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Estado de Minas DESCASO E DESALENTO

Água ainda toma conta de casas e moradores enterram vítimas em Mário Campos

Idosa foi enterrada neste fim de semana após complicações causadas por uma pneumonia


13/02/2022 14:29 - atualizado 13/02/2022 15:10

Lágrimas escorrem pelo rosto de Érica Soares que chora a perda da mãe
Érica Soares dos Reis Garrido enterrou a mãe, vítima de pneumonia, um dia antes do aniversário (foto: Edésio Ferreira/EM/DA PRESS)
A dona de casa Érica Garrido completou 37 anos neste domingo (13/2), mas as lágrimas tomavam o rosto, transformando em tristeza o semblante de quem precisa receber, neste momento, muito mais que parabéns. Ela precisa de apoio e força para continuar. O dia, que deveria ser de alegria e comemoração, foi de consternação, pois ela teve que lidar com a maior das dores: enterrou a mãe um dia antes do próprio aniversário. Depois das chuvas fortes que atingiram a cidade de Mário Campos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há um mês, Érica tenta se reerguer, mas a tarefa não é fácil diante de tantas perdas materiais e afetivas.
 
A exemplo dela, outros moradores do Bairro Campos Verdes não sabem mais o que fazer para retomar a vida. Em algumas casas a água misturada à lama ainda chega quase ao teto, mesmo tendo se passado um mês das chuvas do dia 9 de janeiro, que elevaram o nível do Rio Paraopeba, que transbordou. Móveis, documentos e fotos se perderam em meio ao barro. Eles tentam limpar casas e terrenos, mas a força da enchente foi tamanha que, por conta própria, não conseguem escoar a água que alaga toda área e retirar tanta sujeira. Alguns moradores sequer conseguiram entrar em casa para contabilizar o prejuízo.
 
No período em que a chuva castigou a região, a mãe de Érica adoeceu com pneumonia, o quadro se agravou e ela faleceu na sexta-feira (11/2). "Ontem enterramos ela, um dia antes do meu aniversário", diz sem ainda acreditar. A dona de casa considera que a morte pode ser resultado do descaso em que o bairro foi deixado depois das chuvas, com água e lama por todo o lado, porta de entrada para doenças infecciosas, como a pneumonia.

O drama trazido pela cheia do Rio Paraopeba pode parecer um filme de tragédia. Mas as marcas não deixam dúvida o quão real foram as cenas vivenciadas por eles. Quem chega à cidade pode ter uma ideia do drama ao ver a ponte de cabo de aços do Rio Paraobepa completamente engolida pela força do rio. Sem a ponte, na MG-040, a ligação entre Mário Campos e Joaquim de Bicas ficou prejudicada. Por essa razão, o 9 de janeiro não sai da memória dos moradores.
 


"Já vinham muitos dias de chuva, a água começou a subir numa quinta-feira, dia 8 de janeiro, começamos a fazer o monitoramento e percebemos que estava subindo muito rápido o nível da água". Dois dias depois da constatação da cheia do Paraopeba, os moradores tiveram que deixar as próprias casas às pressas. "Foi uma força-tarefa, um ajudando o outro. Saímos no sábado, 9 de janeiro. Na madrugada, a água invadiu nossas casas", recorda-se Érica.
 
Astramiro Leandro veste blusa azul enquanto fica na janela e ao fundo prejuízos da chuva
Astramiro Leandro dos Reis enterrou a mulher vítima de pneumonia (foto: Edésio Ferreira/EM/DA PRESS)
 
Érica e a família foram acolhidas na casa de amiga. Eu, meus pais, meus filhos e meu esposo. Ficamos lá na expectativa de a água baixar". A mãe de Érica não resistiu à pneumonia que contraiu, apesar de ter ficado internada por três dias para tratar a infecção. Elizabeth foi sepultada no sábado (12/2). "O problema é por causa da água. Nós temos problema de coração, fomos mexer na água. Eu estou com pneumonia e ela começou com pneumonia. Ela não aguentou", disse.
 
O autônomo Astramiro Leandro dos Reis, de 67 anos, morava com a esposa Elizabeth Soares Gonçalves dos Reis, de 60, mas agora o que viveram ali são apenas lembranças. No dia da enchente que tomou conta das casas do bairro, o casal estava em casa e teve que sair às pressas. 
 
A água também atingiu a casa da filha dele, que mora com o marido e duas netas. Quando a água ainda estava tomada pela água, eles foram abrigados por amigos que moram em parte alta, onde a enchente não chegou.
 
