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Estado de Minas COVID-19

''O vírus nos surpreende a cada três meses'', afirma imunologista

Médico Vicente Rizzo faz balanço da marca de um ano desde o primeiro caso de COVID-19 no país


21/02/2021 10:43 - atualizado 21/02/2021 11:07

O médico imunologista Luiz Vicente Rizzo(foto: Fabio H. Mendes/Albert Einstein/Divulgação)
O médico imunologista Luiz Vicente Rizzo (foto: Fabio H. Mendes/Albert Einstein/Divulgação)

Exatamente um ano atrás, o primeiro brasileiro com diagnóstico confirmado para a COVID-19 voltava da Itália, infectado. Foi só poucos dias depois, contudo, em 26 de fevereiro, que o resultado positivo foi oficializado, por meio de um teste molecular RT-PCR. Assim como o nome do exame, outrora desconhecido fora da comunidade científica, caíram na boca do povo, também, as tecnologias vacinais, índices que medem o avanço da pandemia e medidas de combate se tornaram informações difundidas socialmente. Há 12 meses, o Brasil respira, ainda que por detrás de máscaras, os impactos do insistente Sars-Cov-2, que, dia após dia, se renova às custas da transmissão desenfreada.
Em meio aos erros, cuja responsabilidade é atribuída ao presidente da República a cada cidadão e suas decisões, o Brasil perdeu quase 246 mil vidas e identificou mais de 10 milhões de infectados. Dos dolorosos números, o país e o mundo também tiraram oportunidades, “com avanços em pesquisa e ciência jamais vistos de maneira tão rápida e colaborativa na história da humanidade”, como opina o diretor superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, o médico imunologista Luiz Vicente Rizzo.

Envolvido desde o início no enfrentamento da pandemia, Rizzo participou da condução do primeiro positivo para COVID-19 no Brasil e de estudos para avaliar o efeito de medicamentos como a cloroquina no tratamento de pacientes com o vírus. Em entrevista ao Correio, ele relembra discussões e descobertas emblemáticas e avalia de que forma elas podem e devem ser consideradas nesta nova fase da pandemia.

Em 26 de fevereiro de 2020, foi confirmado o primeiro caso de COVID-19 pelo Albert Einstein. Como foi esse procedimento em meio a tantas incertezas?
Eu, inclusive, estava de plantão administrativo e fui uma das primeiras pessoas a saber. O hospital já vinha se preparando para isso e tivemos o primeiro teste de como iríamos lidar com a COVID-19 em janeiro de 2020. Ficou claro que os números da China não eram muito precisos e também já havia reportes na Itália. Então, olhando os gráficos por volta de dezembro, resolvemos que era importante estar preparado. Tanto é que a razão pela qual fizemos o primeiro diagnóstico, provavelmente não foi porque vimos o primeiro paciente, mas porque estávamos prontos, do ponto de vista de laboratórios. Trabalhamos no desenvolvimento do diagnóstico molecular, o famoso PCR. Fizemos vários simulados de como iríamos receber os pacientes, os fluxos. Quando recebemos a ligação com a confirmação do resultado do primeiro positivo, o meu sentimento, particularmente, foi: “Agora começou de vez e vamos ver como essa doença vai se comportar”.

Mesmo diante da preparação, o mundo estava vivendo algo novo. Como foi esse início, após o primeiro diagnóstico?
Em fevereiro de 2020, o Sars-CoV-2 era uma grande incógnita e é verdade que esse vírus nos surpreende a cada três meses. Temos que lembrar que, do ponto de vista de interação biológica, com seres humanos, ele é muito jovem. O vírus cruzou a barreira de espécie muito recentemente. Então, ainda está se ajustando quanto a infectar seres humanos. Isso tudo é um processo que a natureza está fazendo há bilhões de anos. Mesmo estando assustados, isso está acontecendo com outros animais e a gente não vê. Então, a gente tinha muita coisa preparada, mas o vírus é uma surpresa.

