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Estado de Minas INSUBSTITUÍVEIS

COVID-19: 6 testemunhos de vida em homenagem a 600 mil perdas

Nas palavras de pais, mães e filhos, exemplos de dedicação de profissionais que tombaram na pandemia - um tributo às saudades deixadas por milhares de vítimas


10/10/2021 06:00 - atualizado 10/10/2021 12:06

O médico com a mulher e a filha mais nova, Alice
O médico Wellington Pacífico Campos de Lima com a mulher e a filha mais nova, Alice: humanismo e muita sensibilidade (foto: Arquivo pessoal/Divulgação)
São 600 mil retratos, multiplicados por centenas de familiares, divididos pelo imenso Brasil e somados à grande dor da perda. Na moldura de tempos angustiantes, o país atinge a marca dramática de 600 mil mortos pela COVID-19, número que traz, em cada algarismo, o sofrimento de pais, filhos, irmãos, parentes e amigos. Até ontem, 600.829 pessoas perderam a vida no país. Ainda buscando respostas para a partida repentina dos entes queridos desde 2020, homens, mulheres e crianças encontram cada qual seu jeito particular de encarar presente e futuro. Como traço de união entre eles, a saudade.

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus, em 11 de março de 2020, os lares brasileiros foram invadidos não só pelo medo como pelas incertezas, já que a primeira vacina contra o novo coronavírus só foi aplicada há pouco mais de oito meses, em São Paulo. Para os profissionais de saúde, os primeiros meses foram aterrorizantes, e muitos deles – médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas –, na luta diária, perderam a guerra para a doença que lotou as unidades de tratamento intensivo, levou ao isolamento social e provocou mudanças que, tudo indica, vieram para ficar.

Nesta reportagem especial em homenagem aos profissionais de saúde e a suas famílias, o Estado de Minas apresenta seis histórias, seis retratos que representam o universo de 600 mil vidas perdidas. Em cada coração, as boas lembranças de pessoas que deram a vida em um combate que é de toda a humanidade e a certeza de que, se a luta começa a ser vencida, eles deixaram seus nomes para sempre escritos na história dessa batalha.

“Trabalhava na linha de frente, atendendo pacientes em casa”

Wellington Pacífico Campos de Lima, 51 anos, clínico geral e psiquiatra

Um profissional dedicado, que sempre atendia a todos com sensibilidade e espírito humano. Assim era considerado o médico Wellington Pacífico Campos de Lima, que morava em Janaúba, no Norte de Minas, um dos trabalhadores da saúde que tombaram na luta contra a COVID-19.

Doutor Wellington morreu aos 51 anos, em 21 de junho deste ano, depois de permanecer internado durante 13 dias no Hospital das Clínicas Mário Ribeiro, em Montes Claros, cidade polo do Norte do estado, em decorrência das complicações da doença respiratória. Deixou a mulher, a fisioterapeuta Geórgia Karolinne Lelis Silva Campos, de 38 anos, com quem teve uma filha, Alice, de 7, e a filha Clara, de 20, do primeiro casamento.

Embora morasse em Janaúba, Wellington Campos, que além de clínico era psiquiatra, se destacava no atendimento no município de Jaíba, distante 70 quilômetros, cidade onde chegou a ser prefeito no período de 2005 a 2008. A cidade que sedia projeto homônimo – maior perímetro irrigado em área contínua da América Latina, viabilizado com água do Rio São Francisco – uma de suas paixões e onde provavelmente adoeceu. Também clinicava em Nova Porteirinha, Porteirinha e Verdelândia.

Natural de Biquinhas, pequena cidade de 2,48 mil habitantes, na Região Central do estado, Wellington Campos graduou-se pela Faculdade de Medicina da UFMG, depois de aprovado entre os primeiros colocados do concorrido vestibular. Logo depois de formado, passou a trabalhar em Jaíba, onde ganhou popularidade e foi eleito para a chefia do Executivo. Terminado o mandato, continuou dando a assistência aos moradores, o que foi reforçado no enfrentamento da pandemia do coronavírus.

