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Estado de Minas REENCONTRO

Mineira de BH foi 1ª mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil

Cineasta Adélia Sampaio visita internato, em Santa Luzia, onde passou a infância


14/08/2022 14:17 - atualizado 14/08/2022 15:30

Diante do quadro da educadora Mariinha Moreira. Adélia Sampaio ( à esquerda) reencontra a amiga Lourdes Santos
Diante do quadro da educadora Mariinha Moreira, Adélia Sampaio ( à esquerda) reencontra a amiga Lourdes Santos (foto: Gustavo Werneck/EM/D.A.Press)
Muitos abraços para matar a saudade, palavras carinhosas em todos os sentidos, algumas lágrimas iluminando rostos sorridentes. Parecia cena de um filme, mas, desta vez, a diretora de cinema Adélia Sampaio estava em um mundo bem real, com personagens que fazem parte da sua vida desde tempos inesquecíveis. Na manhã deste domingo (14), a belo-horizontina de 80 anos, primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, visitou o Instituto São Jerônimo, mantido pela Associação de Proteção à Infância e Assistência Social (Apias) de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Ela é de casa, reencontrou amigas e ficou muito à vontade.

Na década de 1950, Adélia foi uma das internas da instituição fundada há 81 anos por Maria do Carmo Moreira (1898-1989), conhecida como Dona Mariinha e chamada pelas primeiras jovens acolhidas de Mãe Mariinha. “Dona Mariinha me falou, certa vez, que nunca devemos desistir de nossos sonhos, e esse ensinamento moveu minha vida”, contou Adélia que chegou a Santa Luzia na noite de sábado, com um atraso horas. Ao seguir para o aeroporto no Rio de Janeiro, onde mora, o carro em que estava bateu e ela perdeu o voo para Confins. Bem-humorada, brincou sobre o episódio: “Tudo tem emoção ... e o importante é que emoções eu vivi!”
 

Residente na capital fluminense desde a adolescência, Adélia Sampaio veio a Minas a convite da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, que, junto à direção do Instituto São Jerônimo, criou recentemente no casarão da Rua Floriano Peixoto, no Centro Histórico, um espaço cultural e memorial com retratos de algumas das centenas de meninas ali educadas. Há também documentos, móveis, livros e um painel com o retrato de Mariinha Moreira, natural da cidade e considerada benemérita pela grande obra social que dirigiu durante quase cinco décadas.

Recebida pela presidente do instituto, Elizabete de Almeida Teixeira Tófani, e pelo presidente da Associação Cultural Comunitária, Adalberto Andrade Mateus, Adélia disse que a diretora de televisão, Denise Saraceni, está fazendo um documentário sobre sua vida: “Pode ser que uma parte seja gravada aqui. Desta vez, não dava para vir com equipe de filmagem. Vim sozinha”.

Reencontros

Os abraços e beijos começaram no  Centro Cultural e Memorial Mariinha Moreira, onde se destaca um grande quadro da fundadora. A primeira a chegar foi a amiga de longa data, Maria de Lourdes Soares Santos, de 87, acompanhada da família. “Nós estamos sempre nos falando pelo telefone, nunca perdemos o contato. A última vez que nos vimos foi há quatro anos”, explicou Lourdes, ressaltando que há uma colega morando na Espanha. “Somos todas irmãs de criação”, resumiu.

Feliz da vida, acompanhada das filhas, estava Geralda Alves da Rocha, de 78, residente em BH: “É uma alegria muito grande, o coração está batendo forte”. Depois da visita ao memorial, o grupo seguiu para a capela do instituto, onde Adélia recebeu uma placa de boas-vindas e reconhecimento pelo seu trabalho. “A história de Adélia é de superação. Mulher, pobre e negra, venceu muitas barreiras. Dona Mariinha Moreira fundou o São Jerônimo para que as pessoas tivessem formações religiosa, moral e escolar. Foi pioneira, no estado, ao criar a obra social que nunca precisaria de verbas públicas’, destacou a presidente.

No seu agradecimento, Adélia Sampaio contou um pouco da trajetória. Era filha de uma empregada doméstica, e, diante das dificuldades enfrentadas pela mãe, que morava em BH, foi levada aos 5 anos para o São Jerônimo, ficando acolhida até os 13. Pouco antes, diante do portão principal, ela se comoveu, ao recordar que as outras internas recebiam visitas, menos ela, o que a deixava angustiada, embora estivesse muito bem acolhida por dona Mariinha. O motivo é que a patroa da sua mãe, à revelia dela, comprara o enxoval muito caro para a menina ficar no instituto, mas descontava mensalmente a quantia. Quando finalmente se reencontraram, e a menina Adélia quis saber se a mãe ainda gostava dela, teve como resposta que “o dinheiro do salário nunca sobrava para fazer a visita e buscá-la”.

Aos 13, Adélia mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) com a família, indo morar com sua irmã que trabalhava em uma empresa distribuidora de filmes russos. Lá, pela primeira vez, entrou em uma sala de cinema e assistiu ao filme “Ivan, o terrível”, de Serguei Eisenstein. A partir daí, a futura cineasta desempenhou várias funções (continuísta, maquiadora, câmera, montadora e produtora) até estrear como diretora, em 1979, com o curta-metragem “Denúncia vazia”.

Espelho da vida

Em 1984, Adélia Sampaio lançou seu primeiro longa-metragem, “Amor maldito”, escrito por José Louzeiro (1932-2017), com um conteúdo bem transgressor para a época. No centro da trama, está o amor entre duas mulheres, Fernanda, vivida por Monique Lafond, e Sueli (Wilma Dias). O filme é a deixa para Adélia falar sobre o poder da arte na luta contra o preconceito, o racismo e a homofobia. “O filme fala sobre a questão LGBTQIA+, é baseado numa história real. Fico feliz que a juventude, hoje, veja meus filmes, e que eu seja referência. “Há pouco tempo, durante um debate, uma jovem de 17 anos me disse que eu era uma referência para ela”, orgulha-se a cineasta, viúva do jornalista Pedro Porfírio (1943-2018), com quem teve dois filhos.

Entre os trabalhos de Adélia Sampaio, estão seis curta-metragens, documentário “Fugindo do passado”, de 1987, sobre a ditadura militar, e o longa-metragem (2001) “AI-5 – O dia que não existiu”, em parceria com o jornalista Paulo Markun. O último lançamento, de 2018, é “O mundo de dentro”, com a atriz Stella Miranda.

História

São oito décadas de história, centenas de crianças e adolescentes acolhidos ao longo do tempo e mais de 6 mil metros quadrados de área com equipamentos socioeducativos, alguns sob frondosas mangueiras. Embora superlativos, apenas números não conseguem traduzir toda a grandeza do Instituto São Jerônimo, mantido, com a Creche Mariinha Moreira, pela Associação de Proteção à Infância e Assistência Social (Apias) de Santa Luzia.

Os ideais do São Jerônimo, fundado em 20 de julho de 1941, refletem a inspiradora ação de Mariinha Moreira, empenhada em criar uma instituição capaz de abrigar crianças em situação de vulnerabilidade, com respeito e a dignidade humana. Segundo a direção da casa, algumas instituições, nas últimas oito décadas, surgiram na cidade, mas nenhuma alcançou longevidade como o instituto.


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