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BH celebra o neorrealismo do escritor português João José Cochofel

Poeta e escritor de Coimbra fez dos versos palavra de combate ao se opor à ditadura salazarista (1933-1974)


postado em 13/12/2019 04:00 / atualizado em 13/12/2019 09:53

Antologia de João José Cochofel (1919-1982) foi lançada em Belo Horizonte(foto: Reprodução)
Antologia de João José Cochofel (1919-1982) foi lançada em Belo Horizonte (foto: Reprodução)

“Faze que a tua vida seja o que te nega.
A luta é tua: fá-la.
Agora, os sonhos em farrapos,
melhor é a luta que pensá-la.
Ergue com o vigor do teu pulso;
solda-o em aço.
E da tua obra afirma:
- Sou o que faço.”
(João José Cochofel)

E eis que Belo Horizonte celebrará o centenário de nascimento do poeta e escritor luso João José Cochofel (1919-1982). Tarda. Mas enfim chega, ao ocaso de 2019, em reparação ao fato de que talvez as merecidas homenagens deste inspirador escritor do neorrealismo de Coimbra, até então inédito no Brasil, mesmo em Portugal tenham sido ofuscadas por dois outros aniversários de 100 anos, daqueles não menos geniais escritores portugueses, amigos fraternais –Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e Jorge de Sena (1919-1978).

Ao prefaciar a antologia cochofeliana Breve – organizada pela neta do autor, Sofia Cochofel Quintela –, que será lançada em Belo Horizonte terça-feira, às 19h, no Belas, o poeta e crítico Antônio Carlos Cortez descreve o autor “com ânsias de fazer da palavra de poesia a palavra de combate”.

“Rebenta em mim um mar de força.
É maré cheia!
Mar que atiro à praia, seguro e rijo,
sem que o tolham loas de sereia.
E a vida já me doeu…
Mas não tomei ópio nem olhei o céu,
embora chorasse como os vencidos.
Agora é sol e sangue
o búzio que trago nos sentido”

Ao mesmo tempo, Cochofel igualmente expressa, em voz sensível, a compreensão, nos termos de Cortez, de que o mundo poético dispensa a literatura, só não dispensa o ter de dizer de determinado modo as chagas, as feridas.

“Faço poesia
como quem canta ou chora
se tem razões para isso.
A literatura
posso bem ignorá-la”

João José Cochofel nasceu em Coimbra, em 1919, no seio de uma família aristocrática, marcada por uma geração de escritores que integraram vários movimentos literários. Inserido no contexto da evolução poética portuguesa entre as décadas de 1940 e 1970, Cochofel emerge com a coleção do Novo Cancioneiro ao desabrochar do movimento neorrealista que em verso opõe-se à ditadura salazarista (1933-1974).

No decorrer dos anos, a obra de Cochofel também alça voos em busca de respostas existenciais, de um mundo interior em choque com a inquietante brevidade da vida, que enfrentam sonhos articulados em permanente desafio com a realidade. Em resumo e nas palavras de Cortez sobre Cochofel: “Só a palavra de poesia, em resumo, pode eternizar os efêmeros de que a existência é feita”.

Pela primeira vez publicado no Brasil (Aquarela Brasileira Livros), Breves, de Cochofel, será lançado em Belo Horizonte entre as homenagens do centenário de nascimento do autor. A celebração se dará dentro do projeto Literaturas de Portugal e Brasil – Encontros e diálogos, resultado de edital que a Aquarela Brasileira venceu junto ao Ministério da Cultura de Portugal para lançar autores portugueses no Brasil e promover intercâmbio cultural entre os dois países de língua portuguesa.

É assim que também, no mesmo 17 de dezembro, serão lançadas no Belas outras cinco obras: Psyché e Hamlet vão para Hodiohill (Wagner Merije), Os segundos nomes (Anthony Clown), Origem e ruína (Paulo Branco Lima), Álbum (Ana Elisa Ribeiro, mineira de Belo Horizonte, professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais) e Coimbra em palavras (de 34 autoras e autores, com prefácio de José Augusto Cardoso Bernardes). Para dialogar com o público, estarão presentes Ana Elisa Ribeiro, Wagner Merije, Hélder Grau Santos (Anthony Clown) e o poeta, ilustrador e programador visual mineiro Rômulo Garcias.

“Temos muita gente boa criando nas duas margens do Atlântico, com ideias afirmativas e úteis para a coletividade, mas com pouca visibilidade, com pouco apoio ou escuta. Brasil e Portugal têm muito para fazer juntos, mas estamos distantes uns dos outros. O que queremos afirmar é que a multiculturalidade é uma riqueza, em todos os sentidos. Há gente para sensibilizar por toda parte e a literatura é incrivelmente agregadora, encanta desde as crianças até os adultos”, afirma Wagner Merije.

