
Outro retrato do caos é o levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), feito com os cartórios de registro civil, que mostra que, desde o começo da pandemia, 5.798 profissionais de saúde perderam a vida — 25,9% a mais do que em 2019 e, se comparados apenas os dois primeiros meses de 2021, 29% maior que o mesmo período do ano passado.
“Na última semana epidemiológica, observou-se um novo aumento da taxa de letalidade, de 3,3% para 4,2%, o que pode ser consequência da falta de capacidade de se diagnosticar correta e oportunamente os casos graves, somado à sobrecarga dos hospitais, num processo que vem sendo apontado como o colapso do sistema de saúde, não somente de hospitais. Esse indicador se encontrava em torno de 2% no final de 2020”, explicou o último boletim Observatório Covid-19 BR, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado ontem.
O levantamento indica, ainda, não ser possível esperar uma diminuição de mortes a curto prazo. Isso porque o nível crítico de capacidade das UTIs se mantém estável e 20 das 27 unidades da Federação estão com taxas de ocupação de vagas de terapia intensiva superiores a 90%. “Não se pode negligenciar a gravidade do quadro de saturação do sistema de saúde para resposta à elevadíssima demanda colocada pelo número excessivo de casos de covid-19 em praticamente todo o país”, alertou a pesquisa da Fiocruz.
De acordo com os números colhidos pelo Conass, o país chegou aos 13.100.580 casos de COVID-19, sendo que 86.979 foram registrados apenas entre segunda-feira e ontem.
Profissionais atingidos
O aprofundamento da crise sanitária no Brasil vem afetando pesadamente também os profissionais de saúde. Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, nem todos morreram diretamente por terem contraído a COVID-19, mas de causas associadas à doença, como os efeitos do estresse. Caso se mantenha a tendência observada nos dois primeiros meses de 2021 — que apresentou um acréscimo de óbitos 29% maior que o mesmo período do ano passado —, aproximadamente 8 mil trabalhadores do setor podem perder a vida até o final do ano.
Os estados mais afetados pela perda de profissionais foram Rio de Janeiro (1.596), São Paulo (1.563), Paraná (692), Bahia (497), Rio Grande do Sul (481) e Minas Gerais (346). Já as mortes cuja causa foi a Covid-19 totalizaram 1.411 até fevereiro de 2021 — o Rio de Janeiro foi o mais atingido, com 396 óbitos.
Uma pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM) indica que 96% dos médicos perceberam o aumento do nível de estresse como o principal impacto da pandemia por 22,9% dos entrevistados. “Toda vez que nós temos um sistema colapsado, aumenta a incidência de infecções. É importante a sociedade demonstrar toda a preocupação pelos profissionais, porque estão dando a vida por nós”, frisou o vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer.
Avança PL para imunizar funcionários
A Câmara aprovou, por 317 a 120 o Projeto de Lei 948/2021, que autoriza empresas privadas a comprarem vacinas para imunização de funcionários. O debate durou uma sessão inteira e parte de uma segunda, com forte obstrução da oposição — que argumentou que o PL enfraquece o Plano Nacional de Imunização (PNI) e formaliza os fura-filas, pois quem tem maior poder aquisitivo terá condições de ser vacinado antes da população, que depende do Sistema Único de Saúde (SUS). O texto, agora, segue para o Senado.
Segundo a Lei 14.125/21, as empresas já têm direito a comprar a vacina, mas devem doar 100% das doses para o PNI e, após a vacinação dos grupos prioritários, podem ficar com 50% do que for comprado. Porém, com o PL, as firmas terão de doar ao SUS o mesmo número de doses destinadas aos funcionários. Além disso, somente depois de fornecer os imunizantes para o governo federal é que poderão vender para a iniciativa privada.
Segundo o autor do texto, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), a fila será respeitada. Ele argumentou que a vacinação por empresas, ou por quem tenha meios para pagar pelo medicamento, diminui a espera dos que dependem do SUS. “Quem vai ser vacinado é o motorista de ônibus. Todos são funcionários de uma empresa? A empresa é que vai vacinar as pessoas”, explicou.