“O Wellington era, além de exímio profissional, uma pessoa humanitária. Não importava as horas ou circunstâncias, onde era chamado estava presente para atender de forma amiga. Era extremamente atencioso e competente. Atendia com sensibilidade, bom humor e tratava as questões da vida de forma leve”, testemunha Geórgia Karolinne, emocionada ao se recordar do marido.

“Quando começou a pandemia, ele sentiu a necessidade de saber mais sobre a COVID-19 e sobre as formas de tratá-la. Viu também que seus colegas médicos não estavam dando conta de atender toda a população e partiu para o atendimento nas casas, na zona rural, nos hospitais e onde mais fosse solicitada a sua presença no combate à pandemia”, relata Geórgia. “Trabalhava na linha de frente, atendendo pacientes em casa. Ficava até altas horas da noite fazendo atendimentos sociais”, recorda a fisioterapeuta.

O médico fazia o atendimento dentro da própria área do Projeto Jaíba, distante 50 quilômetros da área urbana. Prestava assistência aos produtores das diferentes áreas do perímetro irrigado e aos seus familiares. Foi lá que ele teria sido contaminado após um surto da doença respiratória em uma das comunidades do Jaíba.

Geórgia salienta que Wellington Campos sempre demonstrou um carinho especial pelo projeto e pelas pessoas que moram e mantêm a produção no perímetro irrigado. Segundo a fisioterapeuta, via a área como “uma região com grande potencial de crescimento, mas que muitas vezes era esquecida”. Toda semana tinha horário marcado com os moradores do projeto de irrigação. “Nada fazia com que ele desmarcasse seu compromisso com aquela população”, conta. Até que a COVID-19 interrompesse essa rotina. “O vazio que ele deixou é imensurável. O sentimento é de tristeza. Porém, o que me consola é a certeza de que ele deu o melhor de si, marcando seu nome em todos os corações e caminhos por onde andou com o seu legado”, conclui Geórgia

“Tinha um coração imenso. Sentia pena dos que sofriam”

Sanndro Richelly Viana Brasileiro, 41 anos, enfermeiro

A enfermeira Célia Viana
A enfermeira Célia Viana Brasileiro com a foto do filho no momento da vacina: ''Meu coração sangra'' (foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

“Vovó, quero dois bolos: um para a gente comer junto aqui, nos parabéns do papai, e outro para levar para o céu para comer com o meu pai.” A frase foi dita em abril deste ano por Heitor, filho de Sanndro Richelly Viana Brasileiro, durante o aniversário do pai. Sanndro, que era enfermeiro em uma unidade de pronto-atendimento de Fortaleza, morreu em 8 de março, aos 41 anos, vítima da COVID-19.

Sanndro vem de uma família de enfermeiros: a mãe e os dois irmãos também exercem a profissão. Ele, que se formou na Universidade de Fortaleza (Unifor), era especialista em cinco áreas distintas da enfermagem, tendo passagens, inclusive, pela saúde indígena e atenção primária. Também fez assessoria para alguns municípios do Ceará. A experiência de 15 anos o credenciou a estar na linha de frente do combate à COVID-19, fazendo a classificação de risco dos pacientes seguindo o Protocolo de Manchester.

Durante quatro meses, ainda na primeira onda da COVID-19 em Fortaleza, a mãe, Célia Viana da Silva Brasileiro, de 67 anos, relata que Sanndro chegou a ser afastado do trabalho por ter comorbidades, como hipertensão, diabetes e obesidade. No entanto, o afastamento não chegou a ser concedido durante a segunda onda, em 2021. Em 13 de janeiro o enfermeiro testou positivo para o coronavírus e foi internado. Morreu no mês seguinte.

