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Estado de Minas DESASTRE DE BRUMADINHO

Desastre de Brumadinho: mil dias de dor, saudade e espera

Famílias das vítimas depositam nos bombeiros a esperança de que todos os corpos sejam encontrados. Faltam oito e as buscas continuam


22/10/2021 06:00 - atualizado 22/10/2021 07:51

Natália, Josiana e Geraldo Resende na estação de buscas onde bombeiros vistoriam rejeitos
Natália, Josiana e Geraldo Resende na estação de buscas onde bombeiros vistoriam rejeitos na tentativa de encontrar segmentos de corpos para identificação (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Sofrimento e saudade fazem morada nos corações de familiares de vítimas do rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Conhecidas como "joias", 270 pessoas morreram com a avalanche de rejeitos que desceu às 12h28 de 25 de janeiro de 2019. Mil dias depois, completados ontem, os bombeiros continuam em busca de oito pessoas que ainda não foram encontradas. Enquanto isso, as famílias permanecem na luta para que a operação não termine. No milésimo dia da tragédia, elas compartilham um sentimento de gratidão aos militares que entendem a responsabilidade do lema “Desistir não é uma opção”.

O trabalho de bombeiros que continuam em Brumadinho tem tido resultado, mesmo após 2 anos e 9 meses de operação. Em agosto, o corpo de Juliana Creizimar de Resende Silva foi encontrado. Ela era analista operacional da Vale e deixou filhos gêmeos órfãos de pai e mãe, já que o rompimento da barragem também tirou a vida do marido de Juliana, Dennis Augusto. A família da Ju é emblemática na luta incansável por justiça e para que todas as outras vítimas sejam encontradas.

“Depois desse crime, fiquei arrasado e estou até hoje. Mesmo que tenham encontrado ela (a Juliana), não é a mesma coisa de antes. O sofrimento é muito, a saudade é muita”, diz Geraldo Andrade, pai da Ju, a 261ª joia identificada. “Depois que encontram a Juliana, pensei que a vida ia ganhar um rumo, mas há um vazio tão grande no meu coração! A gente fica feliz pelo encontro, mas a tristeza fica lateral, não sai da cabeça. Uma parte mudou totalmente, é bom saber que ela não está mais aqui na lama. Agora, a outra parte que ficou é a saudade, o vazio. Não tenho gosto na minha vida mais. Venho e dou um sorriso, mas o sentimento não sai da tragédia. Isso acabou com a minha vida”, lamenta, emocionado.

"Não existe desaparecido. Eles estão aqui, só não foram encontrados (...). Mas enquanto os bombeiros estão aqui, há esperança"

Natália de Oliveira, irmã de Lecilda, uma das oito vítimas ainda não localizadas



Seu Geraldo, como é conhecido pelos bombeiros que estão em Brumadinho, se tornou um grande aliado dos militares. “A gente ficou sendo amigo. Hoje eu os considero anjos amigos”, conta. Mesmo depois de ter podido sepultar sua filha, ele não deixa a Comissão dos Não Encontrados e continua visitando a zona de buscas semanalmente ao lado da outra filha, Josiana, e da colega Natália Oliveira. “Agora, faz mil dias da tragédia e a gente tem que agradecer aos bombeiros e ao governador, porque, se não fosse por eles, o trabalho já teria acabado. Se não fossem os bombeiros, a gente não teria conseguido nada até hoje.”

Fechar o ciclo

Josiana Rezende, irmã da Juliana, sente que o tempo não passou. “Depois de terem encontrado a Ju é como se tirassem um peso do coração, mas o vazio não passa. O coração que estava inteiro quebra um pedacinho quando a gente perde alguém. O fato de ter o enterro que a gente fala que é digno – mas nessa história toda não tem dignidade –, agora, no Dia de Finados, tenho onde levar flor pra ela, isso alivia um pouco o coração e é por isso que eu e o meu pai não deixamos de fazer parte dessa comissão. É para ajudar que as famílias tenham o mesmo alívio no coração de sepultar, fechar esse ciclo e iniciar o luto”, disse ao Estado de Minas .

Josiana conta que a Comissão tem consciência de que o ente querido não está vivo, mas às vezes se torna menos doloroso pensar que a pessoa está viajando. “Por um longo tempo, preferi pensar assim. E, de certa forma, às vezes, prefiro continuar pensando assim. Hoje a rotina do meu pai mudou, ele não deixa de vir aqui, mas ele e a minha mãe vão ao cemitério todos os dias. É uma coisa muito confusa”, acrescentou.

