
Mestre Zanza participava das Festas de Agosto de Montes Claros desde os 5 anos de idade. Ele tornou-se o principal líder dos catopês (semelhantes aos integrantes de congados de outras cidades mineiras) das Festas de Agosto, manifestação religiosa e cultural criada pelos escravos.
"As festas surgiram como um ato de resistência dos negros no período da escravidão", afirma o antropólogo Joao Batista Almeida Costa, do curso de mestrado em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Ele lembra que o primeiro registro oficial das festas é datado de 1839.
Mestre Zanza levava uma vida simples. Era pintor de parede aposentado. Nas últimas décadas, dedicou sua vida à associação, inclusive, residindo na sede da entidade, onde o corpo dele será velado.
Durante os festejos, assim como outros mestres dos grupos de catopês, marujos e caboclinhos, Zanza era tratado como ídolo. Chefe do Terno de Catopê de Nossa Senhora do Rosário, com suas roupas coloridas e "capacete" enfeitados com penas de pavão, fitas coloridas, espelhos e miçangas, sempre muito carismático e atencioso, era cortejado pelos visitantes e parado para tirar fotos.
Também foi personagem de estudos acadêmicos e documentários produzidos por estudantes, professores e pesquisadores do folclore.
Imortalizado
O líder das manifestações folclóricas de Montes Claros foi imortalizado na música "Montesclareou", de autoria do cantor e compositor Tino Gomes, em parceria com o compositor Georgino Junior (autor da letra, já falecido). A letra fala das Festas de Agosto e dos seus protagonistas.
Nesta segunda-feira, Tino Gomes (que nasceu em Montes Claros e mora em Belo Horizonte), gravou um vídeo em homenagem ao mestre das festas centenárias.
O cantor e compositor ressalta que a morte do mestre dos dançantes do folclore de Montes Claros provoca muita tristeza, representando uma grande perda para as manifestações populares.
"Mas temos que aprender com o legado do Mestre Zanza e seguir em frente em defesa da nossa cultura e tradições", afirma Tino Gomes.
Homenagem da prefeitura
Na tarde desta segunda-feira, a Prefeitura de Montes Claros publicou um texto em sua página oficial na internet, prestando homenagem ao Mestre Zanza. “Montes Claros perdeu, hoje, parte de sua história”, diz a publicação. O texto é acompanhado de uma galeria de fotos de Zanza.
“Falar de Mestre Zanza é falar de Montes Claros, dos catopês, da nossa cultura e das nossas tradições. É falar das Festas de Agosto, sendo que, nos últimos dois anos, Mestre Zanza não desfilou. Não porque estivesse idoso demais, porque isso nunca o atrapalhou e jamais o impediria, mas por causa desse vírus maldito, que interrompeu a mais antiga manifestação popular da cidade”, registra a prefeitura.
“Pensando bem, é errado dizer que Montes Claros perdeu parte de sua história. Isso porque Mestre Zanza nunca vai desaparecer, e sempre estará presente quando se falar ou se cantar a nossa cultura. Com certeza, as Festas de Agosto de 2022 serão diferentes de todas as que já tivemos. Mas o Mestre Zanza ainda estará lá, conduzindo a multidão”, diz a homenagem.
Sucessão
Mestre Zanza herdou a devoção à Nossa Senhora do Rosário e às Festas de Agosto dos seus pais e avós. Ele teve nove filhos. Um deles, conhecido como "contra-mestre" Júnior Zanza, vai suceder o pai na chefia do Terno de Nossa Senhora do Rosário e no comando da Associação dos Catopês, Marujos e Caboclinhos. Assim, manterá o papel de destaque da família nas centenárias Festas de Agosto.
SECRETARIA MUNICIPAL
"É com imenso pesar que a Secretaria Municipal de Cultura comunica o falecimento de João Pimenta dos Santos, Mestre Zanza.
Cumprindo os rituais de tradição e fé de sua família, Mestre Zanza se fez grande ao se dedicar a estes legados, e conduzir o 1º Grupo de Catopês de Nossa Senhora do Rosário por mais de 70 anos. Nesta caminhada nos fez amar as fitas e os tambores, fortaleceu as Festas de Agosto, levantando as bandeiras que se transformaram nas maiores manifestações de cultura popular da cidade e na própria identidade de Montes Claros.
Em sua simplicidade foi um grande líder, reverenciado por todos que conhecem a sua história e que tem alma montesclarense.
Neste momento de despedida, a Cultura de Montes Claros abraça o seu legado e aplaude o seu exemplo, desejosa de ver seus passos serem repetidos por tantos seguidores. Deixa também externado um tributo de gratidão a ele que foi Mestre dos Mestres.
Salve Zanza!
Que os tambores sigam cantando seu nome."