A relatora Celina Leão (PP-DF) disse que a proposta cria uma “segunda fila”, e que a iniciativa privada obedecerá ao PNI. “Se ele quiser vacinar uma parte da sua empresa, vai poder. Mas obedecendo ao PNI. Nós não estamos mexendo no programa do SUS”, acrescentou.
O líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS), salientou que se for para encurtar a fila, que as vacinas compradas pelas empresas sigam para o SUS. “Se os empresários fazem as compras das vacinas para aliviar a fila, comprem e coloquem no SUS. É muito simples. Vamos criar duas categorias: uma para pessoas endinheiradas, que poderão receber as vacinas, contra outras pessoas que, por causa dessas compras, vão ficar mais distantes ainda para receberem a vacina”, observou.
Empresários
A vacinação também será tema de um encontro, hoje, do presidente Jair Bolsonaro com empresários, em São Paulo. O evento será na residência do dono da empresa de segurança Gocil, Washington Cinel, que afirmou que o foco será a imunização da população para a retomada da economia. Convidado, o empresário Flávio Rocha, presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes, destacou que “não temos mais espaço para errar no pós-pandemia. Temos que fazer movimentos cirúrgicos para que a retomada venha, para que não seja algo quase tão letal quanto a crise sanitária”.
Governadores pressionam pela vacina russa

Enquanto a vacinação contra a COVID-19 anda a passos lentos, os estados brasileiros vão atrás de imunizantes para garantir que a população seja vacinada o quanto antes. A pressão, agora, é sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que avalia o pedido para importação da vacina russa Sputnik V, feito por 12 estados brasileiro. Apesar de a autarquia anunciar que enviará uma equipe à Rússia para avaliar as instalações da fábrica do imunzante e realizar uma reunião com os governadores, muitos não saíram satisfeitos do encontro e apostam na liberação de uso emergencial mesmo antes das inspeções nas plantas russas.
Coordenador dos temas relacionados à COVID-19 do Fórum dos Governadores, o governador Wellington Dias (PI) destacou que a continuidade do ritmo vacinal para abril depende desta aprovação da agência brasileira. “Tirar do calendário de abril essas vacinas Sputnik é um desastre. A licença de importação é uma necessidade para não perder a entrega a partir deste mês”, disse, após a reunião, ressaltando que, caso haja demora na aprovação, o país poderá perder as doses do mês. “Nesse momento de disputa de vacina no mundo, não se coloca em estoque”.
A reivindicação é para que, em sete dias úteis, conforme prevê as leis que facilitaram a importação e autorização de uso emergencial de vacinas, a Anvisa faça a análise. “Pedimos para não condicionar a autorização excepcional a essa visita”, pressionou Dias, cujo tom amistoso não foi seguido pelos outros 11 governadores que têm acordo de compra da vacina russa.
“Saí da reunião demonstrando toda minha indignação e perplexidade pela postura da Anvisa. Infelizmente, o Brasil vive um caos completo e a agência ainda está protelando a autorização de importação”, irritou-se o governador da Bahia, Rui Costa, que comparou o comportamento da agência a “uma verdadeira seita que tem provocado milhares de mortes no Brasil”.
Conversa com Putin
Na mesma direção se pronunciou o governador do Maranhão, Flávio Dino. “4.195 mortes. Enquanto isso, a Anvisa nos chamou para uma reunião sobre vacinas para dizer que precisam ir à Rússia para avaliar o pedido de autorização de importação de vacinas feito pelos estados. Chega a ser inacreditável”, indignou-se.
Antes da reunião com os governadores, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, havia divulgado o envio de uma missão à Rússia por um vídeo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro — que ligou para o presidente Vladimir Putin para tratarem da aquisição e fabricação da Sputnik V no Brasil. Participaram da conversa os ministros das Relações Exteriores, Carlos Alberto França; da Saúde, Marcelo Queiroga; da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni; e o secretário de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha.
Na saída do Palácio do Planalto, Barra Torres afirmou que a visita à Rússia esclarecerá pontos fundamentais da produção da vacina e que a data da viagem será definida hoje. (com Ingrid Soares)