O senhor também esteve à frente de estudos para entender se medicamentos como a cloroquina funcionavam para combater a COVID-19. Como foi esse trabalho, em meio a um ambiente polarizado?
Recebi muitas ligações ameaçadoras. Até mesmo de colegas que, quando dissemos que faríamos um estudo, nos acusaram de fazer pesquisa bolsonarista. A questão é que não se sabia o que funcionava ou não, e alguém precisava testar. A ciência tem que ser feita. Não se pode, a priori, achar que funciona ou não só porque você gosta ou não gosta, concorda ou não. O erro está nos dois lados: em botar na cabeça que funciona na marra, sem testar, e em deduzir que a hipótese deve ser desconsiderada por não gostar de quem alega que funciona. O fato é que a ciência tem que ser feita e não se faz por votação. Tem uma frase do Neil deGrasse Tyson, um físico americano que faz um trabalho de divulgação da ciência muito bonito. Ele diz que mesmo que você discorde da ciência, ela continua sendo certa, a verdade. Você pode discordar da lei da gravidade, mas quando você tropeçar, você vai cair. A ciência não tem resposta para tudo. Mas, quando ela aparece, é o que é. Gostar ou não gostar, não faz diferença.

Mesmo após a divulgação das análises, a discussão política em torno do uso da cloroquina perdura até hoje. Por quê?
Há muita controvérsia quando as pessoas decidem que querem uma solução imediata para alguma coisa. No caso da cloroquina, mostramos lá atrás que não servia para os pacientes moderados e graves. O que acontece é, em um estudo em que 85% das pessoas vão bem, você provar que algo funciona como profilático ou em tratamento precoce é muito difícil. E aí veio a discussão se serviria para esses casos. Por A, B,C e mais D já ficou claro que a cloroquina não é solução para nada. Defendemos, desde o começo, que isso não fazia sentido por não funcionar nem no paciente moderado e considerando que são medicações com risco. A questão é que, o que eu falo aqui ou o que você escreve, tem impacto zero nas pessoas que continuam usando. Porque preferem acreditar em uma pessoa conhecida que falou que viu, que tinha um tio que tomou; e 18 outras pessoas na casa também tomaram e atravessaram a doença muito bem. O que ocorre é que 85% das pessoas vão evoluir bem. E muita gente continua se escondendo atrás dessa particularidade para dizer que algo que não funciona, funciona.

Apesar das dificuldades, a ciência nunca esteve em tanta evidência como agora. Como avalia o papel científico ao longo da pandemia?
Foram 10 anos em um, em evolução. Eu creio que nosso conhecimento avançou imensamente. Inclusive, só para se ter ideia, há um ensaio que exemplifica isso, mostrando que entre seis e oito pessoas de cada 10 que morreriam em março do ano passado não morreriam hoje. Isso porque melhoramos muito a nossa capacidade de tratar pacientes. Entendemos que, muito mais do que uma doença pulmonar, é uma doença inflamatória sistêmica. Aprendemos a adequar os fluxos hospitalares no decorrer da pandemia. No começo, muitos pacientes ficaram sem se consultar, pessoas com câncer atrasaram diagnósticos e tratamentos, e, por isso, estão morrendo mais. Não creio que esse erro se repetirá. No Albert Einstein, estamos trabalhando normalmente, com vários pacientes de covid, mas não estamos mais atrasando nenhum tratamento. Entendemos o fluxo e temos grande segurança de que os pacientes não vão se infectar nas nossas instalações, assim como os nossos profissionais não estão se infectando.

Neste rol de desenvolvimento acelerado, as vacinas ganharam destaque. Como justificar que, apesar de terem sido desenvolvidas em tempo recorde, elas são confiáveis?
Em primeiro lugar, não foi inventada nenhuma tecnologia. Mesmo a de RNA possui uma tecnologia que já é conhecida há 20 anos, mas nunca tinha sido usada em vacinas, por uma questão de possibilidades. Ainda, nunca antes na história da humanidade se projetou tanto dinheiro e tanto esforço em buscar uma vacina. O fato de haver índices de infecção muito altos faz com que os resultados sobre positividade, ou seja, eficácia e segurança da vacina, venham muito rapidamente. As agências reguladoras também contribuíram, andando mais rápido no mundo inteiro. Isso demonstra o quanto evoluímos, mas ainda estamos longe do ideal.

