Eu tenho a impressão de que é necessária uma nova lei sobre intercepção telefônica. Nós já temos até um consenso com o Congresso, também com o Executivo. O Ministério da Justiça está trabalhando um novo conceito. Certamente vamos avançar um pouco, sempre com essa preocupação de por um lado continuar no combate a impunidade e por outro preservar os direitos e garantias individuais: não fornecer esse excessivo poder a ninguém, não tornar a polícia um super poder, como vinha ocorrendo nessas relações. Com as revelações que nós sabemos: práticas de chantagens, a troca de favores, inclusive com a mídia. Tudo isso me parece que em função dessa crise poderia ser pelo menos submetido a um dado controle.

O episódio do grampo é um assunto encerrado?
Eu espero que isso se esclareça definitivamente. Mas se não se esclarecer, já terá contribuído positivamente para os nossos avanços institucionais. De alguma forma, eu tenho a impressão de que se modelou uma super polícia ou uma super agência de espionagem, que parecia estar acima do bem e do mal. E, depois dos episódios que nós passamos a conhecer, parece-me confirmar esse juízo. Por desmandos administrativos, descontrole, falta de autoridade, o fato é que nós tivemos esse coquetel explosivo produzido, independentemente das intencionalidades. O fato é que ao colocarmos isso em xeque, essa armação que era de barro se quebrou.

O processo em relação ao caso do Daniel Dantas voltou ao leito natural?
Eu não disponho de dados, mas imagino que sim. Nenhum processo deve ganhar essa especialidade. A gente tem que ficar muito desconfiado de promotor especial, de juiz especial, de delegado especial. Processos têm a sua rotina e devem ter as suas investigações normais. Eu acredito que abusos que devem ter prejudicado nesse caso já vinham sendo praticados em outro. Ninguém inventa isso de uma hora para outra.

O senhor acha que deve haver uma separação entre o trabalho da agência de informações e o da polícia?
Sem a menor dúvida. Claro que eles podem ter pontos de cooperação e devem ter até pontos de interseção, mas é claro que são atividades absolutamente distintas, inclusive com paradigmas legais diferenciados.

Essas investigações estão se dando em todas as áreas, inclusive no Judiciário. Como essa questão está sendo tratada no Conselho Nacional de Justiça?
O Conselho Nacional de Justiça surgiu também para dar respostas a casos de desvio no âmbito do Poder Judiciário e tem dado respostas a ele, inclusive afastando juízes. Há casos que não são tratados no âmbito criminal, mas são tratados no âmbito administrativo. O Conselho Nacional de Justiça está acompanhando todos os casos, recebe denúncias, faz investigação. Muitos desvios administrativos depois se revelam como faltas disciplinares. Mas há muita instauração de inquéritos contra magistrados e servidores do judiciário em razão dos desvios verificados. E claro que essa não e a única atividade, nem talvez a principal atividade do conselho, já que a grande falha do poder judiciário diz respeito talvez à falta de planejamento.

O processo do mensalão não está demorando demais para ser julgado?
É claro, um processo com essa dimensão tem os seus problemas. Agora, é possível que se nós tivéssemos fragmentado o processo, talvez eles nunca se encontrassem. Em suma, são escolhas complexas e um problema do Estado de direito. Ele é moroso mesmo, para o bem e para o mal. Então, nós temos que conviver um pouco com isso. O tribunal tem de evitar as chicanas, ter mais controle sobre o processo para evitar protelações.

E o caso do ministro Antonio Palocci?
Eu tenho a impressão que vamos julgar isso logo no começo do ano. A minha intenção era julgar agora, mas não foi possível. Devemos julgar isso em fevereiro ou março.

Ministro, o senhor este ano se envolveu em várias polêmicas. Qual foi a que mais o marcou?
Talvez a maior polêmica tenha sido a do habeas corpus do Daniel Dantas. Foi a que rendeu mais debate. Era em julho, um mês tranqüilo. Eu não sou profissional da polêmica, mas não tenho medo de enfrentá-la. É a missão do homem público.
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