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Estado de Minas Artesanato

Entre linhas e agulhas, novas formas de enfrentar o luto

Projeto semeando a esperança acolhe mulheres em brumadinho e valoriza vivências por meio do bordado


postado em 08/08/2021 04:30 / atualizado em 08/08/2021 04:40

O gesto preciso da mão não visa apenas passar a linha e agulha em busca do desenho perfeito. Cada ponto apazigua a dor, reacende memórias e borda um novo significado. Nas oficinas do projeto Semeando Esperança, mulheres de Brumadinho aprendem, por meio do bordado, a encarar o luto pela perda de familiares e amigos.
 
O projeto, desenvolvido em parceria com o Instituto de Promoção Cultural Antônia Dumont (Icad), começou no segundo semestre de 2019 e teve como público inicial as viúvas da tragédia. Depois, foi estendido a familiares de vítimas. “Por meio de conversa e técnicas de bordado livre, são valorizadas trocas e vivências entre as participantes das oficinas com foco na superação da dor”, afirma a gerente de Reparação Social da Vale, Bernadete Almeida. Ao todo, 47 mulheres integram o grupo, que contará este mês com 25 novas alunas. Agora, a participação foi aberta a toda a população. A expectativa é que o projeto chegue a 140 pessoas até o fim do ano.
 
O Icad, que trabalha com capacitação de mulheres no Brasil e no exterior, organizou uma metodologia especial para atuar em Brumadinho. “Quando fomos convidados, tivemos de fazer um projeto de acolhimento da maneira mais afetuosa possível. Como acreditamos que a arte é um caminho de cura, escolhemos o bordado”, relata a coordenadora do instituto, Sávia Dumont.
 
O primeiro passo da metodologia “A (bordar) o ser” é o acolhimento e a possibilidade de revelar todo o sentimento dessas mulheres por meio do bordado, tão presente em Minas Gerais. Mandalas se tornaram o objeto por meio do qual expressariam suas histórias de vida. “Cada uma tem sua história e mesmo quem não passou por perdas revê muita coisa num momento assim”, diz Sávia. “A dor não vai passar, mas toda possibilidade de expressão do sentimento faz com que ela tenha um suporte para amenizar esse sentimento de perda.”

Ao todo, 47 mulheres integram o grupo, que contará com 25 novas alunas(foto: RODOLFO DUARTE/DIVULGAÇÃO)
Ao todo, 47 mulheres integram o grupo, que contará com 25 novas alunas (foto: RODOLFO DUARTE/DIVULGAÇÃO)


Entre um diálogo e outro, um ponto e outro, a força mútua que nasce de histórias tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão comuns. “Acreditamos que elas se sentem acolhidas no grupo e fortalecidas, porque uma reconhece na outra a dor que ela passou, a história que vivenciou”, ressalta Sávia. As mandalas foram expostas em mostra na Estação Conhecimento, em Brumadinho, ainda em 2019.
 
Na avaliação da coordenadora, ao trabalhar o bordado sem rigor ou modelo certo as alunas percebem a liberdade de expressão, o que faz o grupo passar a um segundo momento: de brincadeira, risada e música. “Bordado é um pretexto para que possam pensar no que elas viveram e superar tudo isso”, destaca Sávia.

Força

 
O bordado despertou vida, sensações e o pertencimento ao território onde moram, dando força para continuar. Moradora da comunidade quilombola Ribeirão, em Brumadinho, Ronilda Teixeira, de 49 anos, conta que a perda de amigos e a destruição do ambiente a deixaram sem esperança. “Com o projeto, veio o verbo esperançar, o que me deu força para ir atrás e não desistir. Transmitimos todo nosso sentimento nesse bordado, que virou um quadro”, diz. “Começamos a ver as cores de linhas e isso nos fez descobrir e refletir em cada um de nós sentimentos e amores.”
 
As aulas estão em modo remoto por causa da pandemia, mas isso não desanima Ronilda, que participa junto com a filha Késia, de 13 anos. E, se as rodas de conversas presenciais estão temporariamente interrompidas, mais do que nunca, o espírito coletivo fala mais alto. Para que ninguém fique para trás, uma ou duas mulheres entre as que conseguem acompanhar a oficina vão à casa de quem teve problemas com a internet ou de quem não tem acesso para repassar o que foi dado no curso. “Hoje, nossas conversas são mais saudáveis. Antes, era só lamento, agora, é sobre linha, agulha e novas ideias. Estamos sempre inventando e batalhando”, conta Ronilda. Ela, por exemplo, borda agora muito mais que tecidos: usa folhas que caem das árvores para tal. E não pretende parar por aí.
 
Além de passar para frente seus conhecimentos, já vende seus bordados e artesanatos. “Que venham outros projetos assim e outras pessoas possam ter a mesma oportunidade que eu tive.”

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