O país poderia ter outro panorama da pandemia?
Essa pandemia nos deu uma oportunidade de encerrá-la muito mais cedo. Ficou claro, desde o começo, que o uso de máscara, o isolamento social teriam resolvido o problema lá atrás, se as pessoas tivessem levado as medidas a sério. Em São Paulo, se não me engano, o melhor resultado de isolamento foi de 65%, o que é vergonhoso. As pessoas têm que trabalhar, tudo isso é verdade. Mas poderíamos ter chegado em 90%, 80% de isolamento. É uma pena que o indivíduo não entenda a ciência, porque, se entendesse melhor o papel dele, isso já teria acabado. Vimos claramente o que aconteceu no Natal e no ano-novo e era uma das poucas certezas que tínhamos: se as pessoas não se comportassem, haveria um novo aumento da pandemia. E foi o que ocorreu.

Sabemos que o reflexo dessa falta de responsabilidade social se traduz em mais transmissão, propiciando aparição de novas variantes. Como isso se dá?
As pessoas precisam entender que toda variante é fruto de uma infecção. Cada ser humano que se infecta é um bilhete de loteria que a gente compra para o vírus criar uma variante nova e mais difícil de tratar. Isso em função do número de pessoas infectadas e da velocidade de infecção, da taxa. Quanto mais rápido o vírus sai de um indivíduo para o outro, maior a pressão evolutiva sobre esse indivíduo. Quando a pessoa, principalmente o jovem, pensa assim: 'Sou novo, dificilmente vou ter um problema, se pegar faço o teste, vou proteger meus avós', ele não entende que, ao fazer isso, está se preocupando exclusivamente com o entorno curto dele. Porque ele pode estar dando, no corpo dele, a chance de o vírus gerar uma variante de mais difícil controle.

De que forma as variantes influenciam na rota das vacinas e como contornar essa situação?
A gente não sabe quais vacinas vão responder melhor para as variantes, até porque ainda não sabemos quais variantes teremos aí pela frente. Há vacinas que, pelo seu desenho, serão mais fáceis de modificar para variantes do que outras. Por isso, precisamos aumentar o portfólio de vacinas que a gente tem. Não só na questão numérica, de se ter mais doses para atender as pessoas, mas quanto à importância de se ter vários tipos de tecnologias vacinais de forma que, se lá na frente, a gente descobrir que uma estratégia é mais eficiente do que outra para lidar com as variantes, a gente não seja pego de calça curta.

Neste sentido, está sendo suficiente o ritmo para garantir a incorporação de diferentes tecnologias?
Essa questão já deveria estar sendo diversificada. A Pfizer, a Moderna e as outras vacinas de RNA, que estão sendo testadas, são exemplos importantes de necessidade de incorporação. Mas, não só elas. Há vacinas baseadas em fago, virus like particles (partícula pseudo viral) e outras séries de tecnologias que estão à disposição. Há 63 vacinas em ensaio clínico no mundo hoje para COVID-19, mas, atualmente, o Brasil não continuou nenhum. Que eu saiba, teremos um estudo que Einstein vai chefiar, com a vacina do laboratório indiano Bharat Biotech, mas há dezenas de outros que poderiam estar ocorrendo aqui. A primeira providência seria contactar todo mundo, o que eu mesmo estou tentando fazer como representante de uma instituição. Na hora de desenhar um plano vacinal contra um inimigo que você não conhece, é preciso, sem dúvida, estar munido de armas diferentes. Fazendo uma comparação bélica, temos duas vacinas com tecnologias incorporadas. É como se tivéssemos uma espingarda e um revólver, mas a gente não tem míssil, não tem torpedo. Então precisamos aumentar nosso portfólio e já estamos atrasados. Mas, até no erro, há oportunidade. Como estamos atrasados, ainda temos números que são atraentes para testar essas novas vacinas, com muitas pessoas suscetíveis, em um terreno de alta transmissibilidade. Então precisamos usar isso a nosso favor.


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