“Se a vacina tivesse chegado em novembro ou dezembro, meu filho estaria vivo. Mas não foi dada chance a essas pessoas que morreram por parte do gestor maior dessa nação, que não teve a sensibilidade de comprar vacina”, lamenta Célia Viana, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Célia também testou positivo para a doença e foi internada em 4 de março. Precisou de balão de oxigênio para conseguir respirar. Durante os 15 dias que passou no hospital, o filho morreu. Ela soube da notícia pelas redes sociais, justamente no dia em que seria intubada.

Quando ficou sabendo do estado de saúde da mãe, Sanndro disse que, se Célia morresse, “Jesus poderia chamá-lo”, pois não saberia viver sem ela. O enfermeiro estava emotivo por ter perdido o pai e não conteve o choro quando tomou conhecimento da hospitalização de Célia.

EXEMPLO Sanndro era o filho mais velho. Assim como os irmãos, Luiz César, de 38 anos, e Georgia, de 40, seguiu os caminhos da mãe e escolheu a enfermagem como profissão. Célia, que tem mais de 42 anos de formada, disse que o que mais chamou a atenção dos filhos quanto ao trabalho foi a sua alegria ao chegar em casa após o expediente.

Mas ela diz que perdeu o encanto pela enfermagem após a morte do primogênito. A enfermeira afirma que também se entristece pelas condições de trabalho, que classifica como ruins, além dos equipamentos de proteção individual que não são adequados. Outro fator que a incomoda é a defasagem salarial.

Como legado, Célia afirma que o filho deixou a sensibilidade de quem sempre procurou ajudar os amigos. Durante a pandemia, chegou a se empenhar em conseguir leitos de terapia intensiva para pacientes que necessitavam de respirador para se recuperar.

“Ele era uma pessoa de coração imenso. Tinha muita pena dos que sofriam”. Sanndro chegou a ser homenageado na primeira edição do Prêmio Anna Nery após o início da pandemia, por parte do Conselho Regional de Enfermagem do Ceará (Coren-CE). A premiação é considerada a maior honraria da profissão. Na ocasião, foi indicado pela entidade estadual a ser condecorado a nível nacional, sendo representado por Célia.

“O que eu tenho a dizer é que meu coração sangra e está machucado. Sei que todas as mães, as esposas, os esposos, namoradas e namorados que perderam seus entes queridos devem estar com o coração igual ao meu. Tenho muita solidariedade. Tenho muita tristeza, pois essas mortes poderiam ter sido evitadas se as vacinas tivessem sido compradas quando foram oferecidas. É uma mancha muito grande que o Brasil vai levar sempre, essa mortandade. Eu perdi um cunhado, dois sobrinhos, o meu filho e amigos do peito”, conclui.

Médica que ajudou a organizar vacina no Amazonas não pôde se proteger

Rosemary Pinto, 61 anos, epidemiologista

Médica
Médica morreu em janeiro, 16 dias após diagnóstico (foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)
“Minha mãe era uma mãe para todo mundo. Por onde ela passou, todos dizem isso.” É o que conta Mônica Costa Pinto, filha de Rosemary Pinto, que morreu aos 61 anos de COVID-19 em Manaus. Ela era diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM).

Rosemary foi a primeira integrante de uma família simples a se graduar. Escolheu farmácia bioquímica, mas iniciou a carreira tempos depois, após se dedicar por sete anos totalmente ao lar. Casou-se aos 18 anos com João Marcos Costa Pinto, com quem esteve por 43 anos. A epidemiologista teve três filhos: Camila (a mais nova), Luciano (o mais velho) e Mônica.

A epidemiologia passou a fazer parte da vida de Rosemary quando ela fez pós-graduação na área. Além disso, se especializou em informação e informática em saúde e também fez parte do grupo que criou a FVS-AM, em 2004.

A partir de 2013, Rosemary passou a ser diretora-técnica da FVS-AM, até 2019, quando se tornou diretora-presidente, sendo a primeira mulher a chefiar a instituição. Com 25 anos de experiência, ajudou a controlar diversos surtos e epidemias no Amazonas. Em reconhecimento ao trabalho na pandemia, recebeu, em 11 de dezembro, medalha do governo do Amazonas.

