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Estado de Minas ELAS, AS ''BONEQUINHAS'' DE BH

Mulher trans vence vulnerabilidade e leva apoio a profissionais do sexo

Assessora parlamentar se dedica à assistência a transexuais e travestis e aponta a escassez de políticas públicas para essa parcela da população


30/03/2022 04:00 - atualizado 01/04/2022 10:34

mulher trans segura preservativos na mão
(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Amanda Quirino Rodrigues Chaves adquiriu o apartamento próprio, que já está quitado, trabalha como assessora parlamentar na Câmara Municipal de Belo Horizonte e, aos 39 anos, está feliz no relacionamento com o namorado. Amandinha, como é conhecida, poderia abandonar a memória do tempo em que trabalhou na prostituição. No entanto, ela retoma essa vivência com orgulho e, mais do que isso, atua para que políticas públicas possam chegar às meninas que estão nas ruas trabalhando como profissionais do sexo.
 
Com cabelos longos até a cintura, Amandinha é uma mulher trans que contraria as estatísticas. Já tem quase quatro décadas de vida, enquanto a expectativa de vida para mulheres trans e travestis é de 35 anos. A vivência permite que ela faça um diagnóstico de abandono de pessoas travestis pelo poder público. “Não há política pública para pessoas vulneráveis. O nosso trabalho na Câmara é muito difícil.”
Diante desse quadro, ela presta todo tipo de assistência às meninas e oferta com regularidade preservativos, procura orientá-las para que denunciem casos de violência, assessora no que pode no processo de mudança no nome social e no cuidado que as travestis devem ter com a saúde. Amandinha faz chegar até as que precisam cesta básica e orienta para que procurem médicos e façam testagens para saber se está tudo bem.

Você é diferente do padrão, você é excluída. Mesmo vindo de uma família de classe média, eu precisei disso

Amanda Quirino Rodrigues Chaves, assessora parlamentar


 
Com todo esse trabalho, ela não perde a simpatia e aparenta ser mais jovem do que a idade que tem. “Era para eu estar mais acabada. Eu vim da prostituição. Posso falar que a prostituição foi uma mãe para mim, não posso negar que ela me alimentou até certo ponto da minha vida”, conta. Amandinha reconhece que o trabalho atual, com certa estabilidade, e atuação como ativista permitem a ela um descanso do corpo. “Nem todas as minhas amigas têm esse privilégio. Para mim que sou uma mulher preta, travesti, periférica... É um presente de Deus.”


 
Amandinha é assessora da vereadora Duda Salabert (PDT), uma mulher trans que foi a mais bem votada da história do Legislativo da capital. As duas se conheceram no Transvest, um curso pré-vestibular para pessoas trans: Amandinha era aluna e Duda professora.
 
Muitas pessoas acreditam que quem trabalha na prostituição tem uma vida desregrada, mas Amandinha é a prova de que não é bem assim. Ela sempre procurou levar a vida de maneira criteriosa. “Aprendi muito com minha mãe: você saber levar a vida. Por mais que eu me prostituísse, eu tinha um horário na rua. Gosto muito de dormir, sou muito dorminhoca. Então, trabalhava cedo para dormir cedo.”
 
No entanto, ela reconhece que, em alguns casos, para se manter na rua a noite inteira, quase 12 horas trabalhando, as meninas fazem uso de drogas e bebidas. “Recentemente, perdi três amigas. Fico pensando (no que aconteceria) se eu não tivesse ouvido minha mãe. É muito desgastante. A gente troca o dia pela noite. A gente não tem vida.”
 
Amandinha abriu mão de realizar cirurgias plásticas para guardar dinheiro para comprar o apartamento. “Pensei na qualidade de vida. Vou me sacrificar para ter a minha casa própria. Prefiro envelhecer numa casa minha do que ficar morrendo para pagar aluguel. Em determinado tempo da minha vida não estarei mais jovem.” Amandinha foi atleta e, por muito tempo, conciliou a prática do vôlei e a prostituição.
 
