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Estado de Minas Pandemia

Plano de vacinação mostra falhas ao vacinar comunidade quilombola

Moradores de quilombo, em Pedro Leopoldo, reclamam que nem todos os quilombolas serão vacinados. Das 53 famílias cadastradas no Incra, apenas 16 receberão


15/04/2021 13:20 - atualizado 15/04/2021 21:32

Gessy Silva, conhecida como dona Ninô, afirma que nenhum membro do Quilombo Pimentel pegou COVID-19, mas teme pelos que ainda não foram imunizados(foto: Reprodução/Prefeitura de Pedro Leopoldo)
Gessy Silva, conhecida como dona Ninô, afirma que nenhum membro do Quilombo Pimentel pegou COVID-19, mas teme pelos que ainda não foram imunizados (foto: Reprodução/Prefeitura de Pedro Leopoldo)
Um impasse gerado pela falta de informação sobre a distribuição de vacinas contra a COVID-19 aos grupos prioritários em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é reflexo das diretrizes do Programa Nacional de Imunizações, que não deixa claro como os povos e comunidades tradicionais quilombolas serão vacinados. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a COVID-19 somente se refere a “povos e comunidades tradicionais quilombolas”, o que pode abrir espaço para erros.
 
 
Um dos líderes do Quilombo de Pimentel, Marcelo Evaristo, vê como falha a forma que a vacinação está sendo conduzida. Ele afirma que 53 famílias estão cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), como pertencentes à comunidade, mas apenas 16 delas receberão as doses do imunizantes na cidade, porque a Secretaria de Saúde de Pedro Leopoldo seguiu o cadastro feito pelo Programa Saúde da Família, PSF Magalhães, dando a entender que considerou só os moradores como povo do quilombo.

De acordo com informações nas redes sociais da Prefeitura de Pedro Leopoldo, as doses que chegam à cidade já vem direcionadas pelo governo de Minas Gerais e, por isso, o município vacinou de acordo com a remessa enviada. Todos os moradores do Quilombo Pimentel acima de 18 anos, que passaram pela triagem da equipe da Secretaria de Saúde, serão vacinados e receberão a primeira dose.

Ainda segundo a prefeitura, os agentes de vacinação foram até à comunidade para aplicar a primeira dose nessa terça-feira (13/4). Para os que não foram encontrados no local, as vacinas ficarão reservadas e a Secretaria de Saúde vai fazer um novo contato para que os cadastrados sejam vacinados.

Segundo Evaristo, os governos têm acesso ao quantitativo de pessoas que pertencem ao Quilombo Pimentel, porque o Incra fez o cadastro delas em setembro de 2019. Evaristo conta que muitos quilombolas não moram dentro do quilombo, mas são parte dele, são da mesma família, da mesma raiz e tradição. Saíram em busca de estudo e trabalho, mas sempre estão lá e agora com a COVID-19 não podem ter acesso aos costumes, devido às medidas de distanciamento social.

“O pessoal da saúde de Pedro Leopoldo esteve no quilombo, mas encontraram poucas pessoas e só cinco foram vacinadas. Eu mesmo não fui vacinado e achei o cronograma ruim, porque foram em horário de trabalho e fiquei sabendo de última hora. Assim como eu, muitos não tiveram tempo para se organizar, disseram que na próxima terça-feira retornarão. Estou aguardando."

Plano nacional de vacinação

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (Conaq) classificou o Plano Nacional de Operacionalização para vacinação das comunidades quilombolas como insuficiente. Na avaliação feita pela Conaq, o plano não contempla a totalidade da população quilombola e utiliza números subdimensionados. Por enquanto, a estimativa geral do plano contabiliza 1.133.106 quilombolas distribuídos em 1.278 municípios e 25 estados e Distrito Federal. O quantitativo demostrado no plano nacional é baseado no senso do IBGE de 2010.

Entretanto, segundo estimativas da Conaq, os quilombolas somam mais de 16 milhões de indivíduos no país. Ou seja, de acordo com o planejamento do governo, as doses seriam suficientes para pouco mais de 7% da população quilombola.
 
A estimativa da população quilombola em Minas Gerais foi realizada pela Coordenação Estadual de Equidades da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em conjunto com os movimentos sociais a partir das orientações estabelecidas pelo Ministério da Saúde, no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19.  A estimativa identificou o quantitativo de 67.574 pessoas que habitam em comunidades tradicionais quilombolas no estado.  

Para o líder da comunidade Quilombo Pimentel, Marcelo Evaristo, muitas pessoas que fazem esses cadastros não entendem o sentido de pertencer e ser quilombolas.

“Eu acho que tem duas vias de entendimento a serem pensadas. A via da árvores genealógicas ou a via das famílias cadastradas pelos governantes, que não levaram em consideração que todos somos um povo só. Essa é a minha luta de agora para a sobrevivência do meu povo. As pessoas que estão cadastradas no Incra têm direito adquirido”, defende.