Antes disso, Rosemary tinha recebido, em outubro do ano passado, Diploma de Honra ao Mérito do Tribunal de Contas do Amazonas, também por seu trabalho na pandemia. Na FVS-AM, ajudava o governo estadual a interpretar a situação da COVID-19, fornecendo dados fundamentais do comportamento do vírus.

Em 6 de julho, uma cerimônia marcou a homenagem à epidemiologista: a FVS-AM passou a se chamar Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Doutora Rosemary Costa Pinto.

“Ela sempre se dedicou ao trabalho, teve uma dimensão muito clara da importância do trabalho na saúde coletiva, a diferença que fazia na vida das pessoas que a gente acaba não enxergando. Estamos vendo agora, neste período de pandemia, que ela é fundamental”, disse Mônica.

O relato dela vai em direção ao que diz o ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e atual secretário de Serviços Integrados do Supremo Tribunal Federal, Wanderson Oliveira. Ele conhecia Rosemary desde 2002, após vários trabalhos integrados entre a Saúde federal e a secretaria do Amazonas. Segundo ele, a especialista não proporcionou avanços apenas para o estado, mas ajudou na melhoria do sistema nacional de vigilância de saúde.

“Sempre foi aguerrida, lutadora pela qualidade e proteção da saúde dos brasileiros. Aprendi muito com ela. Senti muito a perda. Continuo lutando em nome dela para defender a população brasileira. Rose representa isto: saúde, proteção e respeito ao próximo. Uma pessoa de coração enorme”, conta Wanderson.

CONTAMINAÇÃO A segunda onda de casos em Manaus que fez o prefeito David Almeida decretar estado de emergência no início de janeiro também atingiu Rosemary. No dia 6 daquele mês, a epidemiologista testou positivo para a COVID-19. Foram 16 dias lutando contra a doença, até que no dia 22 ela não resistiu.

A filha Mônica afirma que Rosemary se contaminou no exercício das atividades profissionais, uma vez que a família estava em isolamento total. A epidemiologista precisava ir a unidades de saúde e estava em contato com profissionais durante a jornada de trabalho. “Não dá para a gente dizer, de forma específica, que foi em um evento determinado, mas foi no trabalho”, relata a filha.

Rosemary também ajudou na elaboração do plano de vacinação do Amazonas, que ficou pronto entre setembro e outubro do ano passado. No entanto, quando as primeiras doses chegaram, em 18 de janeiro deste ano, ela já havia se contaminado. “Lamentamos  muito, pois ela organizou tudo para receber a vacina, mas acabou demorando muito para chegar, e ela não conseguiu ser vacinada.”

A filha conta que a epidemiologista sempre prezou pela parte técnica e pela ciência no exercício de sua função. Rosemary também dizia que os números não poderiam ser vistos de maneira fria e individual, uma vez que cada vítima da COVID-19 tem uma família, e deixava sonhos. Uma história justamente igual a de Rosemary, que foi interrompida.


“Ele estava sempre disposto a melhorar este mundo”


Alan Patrick do Espírito Santo,39 anos, técnico de enfermagem

Alan Patrick
Alan Patrick morreu em um hospital de campanha (foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)
No momento em que a voluntária Regina Evaristo conversa com a reportagem do Estado de Minas, por telefone, ela está na comunidade dos Macacos, perto do Bairro Grajaú, no Rio de Janeiro (RJ). À frente da organização não-governamental Alea (Associação Leonora Evaristo de Almeida), ela intensificou as ações para ajudar famílias carentes depois da morte do filho, o técnico de enfermagem Alan Patrick do Espírito Santo, vítima da COVID-19.

“Em 1 de outubro, ele teria completado 40 anos. No dia 3, a filha única dele fez 11 anos. A perda ainda dói, muito. Todos nós estamos muito tristes”, conta Regina. Com o filho Alan, ela fundou a Alea em homenagem à sua mãe e com o objetivo de lutar contra a violência doméstica. “A vacinação é importante, mas acolher as pessoas, usar máscaras e dar orientação, como hábitos de higiene, também. Já conseguimos atender 678 famílias na região, principalmente com entrega de alimentos, encaminhamento para atendimento médico e entrega de EPIs (equipamentos de proteção individual)”, afirma a voluntária.

