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Estado de Minas SANTA CATARINA

Balneário Camboriú: avaliada em milhões, última casinha de madeira de praia será demolida

Ao longo dos anos, a modesta casa viu seu entorno ser tomado por prédios, estando hoje "espremida" entre os edifícios.


22/09/2023 05:22 - atualizado 22/09/2023 09:30
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Casa cercada por prédios
A última 'casinha da avenida Atlântica' será demolida para dar lugar a um prédio de 12 andares (foto: Eduardo Zappia)

De frente para o mar, pintada de branca e com detalhes vermelhos, é possível avistar a última "casinha da avenida Atlântica". Pois, ao contrário dos arranha-céus de Balneário Camboriú e das casas de luxo com muros altos, seus portões brancos baixos são vazados, o que permite aos curiosos a observarem de perto.

Ao longo dos anos, o imóvel ganhou até status de atrativo turístico.

Porém, resta pouco tempo para a última casa de madeira na mais nobre avenida da cidade: a residência de número 4100 será demolida para dar lugar a um prédio de 12 andares.

A casinha branca de esquadrias e janelas vermelhas tem 139 m², ocupando a maior parte do terreno de 286 m².

Exemplo de Arquitetura Popular, um estilo amplamente difundido em Santa Catarina entre o final do século 19 e meados do século 20, esse tipo de construção apresenta soluções simples, com materiais limitados – segundo a arquiteta e professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Alessandra Devitte.

A arquitetura em madeira, em geral, acompanhou a evolução socioeconômica e cultural da região Sul, diz ela. Essa arquitetura incorporou influências estéticas de diversas culturas, especialmente da imigração alemã, italiana e polonesa, que trouxeram novas técnicas e estilos de construção.

A madeira tem destaque, especialmente entre imigrantes alemães (oriundos de uma cultura florestal), pela abundância do material na região naquela época.

A demolição da casa, na visão de Devitte, representa não apenas uma perda material, mas histórica e cultural.

"A preservação da arquitetura popular desempenha um papel crucial na manutenção da identidade cultural e histórica de uma comunidade. Ela reflete as tradições, os ofícios tradicionais, os valores e os modos de vida do povo", diz a arquiteta.

O pedido de demolição da casinha e o protocolo do projeto foram feitos em dezembro de 2022 para análise da Secretaria de Planejamento. E, em janeiro de 2023, o alvará de demolição foi emitido.

O imóvel na Barra Sul de Balneário Camboriú foi construído antes mesmo da hoje chamada "Dubai brasileira" (em referência à abundância de prédios altos) virar cidade. A casa foi construída em 1956 e adquirida em 1973 por Lio Cesar de Macedo, morto em 2016.

Ao longo dos anos, a modesta casa viu seu entorno ser tomado por prédios, estando hoje "espremida" entre os edifícios.


A casa cercada por edifícios
Ao longo dos anos, a residência (na parte inferior e ao centro da foto) ficou cercada por edifícios (foto: Eduardo Zappia)

Embora a casinha seja vista por muitos como símbolo de resistência na região, os herdeiros de Macedo – que usavam o imóvel para veraneio até o ano passado – possivelmente negociaram a residência à beira-mar por um valor condizente com um título que a cidade ostenta hoje: o metro quadrado mais caro do Brasil, segundo o índice Fipe-Zap

Um corretor local consultado pela BBC News Brasil estimou que o imóvel pode ter um valor de R$ 15 milhões a R$ 18 milhões, considerando as cotações imobiliários da área.

Em 2019, um dos filhos, João Ferreira de Macedo Neto, disse a um jornal local de Balneário que não tinha interesse em vender o imóvel. A família foi procurada, mas não respondeu ao pedido de entrevista da BBC News Brasil.

Metro quadrado mais caro do Brasil

Em 1956, quando a casinha da praia foi construída, ainda nem existia sequer um edifício em Balneário Camboriú – que na época chamava-se Praia de Camboriú. Foi apenas seis anos depois que surgiu o prédio Punta del Leste, na Praia Central.


Balneário Camboriú em 1970
Balneário Camboriú em 1970 (foto: Arquivo Público BC/Divulgação/ND)

O imóvel viu a paisagem urbana se transformar, sobretudo nas últimas duas décadas.

Para o corretor de imóveis de alto padrão da cidade Diego Wantowsky, é só questão de tempo até a demolição da casa.

Na visão de Wantowsky, o local só não foi vendido antes porque o investimento para construir um empreendimento em frente ao mar é alto.

"Ainda não tem previsão de quando será construído o prédio. Foi apenas compartilhado que foi comercializado, os donos estão bem reservados quanto a essas informações", diz.

Destino turístico de famosos como o jogador Neymar, o valor negociado pela casa não surpreende quem conhece a região. Afinal, Balneário Camboriú é hoje a cidade brasileira com o metro quadrado mais caro no país.


Edifícios em Balneário Camboriú
Balneário Camboriú é hoje a cidade brasileira com o metro quadrado mais caro no país (foto: Eduardo Zappia)

Enquanto os preços do metro quadrado dos imóveis em São Paulo e Rio de Janeiro ficam em R$ 10.549 e R$ 9.926, respectivamente, Balneário lidera com preço médio de R$ 12.335. Os dados são do Índice FipeZap, publicado em boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) no início deste ano.

A alta demanda de imóveis no município se dá principalmente pela segurança e pela localização privilegiada. Além das praias, Balneário é facilmente acessada por estradas e aeroportos.