Em sua avaliação, ainda faz falta um circuito maior e mais estratégico para que as literaturas de Brasil e Portugal continuem sendo reconhecidas nos dois países e pelo mundo. “Precisamos criar pontes para chegar aos leitores e leitoras e é isso que esse projeto propõe”, explica ele.

Caos social e autoritarismo

Em Psyché e Hamlet vão para Hodiohill, Wagner Merije conta a história de P & H, que se conhecem num aeroporto antes de embarcar para Hodiohill, um lugar e um tempo em decomposição. “Como muitos de nós, P & H tinham feito suas escolhas, todos nós fazemos escolhas, o difícil é conviver com elas. Mas os dois não seriam capazes de prever o que os esperava. Tudo o que se pode dizer é que Hodiohill talvez tenha sido o maior paraíso e o maior inferno de que já se teve notícia”, descreve o autor, que aborda temas como o caos social, a violência, o autoritarismo, o impacto do colonialismo nas mentes, a xenofobia, o machismo, o patriarcalismo e os padrões de relacionamentos afetivos. “Um livro para perguntar de onde vem o nosso ódio, com uma mensagem de que precisamos cuidar de nós e combatê-lo, mesmo que isso soe paradoxal”, acrescenta o autor.

Wagner Merije conta que escreveu o livro entre Brasil e Portugal, num momento de dor e de indignação com a percepção de uma humanidade em parte tomada pelo ódio em detrimento do respeito e da amizade. “Nesta obra se misturam memória, imaginação e crítica social, como também tem humor, amor e leveza. Trata-se um trabalho trans: transgênero e transdisciplinar. Na escritura foram colocados saberes tão diferentes, mas complementares, como a política, a sociologia, a psicologia, a religião e a literatura”, afirma. Em referência a Roland Barthes, Wagner Merije recita: “Escrever é fazer-se o centro do processo de palavra, é efetuar a escritura afetando— se a si próprio, é fazer coincidir a ação e a afeição (...). O exercício da linguagem é uma forma de praticar o autoconhecimento e o alargamento do conhecimento do mundo”.

Anthony Clown, um dos heterônimos de Hélder Santos (escritor, poeta, músico e professor português), narra em Segundos nomes uma comédia romântica surreal. “O relato anárquico dum critico de artes que pensa, sonha e escreve no plural. Ele sente que num mundo repleto de mentiras não poderá existir apenas uma verdade”, explica ele. Tendo escrito o livro aos 23 anos, isolado no Himalaia, o autor, retorna à obra: “A vida inspira sempre, mas a fonte infinita é a da imaginação e as fórmulas mágicas (ou trágicas!) de a (re)encontrar. Voltar à obra, hoje aos 46 anos, é sempre uma autodescoberta, uma emoção renovada a cada frase, a cada parágrafo. Os sonhos podem mesmo ser pontes que atravessam oceanos”, explica.

Nascido em Coimbra, para além de Anthony Clown, Hélder Santos é um criador de heterônimos: Asa de Borboleta, Grau, Poeta G, O Urso são alguns deles. “Utilizar heterônimos possibilita ao narrador mudar o estilo, o conteúdo e a forma de cada objeto criativo. Além de que cada heterônimo se pode desdobrar em múltiplas facetas – quais espelhos e seus reflexos – para outras fases da obra”, esclarece. “Ao não utilizá-los, como narrador, sinto-me menos fluente, quiçá desprotegido na interpretação e reutilização da palavra”, registra. E é brincando com a língua portuguesa, ao melhor estilo de Mia Couto, em experiências estilísticas assinadas por outrem, que as personagens surgem na obra de Hélder Santos, cada qual em diferente perspectiva. Com ele a palavra:

“Corpos suando Desejos, Nuvens meneando-se, Exclusivas
Somente para um Olhar, para um Sentir, para um Pensar...
Somente para estados de indizíveis e gratas desilusões...

Mas ele entendia, ou subentendia; o que a Poesia Expressava
Mas não lhe cabia em missão Explicar,
por Puro não Saber

Ele compreendia mas não conseGuia explorar, as p’artes profundas
Ele explorava mas não perseGuia compreender,
as Coisas Densas

E era Dia; e levantou-se; e sentiu o seu sonho acabar, e recomeçar
E era Outro, com dúvidas dormentes;
e...e... Adormeceu...”

Breve
De João José Cochofel
Aquarela Brasileira Livros
200 páginas
R$ 35

Psyché e Hamlet vão para Hodiohill
De Wagner Merije
Aquarela Brasileira Livros
164 páginas
R$ 35

Os Segundos Nomes
De Anthony Clown
Aquarela Brasileira Livros
218 páginas
R$ 35

Álbum
De Ana Elisa Ribeiro
Relicário
108 páginas
R$ 35


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