"É tanto tempo de convivência e estreitamento de laços que eles (os bombeiros) são como uma família"

Josiana Rezende, irmã de Juliana Creizimar de Resende Silva, cujo corpo foi encontrado em agosto



No meio desta confusão, o relacionamento com os bombeiros conforta, de certa forma, já que Juliana só foi encontrada graças ao empenho dos militares. “À medida que o tempo vai passando, a relação vai se estreitando. Os bombeiros sempre tiveram muita gentileza conosco. Eles têm empatia em estar juntos com a gente, de dar uma palavra de conforto, ouvir os nossos anseios. Nosso sentimento é de imensa gratidão. Nada do que a gente fizer vai pagar”, agradece. “Sabemos que eles fazem por missão, que é o trabalho deles. Mas pra gente já passou de trabalho, é tanto tempo de convivência e estreitamento de laços que eles são como uma família.”

Esperança

Os integrantes da Comissão estão seguros de que não vão descansar enquanto as oito joias faltantes não forem encontradas. É com essa garra que Natália de Oliveira motiva os militares. “Sou capaz de lembrar nitidamente das primeiras mensagens que chegaram no celular quando a gente ficou sabendo pelo grupo do WhatsApp que a barragem tinha se rompido. Fiquei sabendo às 12h35”, relembra a irmã de Lecilda, que está entre as vítimas ainda soterradas em meio aos rejeitos de minério. “Minha irmã ainda não foi encontrada, então nosso coração está fora do compasso, não bate no ritmo normal mais. A gente fica o tempo todo esperando a notícia do encontro.”

Natália explica que não gosta quando falam em “desaparecidos”. “Não existe desaparecido. Eles estão aqui, só não foram encontrados porque o rejeito onde eles estão ainda não foi revirado”. De acordo com os bombeiros, 4 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos já foram vistoriados. Como são 10,5 milhões de m3 o total de lama derramada com o rompimento da barragem, ainda faltam 6,5 milhões a serem revirados. “É a maior operação de busca da história. Quando o seu Geraldo fala que a gente considera um milagre o encontro da Juliana, encontrada no 942º dia de operação, é verdade. Muita gente pensava que não iam encontrar mais, mas não perdemos a fé. Não sabemos que dia a operação vai acabar, mas enquanto os bombeiros estão aqui, há esperança”, afirma.
A identificação mais recente ocorreu em 6 de outubro. Tratava-se de Angelita Cristiane Freitas de Assis, técnica de enfermagem que atuava na área de medicina do trabalho na Vale. A família dela não se sentiu confortável em dar entrevista, mas, por telefone, o viúvo da joia demonstrou agradecimento pela dedicação dos bombeiros. “Ninguém merece ficar aqui na lama, essa operação existe por isso. Os bombeiros, para a gente, não são heróis só. Eles são amigos. São pessoas da nossa convivência diária. A gente conhece todo mundo, eles conhecem nossa história”, acrescentou Natália, que representa tantas outras famílias. “A gente só tem que agradecer aos bombeiros. Estamos fazendo história e espero que o mundo inteiro entenda para que isso nunca mais se repita e nunca mais ninguém passe por isso.”

Estratégia pode acelerar trabalhos em até dois anos

Maquinário utilizado na separação dos rejeitos na oitava fase das buscas por corpos do desastre de Brumadinho
Maquinário utilizado na separação dos rejeitos na nova fase de buscas, a oitava (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Brumadinho – Desistir não é uma opção. A Operação Brumadinho completou, ontem, mil dias desde o início dos trabalhos de buscas por vítimas que foram soterradas pela avalanche de lama que se desprendeu da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, de propriedade da Vale, em 25 de janeiro de 2019. Na manhã de ontem, o Corpo de Bombeiros concedeu entrevista coletiva na Base Bravo, local onde os militares se reúnem em Brumadinho, para detalhar a nova estratégia de buscas, divulgada pelo Estado de Minas na segunda-feira. Essa nova fase pode diminuir em dois anos o tempo de buscas – antes, a previsão era de que elas poderiam levar mais quatro anos até chegar ao fim. Dos 270 mortos no desastre, oito ainda não foram encontrados.

“Tudo vai depender do funcionamento dos trabalhos com as estações de busca”, disse o coronel Erlon Dias Machado, chefe do estado-maior do Corpo de Bombeiros. “Com essa nova proposta, é apenas uma estimativa que (o tempo de buscas) se reduza em dois anos. Mas depende de como cada estação vai funcionar.”

O processo consiste na utilização de cinco estações de busca na área onde funcionava o Terminal de Carga Ferroviário (TCF) da mineradora. Essas estações abrigam um maquinário capaz de melhorar a observação do rejeito revirado, pois já é utilizada para "peneirar" o minério e foi adaptada especificamente para a Operação Brumadinho.

Esse novo método é baseado na segregação granulométrica. Um maquinário recebe o rejeito que ainda não foi vistoriado e o separa para vistoria de acordo com a gramatura. Dentro da cabine, dois bombeiros observam atentos tudo que passa pela esteira e, em caso de visualizar algum objeto que possa ser segmento de corpo, o operador interrompe a máquina, o material é recolhido e enviado para análise do Instituto Médico-Legal (IML).