O alargamento da Praia Central foi também um fator crucial para a valorização, diz Wantowsky. "O alargamento da praia foi tão importante quanto a revitalização do calçadão que está por vir. Vai valorizar no mínimo mais uns 20 a 30% os apartamentos da região".

O "boom" imobiliário se repete em outras cidades litorâneas de Santa Catarina, como Piçarras, Praia Brava e Itapema - esta, a segunda cidade com o metro quadrado mais caro do país: R$ 10.804.

As construtoras, além de buscar o público de alta renda brasileiro, estão focadas em atrair estrangeiros. No fim de julho, a construtora FG Empreendimentos lançou um comercial estrelado pelo jogador de futebol português Cristiano Ronaldo.

A publicidade foi do empreendimento One Tower, residencial mais alto da América Latina, com 84 andares. Com 20 ambientes de áreas de lazer, cada apartamento foi vendido por cerca de R$ 15 milhões.

"Até se comenta que Balneário já está um pouco 'dolarizada'. Eu mesmo vendi um apartamento esses tempos para uma mulher da Bélgica", conta Wantowsky.

'Um monte de coisa errada'

Com o crescimento exponencial da cidade, assuntos como sombreamento das praias, falta de infraestrutura de água e esgoto e trânsito vêm preocupando a população e especialistas da área.

Após o alargamento, os dez pontos da Praia Central estavam impróprios para banho, segundo análise do Instituto do Meio Ambiente (IMA) do final de 2022.

Além disso, praias e praças centrais ficam sem sol no meio da tarde por conta da altura dos prédios.


Sombra de edifícios na Praia Central de Balneário Camboriú
Os arranha-céus ao longo da Praia Central deixam sua faixa de areia na sombra até seis horas antes do pôr do sol (foto: CORTESIA DE CASSIO WOLLMANN)

Daniela Occhialini, presidente da Associação Comunitária de Moradores da Praia Brava (AC BRAVA) e uma das organizadoras do movimento Salve Brava, luta para que a Praia Brava não siga o mesmo caminho que a "Dubai brasileira", ainda que o local já esteja muito diferente do original.

"A gente começa a mexer e vê que tem um monte de coisa errada. Existe um alinhamento gigantesco entre a gestão pública e o setor privado, que no caso é o da construção civil", diz ela.

Em nota, a prefeitura de Balneário Camboriú diz que o município não entende que a verticalização é um problema e que, em relação ao sombreamento da cidade, a obra de alargamento da faixa de areia (que foi de 25m para 75m) propiciou mais tempo de sol durante o dia para banhistas.

Sobre as críticas relacionadas à primazia do dinheiro e alinhamento com construtoras, respondeu que as outorgas onerosas de construtoras proporcionam a realização de importantes empreendimentos e obras para a cidade.

Ainda em nota, comenta que grande parte da receita do município vem de impostos como IPTU e ITBI, advindos do ramo imobiliário, salientando que todos os processos necessários para a edificação de prédios são seguidos de forma transparente e rigorosa.


Imagem feita por participantes do grupo Salve Brava, mostrando edifício em construção afetando a insolação da Praia Brava, em Itajaí (SC)
Imagem feita por participantes do grupo Salve Brava, mostrando edifício em construção afetando a insolação da Praia Brava, em Itajaí (SC) (foto: Reprodução/Instagram @salvebrava)

A organizadora do Salve Brava diz que outros municípios da região – como Barra Velha, Penha, São Francisco do Sul – já procuraram ajuda para impedir que o crescimento desordenado não atinja suas praias.

Lilian Simões, aposentada de 78 anos, mora em Penha (37km de Balneário Camboriú) desde 1996 e tem uma relação especial com o mar: quando criança ela contraiu coqueluche e o médico indicou que a família passasse um tempo no litoral. Desde então, ela tem um apego com a praia.

A moradora de Penha concorda que é preciso estrutura para a cidade poder receber o setor imobiliário. Porém, ela diz que ficaria feliz de poder vender sua casa e se mudar para um apartamento e ter mais conforto.

"Penso em ir para Itajaí, pois lá tem mais estrutura, como hospitais, mercados e serviços em geral".

Aprendizado para o litoral

Não é mais possível reverter o modelo de urbanização de Balneário, diz Rosemeri Carvalho Marenzi, engenheira florestal e docente do programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

"Fica o aprendizado que as outras cidades podem levar. No sentido que elas podem ter um modelo diferenciado, principalmente em termos de escalonamento e distribuição dos edifícios".

No caso do Balneário Camboriú, diz Marenzi, a concentração urbana se deu porque o território é pequeno, mas isso não significa que as pessoas precisam de mais moradia, pois grande parte dessas edificações são de ocupações de veraneio, investimento ou aluguel.


Edifícios à beira da praia em Balneário Camboriú
'Apartamentos fantasmas', ocupados apenas uma pequena parte ou nenhuma do ano, refletem na exclusão dos moradores tradicionais (foto: Eduardo Zappia)

Para ela, os chamados "apartamentos fantasmas" (aqueles que são ocupados apenas uma pequena parte ou nenhuma do ano) geram a exclusão dos moradores locais.

"São os moradores que acabam tendo que muitas vezes vender os seus imóveis em função da especulação imobiliária. Se ele não vender o seu imóvel, na verdade, ele vai ficar em meio a um conjunto de prédios, ilhado e sem sol".

Na visão da especialista, o foco do planejamento urbano deve ser não só a economia, mas também o turismo, ambiente e os interesses dos moradores.


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