Povo tradicional de Pedro Leopoldo

Comunidade de ex-escravos constituída antes da existência do município de Pedro Leopoldo ainda preserva igrejinha construída pelos ancestrais(foto: Divulgação/Pedro Leopoldo)
Comunidade de ex-escravos constituída antes da existência do município de Pedro Leopoldo ainda preserva igrejinha construída pelos ancestrais (foto: Divulgação/Pedro Leopoldo)

De acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silvam (Cedefes), no final do século XIX, negros escravizados receberam as alforrias e foram parcialmente libertos do trabalho escravo, nos grandes latifúndios de todo o Brasil. Em Pedro Leopoldo, para manter os escravos próximos e na continuidade da exploração do trabalho, os fazendeiros cederam terras localizadas na Região Centro-Sul da cidade, batizada de Pimentel.

De acordo com o site da prefeitura de Pedro Leopoldo, estima-se que a população era de três mil negros e Evaristo é descendente de um deles. Bisneto do pioneiro sr. Paulo, o líder conta que os antigos batizaram o quilombo de nome Pimentel por causa da palavra pimenta, pois os moradores eram conhecidos como sendo bravos como as pimentas.

O reconhecimento veio mais de século depois. Em 7 de março de 2010, o quilombo foi certificado pela Fundação Palmares – instituição pública voltada para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. A comunidade do Quilombo do Pimentel revela a importância do povo negro para a construção da história do município de Pedro Leopoldo.

Para a Conaq, o território é visto como um espaço físico, mas também como um espaço de referência para a construção da identidade quilombola. A invenção de identidades político-cultural é recorrente, ela acontece sempre que determinado grupo põe-se em movimento para reivindicar o que lhe é essencial. Nesse sentido, o direito à vacinação de todos que se declaram pertencentes a esse território deve ser respeitado.

Plano de vacinação específico


A Conaq questiona que o documento apresentado pelo Ministério da Saúde não trata-se de um Plano Nacional de Operacionalização de Imunização/Vacinação para Quilombola, mas sim de diretrizes nacionais, passando a responsabilidade aos estados e, em especial, aos municípios para a viabilização dessa operação.

Segundo a Conaq, muitos problemas poderiam ser evitados se tivesse um plano específico que atuasse na defesa dos direitos quilombolas e assim, evitaria a falta de vacinação dos povos tradicionais bem como impossibilitaria o fura-fila de pessoas que aproveitam a situação para serem imunizadas.

Essa última possibilidade gerou suspeita que culminou na interrupção da vacinação dos povos quilombolas nessa terça-feira (13/04), em Macapá, (AP), após acordo entre o Ministério Público Federal e a Conaq. 

Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a prefeitura decidiu vacinar todos que autodeclarassem pertencentes à comunidade quilombola de Pinhões, mas houve a obrigatoriedade de as pessoas assinarem um termo no qual se declaram quilombolas. Dessa forma, segundo a prefeitura, os direitos aos quilombolas como grupo prioritário são garantidos e a prefeitura resguardada. Cerca de 2 mil pessoas tomaram a primeira dose do imunizante.
 
A SES-MG ressalta que se a população quilombola estiver dentro dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde e não tiver sido atendida com a vacinação, a Secretaria de Saúde de Pedro Leopoldo, responsável pelos dados de pessoas vacinadas, deverá contactar com a Unidade Regional de Saúde de referência para o envio das doses da vacina contra a COVID-19 para a vacinação desse público. 

Dia aguardado no Quilombo Pimentel


Janaina Silva recebe a primeira dose do imunizante(foto: Arqivo pessoal)
Janaina Silva recebe a primeira dose do imunizante (foto: Arqivo pessoal)
Pietro Henrique, de um mês de vida, é o mais novo membro da comunidade Quilombo Pimentel. A mãe, Janaína Silva, em um braço carrega o pequeno e no outro recebe a primeira dose da vacina contra a COVID-19. Ela faz parte das 16 famílias cadastradas no PSF Magalhães, em Pedro Leopoldo.

“A nossa comunidade aguardava ansiosa por esse dia, vivia aflita porque minha mãe faz parte do grupo de risco e passei boa parte desse período em gestação. Agora, nos sentimos mais protegidas e capazes de proteger o Pietro”, conta.

Também vacinada, a prima de Janaína, Gessy Silva, conhecida como dona Ninô, afirma que nenhum membro do Quilombo Pimentel pegou COVID-19, mas teme pelos que ainda não foram imunizados e não estão cadastrados na Secretaria de Saúde como membros do quilombo.

 “Me sinto aliviada, mas somos uma única família, não vejo a hora de reunirmos e podermos festejar juntos e todos vacinados mais essa vitória."
 
 


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