O major Ivan Neto explicou que, no método anterior, os bombeiros conseguiam observar 25 metros cúbicos (m3) por hora. Nesta nova tática, são revirados 120m³ de rejeito por hora, o que significa um aumento de 380% de efetividade. "Dessa forma a gente consegue diminuir a longevidade da operação e, por consequência, o sofrimento das famílias", afirmou.

Serão cinco estações. Uma já está em funcionamento, a segunda está prevista para entrar na ativa no mês que vem. Outras três devem ter início a partir de janeiro. "Amanhã completa um mês de funcionamento da primeira estação e 10 segmentos foram encontrados. A gente ficou muito satisfeito com esse resultado, estamos otimistas", comentou o major. “O que nos motiva hoje é a esperança de trazer alento aos familiares”, concluiu.

Coronel Erlon Dias Machado, do Corpo de Bombeiros
O coronel Erlon Dias Machado diante de painel que marca os mil dias da Operação Brumadinho (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Na data marcante, representantes dos atingidos prestaram homenagem ao Corpo de Bombeiros com a entrega de flores.   O coronel Erlon Dias Machado destacou a intensidade dos mil dias desde o início das buscas. "O marco temporal de hoje é importante, pois essa é a maior operação de buscas da história", afirmou.

Com a chegada do período chuvoso, o trabalho não deve ser paralisado. Isso porque as estações de busca conseguem manter sua rotina mesmo com o clima úmido. Além disso, os bombeiros devem utilizar lonas para proteger o solo. “Hoje não serão mais utilizadas grandes tendas, e sim o lonamento para guardar montantes de rejeitos que serão transportados até as estações de trabalho”, acrescentou.

As fases da operação

Relembre as estratégias de busca que foram utilizadas até o momento em Brumadinho

1ª FASE
As primeiras equipes que chegaram ao local fizeram buscas ininterruptamente com emprego de todos os recursos operacionais na área do rejeito, devido às chances de localizar sobreviventes. Foi necessário intenso controle e manejo do grande número de corpos encontrados, além de grande empenho de equipes especializadas, aeronaves e cães. Foi implementado o Sistema de Comando de Operações (SCO).

2ª FASE
A estratégia 2 foi implementada no quarto dia após o rompimento da barragem, priorizando buscas de corpos e segmentos na superfície do terreno. Foram construídos e recompostos acessos às áreas atingidas e demolidas estruturas colapsadas pela lama de rejeitos. Houve também a integração de 55 órgãos públicos municipais, estaduais e federais com o objetivo de fornecer melhor resposta ao desastre.

3ª FASE
Findadas as buscas superficiais na mancha de rejeitos e áreas adjacentes, a estratégia três foi implementada no 41º dia de operação. Foram iniciadas buscas de corpos e segmentos soterrados pela lama, necessitando-se do emprego de maquinários pesados para a escavação das áreas secas.

4ª FASE
A quarta estratégia adotou como parâmetro o cruzamento de dados, que definiu as áreas de maior interesse, potencializando a utilização de maquinários pesados para a realização de escavações pontuais e profundas. Em determinadas áreas, as escavações foram realizadas até a cota zero, ou seja, todo o rejeito do local foi vistoriado até evidenciar o solo natural.

5ª FASE
A quinta estratégia foi implementada diante da constatação de que cerca de 92% dos corpos e segmentos localizados durante as buscas haviam sido encontrados a uma profundidade de até três metros. Dessa forma, definiu-se como critério a realização de buscas em extensão, por meio de escavações na camada inicial, em até três metros de profundidade. Devido às chuvas, também foi feita a montagem de tenda e enrolamento do rejeito.

6ª FASE
Devido à pandemia de COVID-19, no início do ano de 2020, as buscas foram interrompidas entre 21 de março e 26 de agosto. Para não prejudicar o andamento dos trabalhos, foi feita otimização dos Sistemas de Informações Geográficas e aumentado o controle dos rejeitos nos Depósitos Temporários de Rejeito (DTR), com uso de tecnologias que permitiram a quantificação do volume de material vistoriado ou pendente de vistoria.

7ª FASE
Marcada pelo enfrentamento ao período chuvoso, no qual foram instaladas tendas gigantes para garantir a existência de material seco a ser vistoriado nos intervalos de estiagem, enquanto obras de drenagem nas frentes de trabalho eram feitas simultaneamente.  Parte do rejeito, mantido coberto por lonas em pátios levemente inclinados, é vistoriado sem a interferência das chuvas. Houve nova parada, devido à pandemia, entre março e maio deste ano.

8ª FASE
A última fase implementada consiste na utilização de quatro estações de busca na área denominada TCF, onde funcionava o Terminal de Carga Ferroviário da mineradora.


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