Antonio de blusa vermelha e calça azul de frente para casa que ainda está tomada pela água
Antonio Wilson, mulher, nora e filho, pessoas com deficiência, tiveram que deixar a casa que um mês depois da cheia do Rio Paraopeba segue alagada (foto: Edésio Ferreira/EM/DA PRESS)
 
A água ainda alaga boa parte da casa e do quintal de Antônio Wilson Dinis, de 55 anos, nascido e criado na cidade de Mário campos. "Foi uma tragédia. Desde o dia 10, não durmo, porque essa água subiu muito rápido, de um dia pro outro. Tirei meus cachorros a nado. Meus móveis que são antigos, história do meu pai, ficaram tudo dentro de casa, perdi tudo, foto da minha mãe, documentação. Molhou tudo."
 
Na casa, moravam ele, a mulher, o filho e a nora, ambos pessoas com deficiência, e duas netas. No perído crítico, a família se abrigou em uma loja de um amigo no Bairro Citrolândia, em Betim. Depois de um mês, ele volta ao local e quase nada mudou na paisagem: o nível da água ainda é alto no terreno e dentro de casa.
 
A tristeza dos moradores aumenta quando olham para as casas destruídas e com as marcas da força da água sem sequer receberem uma sinalização de quando a prefeitura fará a drenagem da água e a retirada do barro das casas. "Minha família é muito grande em Mário Campos, mas não tiveram aquela consideração com a gente", diz Antônio. 
 
Ele não se sentiu amparado por equipes que foram lá. "Funcionário da prefeitura que dizia que não iria entrar na água para ajudar. Eu tive que entrar na lama", diz ele que trata um problema de saúde, uma hérnia no estômago. "O falecimento da nossa vizinha, uma pessoa tão querida, doeu. Está doendo. É muito sofrimento. Tivemos pouca ajuda. É um descaso", se queixa.
 
Ele conta que teve que comprar uma bomba com os próprios recursos. "Peguei dinheiro emprestado com minha nora, que é especial, com meu filho, que é aposentado, para comprar a bomba". Ele tenta retirar a água que ainda ocupa o andar de baixo da casa e boa parte do terreno. "Pedi à prefeitura um caminhão, mas não veio. Não me ajudaram, não", alega. Antônio lembra que a Defesa Civil foi até o local para fazer uma vistória, mas, até o momento, não recebeu o laudo."
 
Renata usa blusa preta e calça jeans e está em frente a casa tomada pela água
Renata Paula de Oliveira não consegue chegar em casa devido ao alagamento (foto: Edésio Ferreira/EM/DA PRESS)
 
Não é possível ir até a casa de Renata Paula de Oliveira, de 44 anos, pois o nível da água ainda é alta no portão que dá acesso à residência. Ela morava no local com os pais, que tiveram de sair do local em decorrência do alagamento. "Não tem como ficar aqui. Meu pai e minha mãe foram para a casa dos meus tios, no interior. Minha mãe é muito nervosa, ela é hipertensa e tem depressão. Já faz um mês que deu a enxente e até agora nada. Não consegui arrancar essa água. Não consegui limpar a casa. Minha mãe volta amanhã e nem sei o que vou falar, porque ela vai ficar desesperada em ver a casa dela como está".
 
Renata contratou um profissional para abrir regos no terreno para tentar escoar a água, mas o trabalho foi em vão. "Infelizmente a água não está indo. Aqui na frente os vizinhos estão com o terreno com a água de barro. Então a água não vai sair enquanto não abrirem buracos para a água sair", diz. Segundo ela, a prefeitura fez uma vala no fundo do lote para ver se escoava, um pouco da água escoou, mas o terreno ainda está alagado. "Não tem nem como entrar para limpar a casa."
 
Na sexta-feira (11/2), a Defesa Civil de Mário Campos emitiu alerta as fortes chuvas, informando também que o nível do rio subiu e estavam monitorando. "É importante que a população fique atenta às situações de risco".  A reportagem entrou em contato com prefeitura, no entanto, ela estava fechada neste domingo.

Nove de janeiro: a data da tragédia

Casas com água quase até o teto
Um mês depois da cheia do Rio Paraopeba que alagou vários pontos em Mario Campos, a cidade ainda tem casas com água quase até o teto (foto: Edésio Ferreira/EM/DA PRESS)

 

No dia 9 de janeiro, o Rio Paraopeba transbordou e alagou diversas regiões da cidade. A água quase ultrapassou a trave do gol do Campo de Futebol Arthur Ferreira Campos e vestiários ficaram tomados. A ligação entre Mário Campos e Betim foi interrompida devido à enchente. Moradores tiveram que ser retirados às pressas de casas tomadas pela água.
 
Mário Campos foi uma das 138 cidades atingidas por temporais na primeira quinzena de janeiro. Os estragos foram tão grandes que essas cidades decretaram situação de emergência segundo a Defesa Civil estadual. Casas submersas, pessoas resgatadas em locais alagados, casas invadidas pela enchente foram cenas desoladoras que mostraram a força das chuvas no estado. 


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