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Estado de Minas DESMATAMENTO

Saraiva: 'Europeus eram rigorosos com a entrada de carne e não com madeira'

Livro 'Selva' de Alexandre Saraiva relata conflitos e ações da Polícia Federal durante seus 10 anos de trabalho no Amazônia


28/07/2023 04:00 - atualizado 27/07/2023 23:17
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Alexandre Saraiva
Delegado e ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva participou da apreensão recorde de madeira; ação foi criticada pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (foto: Divulgação/Intrínseca)
O desmatamento da Amazônia é um tema prioritário para diversos países. Essa preocupação ganhou um novo capítulo com a possibilidade de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, no qual eurodeputados querem, entre outras exigências, ações que garantam a redução do desmatamento.

Com mais de dez anos à frente de superintendências em Roraima, Maranhão e Amazonas, o delegado e ex-superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas Alexandre Saraiva, autor do livro "Selva: madeireiros, garimpeiros e corruptos na Amazônia sem lei", foi um dos responsáveis pela maior apreensão de madeira ilegal já feita na história do Brasil e é visto como uma autoridade sobre o tema, tendo sido cogitado para ser ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro (PL). O convite não se materializou por suas posições sobre o tema. 

"Os países europeus tinham – porque saiu uma legislação nova agora, que inclui a madeira na questão da restrição de importação – um regulamento que diz que para importar madeira para a Europa só precisa declarar uma vez de quem comprou. Depois não precisa fazer mais nada. Então, a madeira nativa entrava na Europa sem nenhum freio", relata o delegado.

Em abril deste ano, o parlamento europeu aprovou uma norma que proíbe a importação de diversos itens, como cacau, café, madeira, carvão vegetal, carne, soja, óleo de palma, borracha e outros, provenientes de áreas desmatadas após 1º de janeiro de 2021. 

A ONG WWF afirma que 16% do desmatamento do mundo é para suprir importações da União Europeia, que também é a segunda maior destruidora de florestas tropicais. Apesar da nova legislação ser vista como um avanço, a matéria é criticada por não incluir a proibição de produtos oriundos de outros ecossistemas como savana ou manguezais, por exemplo, e por não tratar sobre o financiamento de projetos realizados por bancos europeus que impactem negativamente nos ambientes.

"A legislação europeia sobre a importação, por exemplo, de carne bovina, no artigo 1.760 de 2010, é extremamente rigorosa. Não estou dizendo que estão errados, acho que estão certos. Só não entendo porque são tão rigosos com a carne bovina e tão pouco com a madeira", afirmou Alexandre Saraiva.

Alexandre levantou questionamentos em seu livro "Selva: madeireiros, garimpeiros e corruptos na Amazônia sem lei", sobre o que motivou essa diferença de tratamento durante anos. 
 
Na obra, ele relata o período em que esteve à frente das ações da PF na Amazônia Legal, nomenclatura dada a parte da floresta que está no Brasil.

Em 2021, a Operação Handroanthus, liderada pelo delegado, aprendeu 226 mil m³ em toras, com valor estimado em cerca de R$ 130 milhões.

O lucrativo mercado de extração ilegal de madeira é apontado como o grande vilão no desmatamento. "O agronegócio (como grande responsável pelo desflorestamento) é uma visão incompleta. O dinheiro da madeira é que vai gerar o agronegócio lá, porque a madeira é muito valiosa no mercado internacional." 

Mas a relação entre madeireiros e agronegócio na região amazônica é vista como umbilical, pois os dois "vivem de financiamento agrícola. O cara que pega uma área na Amazônia, vai grilar essa terra, que não é dele. Vai desmatar tudo. Vai no banco, pega um empréstimo agrícola, não planta nada, pega o dinheiro e põe no bolso. Se não pagar o banco, penhora a terra, que não é dele. Ele ainda dá mais um passo. Vai no Proagro, que é o seguro da atividade agropecuária, diz que plantou mas perdeu a lavoura por praga, muito sol ou chuva. Aí ele consegue ser ressarcido".

Grileiro é como se chama popularmente quem invade terras públicas e se apropria delas, indo em desacordo com a legislação.

Desmatamento não se traduz em produção agropecuária

Os grileiros, responsáveis pelo desmatamento da floresta amazônica, se disfarçam de pecuarista ou fazendeiro para tentar ganhar a simpatia da população, o que acaba por se tornar apoio político durante as eleições.

"A produção agropecuária pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) nos estados da Amazônia Legal aumenta, em 10 anos, 5 a 6%. O gráfico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostra desmatamento de 90%", reclamou o delegado, que foi categórico ao afirmar que "desmatamento não se traduz em produção agropecuária". 

Em 2012, o governo federal passou a concessão de licenças ambientais para responsabilidade dos estados. 

O delegado afirma que grande parte das autorizações concedidas pelos estados da região contém "fraudes escabrosas" e que esses danos podem ser verificados em fotografias de satélites.

Com o monitoramento da região feita por satélites, que coletam imagens diárias e com boa definição do local, é possível que sejam regularizados a questão fundiária, o garimpo e a agropecuária, de acordo com o delegado. Além disso, ele acredita que a solução para o problema passa por um fortalecimento do Ibama na região.

Alexandre afirma que a solução para o problema da derrubada de árvores nativas da região amazônica passa pela conscientização da população, assim como foi com o uso de peles de animais silvestres.

A exploração sustentável, como estudos sobre recursos genéticos biológicos da região, também é apontada como uma saída para ganhos financeiros com o local

Quase ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro

O delegado Alexandre Saraiva chegou a se reunir com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) para conversar sobre a possibilidade de assumir o Ministério do Meio Ambiente, mas, segundo ele, ao ouvir a posição do potencial ministro sobre as políticas públicas que deveriam ser adotadas para a Amazônia, o líder do Executivo "discordou de tudo" que foi tratado no encontro e optou por Ricardo Salles (PL-SP).

Com a apreensão recorde de madeira, Salles se reuniu com empresários que afirmavam que a extração ocorreu de forma legal e se comprometeu a uma revisão rápida da documentação. O agora deputado federal deixou a pasta em meados de 2021, em meio à investigação criminal por suposta atuação ilegal em favor dos madeireiros.

"O ministério comandado pela Marina Silva (Rede-SP) tem uma postura muito diferente da que tinha o anterior, que incentivava, defendia e avalizava criminosos. A Marina não vai lá defender garimpeiro", afirmou o delegado, que prosseguiu "refazendo as estratégias e acho que ano que vem nós vamos colher resultados melhores".

Trabalhando na Polícia Federal durante os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), Alexandre apontou que, a partir do último órgão, passou a sofrer interferências políticas.

"Durante o período dos governos Lula e Dilma, nunca recebi uma ligação de nenhum superior nem de político para fazer ou deixar de fazer qualquer coisa. Isso mudou drasticamente no decorrer do governo Bolsonaro", lamentou.

Alexandre foi afastado do cargo de superintendente ao entrar com uma queixa-crime contra o então ministro do Meio Ambiente e atual deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) e contra o então senador Telmário Mota (hoje no Solidariedade-RR). Ele foi transferido para a delegacia da PF em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro.
 

'Selva: madeireiros, garimpeiros e corruptos na Amazônia sem lei'

  • Alexandre Saraiva
  • 256 página
  • Selo História Real | Editora Intrínseca
  • R$ 49,92 (Impresso)
  • R$ 26,91 (Digital)
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