Natural de Campos (RJ), Alan era casado e pai de Emily, morreu aos 38, em 22 de abril do ano passado, em um hospital de campanha em Volta Redonda (RJ). Para Regina, mãe “afetiva” do técnico de enfermagem, a grande lição que ficou passa pela solidariedade, afinal, “quem ama de verdade vai continuar amando, e quem não ama vai se destruir”. “Com essa pandemia do novo coronavírus, precisamos de fraternidade.”

Mineira de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata, e há quatro décadas residente no Rio, Regina conta que teve três filhos biológicos e uma dezena de filhos do coração. Com voz firme, revela que Alan, também taxista, nutria grande amor pelo próximo. “Fazia corrida de graça, curativo em pessoas na rua. Estava sempre disposto a melhorar este mundo.”

O calvário do técnico de enfermagem começou em 7 de abril de 2020, no Rio, quando se sentiu mal e foi para o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, no qual trabalhava no acolhimento aos pacientes. O último destino foi Volta Redonda. “Meu caminho é seguir e continuar o trabalho que era também dele. Transformar luto em luta.”


“Era fantástica. O mundo perdeu uma grande mulher”

Karla Michelle do Valle de Souza, 42 anos, enfermeira obstetra


Karla
Karla partiu dois dias depois do Natal de 2020, deixando dois filhos (foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)
A enfermeira obstetra Karla Michelle do Valle de Souza, de 42 anos, descobriu muito tarde que estava com COVID-19. Vítima de uma evolução fulminante da doença, morreu dois dias depois do Natal, em 27 de dezembro de 2020, em Belo Horizonte, menos de três horas após dar entrada na unidade de pronto-atendimento.

Karla fez enfermagem na PUC Betim e duas pós-graduações, uma delas em enfermagem obstétrica. Mãe de Israelly, de 10 anos, e Noah, de 2, se dedicou a ajudar a trazer novas vidas ao mundo, também contribuindo para que mães tivessem parto natural em casa. Em um ano de pandemia, viu seu trabalho se intensificar, porque muitas mulheres optaram por dar à luz no lar.

“O ano passado foi um dos que ela mais trabalhou. Também fazia muito pré-natal domiciliar”, conta Ítalo Silva de Souza, de 43 anos, com quem Karla foi casada por 12 anos. Para o marido, o contágio pela COVID-19 ocorreu em um gesto de dedicação à família. “Os pais dela, de 69 e 64 anos, pegaram a doença e ela foi vê-los, porque ficaram muito debilitados. Infelizmente, acabou pegando o vírus”, disse.

A evolução da doença em Karla foi muito rápida. “Ela visitou os pais em uma terça-feira. Na sexta já começou a sentir o corpo ruim, mas não associamos à COVID-19 porque ela melhorou. No fim de semana programamos ir à Serra do Cipó, e lá ela falou: ‘Olha, Ítalo, muito estranho. Não estou sentindo o cheiro do seu perfume, passei creme no corpo e também não estou sentindo’. Começou a ficar preocupada. No domingo, já estava mais prostrada.”

Como tudo aconteceu na semana do Natal de 2020, a comemoração foi em casa, com a família sem se encontrar com outras pessoas. “Passamos o Natal em família, só nós quatro. Em casa optamos por não deixá-la isolada, desde o começo da pandemia conversamos que passaríamos por isso juntos. O dia 26 foi um sábado muito gostoso, ela estava muito bem e eu fiz um churrasco para nós”, recorda-se Ítalo.

