Prédio do Pitágoras Cidade Jardim pode ser tombado pelo Patrimônio
Conselho debate tombamento da construção que já abrigou o Sacre Coeur de Jesus, na Zona Sul de BH, por onde passaram milhares de alunos desde os anos 1950
Imóvel tem fachadas em estilo que remete ao neoclássico, segundo especialistas, que consideram o conjunto de grande representatividade arquitetônica e paisagística (foto: Fotos: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Reconhecimento para valorizar o patrimônio, destacar décadas de educação e enaltecer a história da capital. Em reunião a ser realizada hoje (3/8), o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH) avalia o possível tombamento do prédio do Colégio Pitágoras Cidade Jardim, localizado na Avenida Prudente de Morais, 1.602, na Região Centro-Sul.
Como se trata de uma reunião para “análise e deliberação do dossiê de tombamento do bem cultural”, conforme a Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte, as autoridades preferem não se manifestar ainda sobre o assunto. Mas, para quem estudou no colégio, o momento é de comemoração antecipada.
“Decisão importantíssima, pois o patrimônio deve ser sempre valorizado. O prédio tem uma arquitetura bonita e guarda muita história”, diz a empresária Josette Condurú Davis, que, na década de 1960, cursou “o ginásio e dois anos do científico”, hoje ensino médio, no Sacre Coeur de Jesus, que funcionava inicialmente no endereço, e o último ano, período de transição, já no Pitágoras. “Nosso uniforme, no ginásio, era saia plissada e gravatinha, depois passou para calça azul e blusa branca. Quando mudamos para o Pitágoras, era da cor ocre, mas pedimos à direção para manter o antigo uniforme. E concordaram”, recorda-se Josette.
No colégio das freiras, onde estudavam apenas meninas, o idioma era francês, e com o tempo, entrou em vigor o português. “Até hoje, temos um grupo de ex-colegas, sempre nos encontramos, ficamos amigas. Para se ter uma ideia das transformações no bairro, a entrada do colégio era pela Rua Iraí. Na Prudente de Morais passava o córrego a céu aberto, tinha mata fechada”, conta a empresária, dona de uma admiração especial pela Capela Mater, em homenagem a Nossa Senhora.
“Quando completei 50 anos, fiz questão de erguer uma capela, com a mesma devoção, na minha fazenda na Serra do Cipó. Era um momento na minha vida que pedia algo também especial”, conta Josette, que tem três filhos e é casada com o empresário Jorge Davis, a quem conheceu no último ano do ensino médio. "Ele ia buscar os irmãos", conta.
A dentista Luciana Parreiras de Freitas França, casada e mãe de um casal, também aplaude o possível tombamento do prédio do colégio, que fechou as portas no ano passado, por “ele fazer parte da história da educação, enriquecer o patrimônio cultural e ser um bem de toda a nossa cidade”.
Luciana estudou por mais de uma década no Pitágoras Cidade Jardim, dos 6 aos 17 anos, quando terminou o ensino médio e entrou na universidade PUC Minas. “A escola sempre nos traz boas lembranças, dos colegas, professores e coordenadores. O Pitágoras tinha uma proposta diferente, era um ensino moderno”, conta.
O empreendedor Rafael Campos Barbosa de Castro, de 23, que mora em prédio ao lado do colégio onde estudou dos 9 aos 16, também defende a preservação. "Passei aqui, portanto, a maior parte da minha adolescência. Vidas escolar e social, futebol com os colegas, festinhas de 15 anos, um tempo bom. Um prédio assim deve ser preservado e abrigar, sempre, algo de bom para a sociedade", disse Rafael.
A empresária Josette Condurú Davis, que acompanhou a transição entre as duas escolas: "Arquitetura bonita, que guarda muita história"
Mais de 70 anos e muita memória
A história da construção começou há 72 anos, conforme documentos da Fundação Municipal de Cultura. A edificação abrigou inicialmente uma unidade do Colégio Sacré Coeur de Jesus de Belo Horizonte, cujo projeto original data de 9 de março de 1950. O prédio foi erguido em parte dos lotes 31, 33, 35 e 37, da ex-Colônia Afonso Pena. As colônias datam dos primórdios de BH e foram incorporadas à zona suburbana e, então, loteadas, nunca tendo servido ao propósito inicial de abastecimento da capital inaugurada em 12 de dezembro de 1897.
Em 1952, a primeira parte da edificação que se estende entre as ruas Iraí e Santa Madalena Sofia já estava concluída. Naquele ano, o prédio começa a ser usado como Colégio Sacré Coeur de Jesus. Quatro anos depois, o projeto ganha um bloco lateral esquerdo e parte do bloco central direcionado para a Avenida Prudente de Morais, com conclusão em1958. No ano seguinte, vem o término da última parte da construção: a capela. As pesquisas mostram que o responsável foi o engenheiro e arquiteto Vicente Buffalo, integrante da primeira turma da Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, criada em 1930.
O Sacré Coeur de Jesus funcionou no lugar até a década de 1970, quando o prédio cedeu lugar ao Colégio Pitágoras Cidade Jardim, pertencente a um grupo estudantil leigo fundado na década anterior. Atualmente, o espaço se encontra em manutenção. Ainda conforme a PBH, “o objetivo é que, depois da finalização das obras e reparos no local, ele seja devolvido de forma definitiva à Congregação da Sociedade do Sagrado Coração de Jesus, para que dê continuidade ao seu uso”.
Quanto à importância do imóvel como patrimônio cultural de BH, os especialistas destacam tratar-se de representante de uma das diversas tipologias de escolas construídas na capital mineira. A edificação se insere no entorno do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Mosteiro Nossa Senhora das Graças. O estilo das fachadas frontais remete ao neoclássico, sendo um exemplar de grande representatividade arquitetônica e paisagística, “bem como fonte de informação para a compreensão das estratégias de organização do espaço, técnicas construtivas e estudos da história da arquitetura”.
Hábitos
Se ganhar a proteção do patrimônio municipal, o prédio não poderá ser demolido, devendo qualquer obra, como ocorre em bens tombados na capital, ser precedida de aprovação do projeto pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município. A preservação da edificação propicia estudos sobre hábitos, valores, modos de ser e viver de uma pluralidade de grupos da sociedade belo-horizontina na metade do século 20, além de ser representativa para a educação patrimonial com subsídios importante para pesquisadores, estudantes, educadores, moradores e turistas.
A edificação é tida como referência de educandários que estão entre os mais tradicionais de BH, tanto enquanto abrigou o Colégio Sacré Coeur de Jesus quanto o Colégio Pitágoras. “A proposta de proteção mantém a materialidade do espaço enquanto suporte de memórias individuais e coletivas, já que a importância das transformações urbanas não é incompatível com a permanência de marcos físicos de memória, sendo um exemplo de ‘lugar de memória’”, segundo as pesquisas para o dossiê de tombamento.
Imóvel tem fachadas em estilo que remete ao neoclássico, segundo especialistas, que consideram o conjunto de grande representatividade arquitetônica e paisagística