A decisão de guardar dinheiro para comprar a casa própria se baseou na constatação de que com o passar dos anos as profissionais, ao envelhecer, não conseguem a mesma remuneração de quando eram novas. Os homens que buscam as travestis nas ruas procuram por juventude. “A experiência conta, mas a juventude enche os olhos”, pontua. Amandinha destaca que outro fator que pesa para redução dos ganhos é que elas passam a fazer um número cada vez menor de programas, porque vão se cansando ao longo dos anos.
 
A assessora parlamentar comprou o apartamento pelo programa Minha casa, minha vida. “Comprei graças ao tio Lula. Vai completar 15 anos que eu comprei. Eu tinha 24 anos.” Ela foi aconselhada pela mãe a investir no imóvel em vez de adquirir um carro. A mãe, Carmelita, de 97, lembrou que depois que ela morresse a filha poderia ficar desamparada e até mesmo sem lugar onde morar. “Enquanto eu estiver viva você terá uma casa para morar. Mas quando eu morrer, você vai morar dentro do carro?”
 
Amandinha ficou tentada a comprar o automóvel. “O luxo das travestis era andar de carro. Com aquela luzinha na frente acesa dirigindo para os boys verem você, para atrair homem.” Amandinha foi adotada pela mãe, porque a família biológica não tinha condições de cuidar dela.
 
Ela começou na prostituição por necessidade, decorrente da dificuldade de empregabilidade. “Você é diferente do padrão, você é excluída. Mesmo vindo de uma família de classe média, eu precisei disso. Sempre coloquei na minha cabeça que quem tinha dinheiro eram os meus pais.”
 
Nos anos 1990, havia muito preconceito contra as travestis. “Por mais que elas sejam expulsas de casas, por mais que não possam ter suas identidades, procurem outras cidades para se prostituir, vejo muitas amigas minhas mandando dinheiro para os pais para que eles possam construir uma casa melhor, para que tenham uma qualidade de vida melhor.”

Apoio para registro civil

O tornar-se mulher no caso das travestis, muitas vezes envolve alterações no corpo e mudança no nome social. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) oferece todo apoio para as pessoas transgêneras nesse processo. O passo a passo para mudança de nome pode ser consultado na cartilha “Eu existo -– Alteração do registro civil de pessoas transexuais e travestis”, disponível para download e consulta no site da Antra (antrabrasil.org).
 
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 1º de março de 2018, que é possível a alteração de registro civil por travestis e transexuais sem que seja necessária a realização de procedimento cirúrgico. A alteração de nome, gênero ou ambos pode ser solicitada em um cartório de registro civil. É um passo enorme para garantir a cidadania a travestis e transexuais.
 
Nesse processo de busca por cidadania, outro serviço essencial que deve ser oferecido é o acompanhamento médico multidisciplinar. Em Belo Horizonte, o Ambulatório de Saúde Integral da População de Travestis e Transexuais, mais conhecido como Ambulatório Trans Anyky Lima, realizou mais de 2 mil consultas e atendeu 500 pessoas desde a inauguração em 2017.
 
O início do serviço é um marco na garantia do acesso da população de transexuais e travestis aos serviços de saúde. O programa realizou consultas nas áreas de psiquiatria, endocrinologia, clínica médica, enfermagem, psicologia e serviço social, ginecologia, dermatologia, urologia, proctologia e cirurgia geral.

Mudança do nome social

 

O que pode ser alterado


•  O nome •  Os agnomes indicativos de gênero (ex: filho, júnior, neto)
•  O gênero em certidões de nascimento  •  O gênero em certidões de casamento,  desde que haja autorização do cônjuge

Como fazer o pedido


A alteração de registro civil será feita com base na autonomia da pessoa que deseja fazer o procedimento. O pedido pode ser realizado em qualquer cartório de registro civil de nascimento em todo o território nacional, que deverá enca- minhar o procedimento ao cartório que registrou o nascimento. Ou ainda diretamente no cartório de registro de nascimento.

Ambulatório Trans Anyky Lima


Os atendimentos são feitos todas as quintas-feiras, das 7h30 às 13h, por consultas agendadas pelo fone (31) 3328-5055. O Hospital Eduardo de Menezes fica na Rua Doutor Cristiano Rezende, 2.213, Bairro Bonsucesso, em Belo Horizonte



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