Ele conta que no dia 27, por volta de 12h, Karla começou a sentir falta de ar e ele a levou de imediato para a unidade de pronto-atendimento mais próxima. Chegou com baixa saturação, mas melhorou assim que a colocaram no oxigênio. “A médica de plantão tirou uma radiografia e avaliou que ela estava com o pulmão regenerado. Disse que iria manter a Karla internada para tomar alguns medicamentos, mas previu que por volta de dois dias ela estaria liberada”.Ítalo conta que não se passaram 10 minutos para tudo virar de ponta-cabeça. “Ela passou muito mal, teve queda de todos os níveis vitais de uma hora para outra. Tentaram reanimá-la, mas faleceu”, lamentou.

Dez meses depois, ele ainda precisa de muita força para lidar com a perda e cuidar dos filhos. “Com minha filha foi mais complexo de lidar”, conta Ítalo. “Hoje, ela consegue falar da mãe com mais leveza, mas no começo foi difícil. Por esses dias ela começou a chorar, porque vai coincidir a data do aniversário dela com o dia da morte da mãe. Ela faz aniversário em 27 de outubro e a mãe morreu em 27 de dezembro. Mas a gente está sobrevivendo, temos que viver.”

“A primeira coisa é ter fé em Deus, ela era uma pessoa que tinha uma fé incrível. Um senso de gratidão e justiça imenso. Passava a noite inteira estudando no quarto. Por isso, também deixa um legado de profissionalismo e dedicação. Uma mãe e esposa fantástica, uma filha fantástica. O mundo perdeu uma grande mulher que se chama Karla Michelle.”


“Um exemplo de coragem, competência e muito carinho”

 Isabela Santoro Campanário, 53 anos, psiquiatra infantil


A psiquiatra Isabela
A psiquiatra Isabela deixou os gêmeos de 6 anos: luto difícil (foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)
Foi quase um mês de luta contra a COVID-19 até que Isabela Santoro Campanário partisse, aos 53 anos, em 21 de maio deste ano, em Belo Horizonte, deixando os filhos gêmeos, de 6 anos. Ela fazia parte do grupo de risco da doença, por ter asma, doença respiratória crônica, que deixa os pacientes mais suscetíveis às formas graves do novo coronavírus.

A mãe, Vanessa Campos Santoro, de 76 anos, conta que Isabela foi internada em 9 de abril e passou um tempo consciente na unidade de terapia intensiva. Nesse período, se comunicava com a família pelas redes sociais. Foi quando recebeu a notícia de que uma criança que atendeu, filha de profissionais da saúde que atuam na linha de frente, havia testado positivo para o novo coronavírus. A médica resistiu por 15 dias até que precisou ser intubada. Não se recuperou mais.

Segundo a mãe, a doutora formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, ela recebeu a notícia de que sua aposentadoria havia sido confirmada em fevereiro. Por pouco não conseguiu tomar a vacina. “Ela não tomou a primeira dose por três dias, por ser profissional liberal, porque continuava atendendo no consultório, dava palestra na prefeitura, teve um trabalho muito grande de diagnóstico infantil precoce”, conta.

“Ela estava com muita esperança, era uma pessoa de alto astral. Em momento nenhum pensou que fosse morrer. Mandava mensagem o tempo todo, respondia a todo mundo. Só não podia falar, porque estava com o oxigênio”, lembra-se a mãe.

Isabela deixou uma história emocionante de muita batalha para todos que a conheciam. “Deixou um exemplo muito lindo para os filhos e todos que eram próximos, exemplo de muita coragem, competência e muito carinho. Ela era uma pessoa doce”, conta a mãe da médica. Vanessa destaca ainda o trabalho da filha com crianças autistas. “Isabela fez um trabalho para uma cooperativa médica, um protocolo com esse diagnóstico infantil precoce. Dava palestras, fez um trabalho social muito importante.”

Agora, os familiares pretendem que esse legado contribua com o crescimento dos gêmeos, que ainda sofrem com a perda da mãe. “Eles falam: ‘Vovó, brinca comigo igual a mamãe Isabela brincava’, falam que a mãe virou estrelinha. Um deles ficou muito agressivo, por causa da angústia. É uma elaboração de luto muito difícil.”
 


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