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Estado de Minas REGIÃO HOSPITALAR DE BH

Dramas diários no maior campo de batalha contra o coronavírus em Minas

O EM acompanhou por uma semana as histórias vividas pelos pacientes infectados, familiares e socorristas, que enfrentam colapso do sistema de saúde e a solidão


21/03/2021 06:00 - atualizado 21/03/2021 08:00

Santa Casa de BH, à direita, Hospital das Clínicas e São Lucas mantêm exército de profissionais da saúde na mesma região da capital, onde a prefeitura também criou centro especializado em COVID-19(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
Santa Casa de BH, à direita, Hospital das Clínicas e São Lucas mantêm exército de profissionais da saúde na mesma região da capital, onde a prefeitura também criou centro especializado em COVID-19 (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
Grávida de oito meses e com os pulmões tomados pela COVID-19, a dona de casa Camila Franciele Silva Barbosa, de 29 anos, chegou na última quinta-feira ao hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), em Belo Horizonte. Sozinha e isolada, teve seu filho prematuramente, por meio de parto normal, já intubada e sedada, respirando por ventilação mecânica e sendo mantida por sondas. Ninguém da família os viu até então.

Só e confinada por mais de 15 dias, a também dona de casa Maria Aparecida Souza Silva, de 55, se internou na Santa Casa de Misericórdia de BH. Chegou junto com o marido, Galdino Silva, de 66, ambos em estado crítico, após serem contaminados pelo vírus. Não puderam se despedir, pois nem imaginaram que não se veriam outra vez. Ela morreu na quinta-feira e ele continua lutando contra a infecção.

Histórias como as dessas duas vítimas da doença respiratória superlotam leitos hospitalares e são contadas, numa batalha pela vida, em meio ao colapso assistencial nas seis instituições médicas da região hospitalar de Belo Horizonte, a que mais concentra pacientes com o novo coronavírus (Sars-CoV-2) no estado. A reportagem do Estado de Minas acompanhou, durante toda a última semana, o colapso hospitalar, que aflige os mineiros nessa regão da capital, onde, segundo levantamento feito pelo EM, funcionam ininterruptamente cerca de 500 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) destinados aos pacientes com a infecção pandêmica. Doentes não param de chegar.

Cerca de 500 leitos se concentram na região hospitalar de BH, para atendimento da maior demanda no estado de pacientes infectados, que sofrem no isolamento, na longa espera e têm famílias devastadas(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Cerca de 500 leitos se concentram na região hospitalar de BH, para atendimento da maior demanda no estado de pacientes infectados, que sofrem no isolamento, na longa espera e têm famílias devastadas (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Toda manhã, por volta das 7h, um ruído irrompe pela área de BH percorrendo todas as ruas da vizinhaça. O som alerta os parentes de pacientes internados, ainda encolhidos pelo frio na calçada, sob as sombras dos grandes edifícios hospitalares. E também chama a atenção dos doentes despertos nos leitos das unidades de saúde.

O barulho contínuo vem de um jato forte de água despejado pela mangueira de um caminhão-tanque da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) da capital. Diariamente, o veículo percorre com suas equipes os passeios dos quarteirões onde os hospitais estão localizados despejando água sobre uma mistura previamente pulverizada de sabão e cloro para desinfectar a passagem dos pedestres do vírus mortal.

O preparo é feito sistematicamente e com rapidez, pois, menos de uma hora depois, vindos de todos os quarteirões e esquinas, começam a chegar aqueles que fazem essa região funcionar como um pulmão da capital contra a COVID-19, recebendo doentes e os tratando em instituições públicas e privadas. São enfermeiros, faxineiros, motoristas de ambulâncias, médicos, parentes de doentes, taxistas, balconistas de lanchonetes, vendedores ambulantes com máscaras, luvas, álcool em gel e até escovas de dentes para quem chegou despreparado.

Ao mesmo tempo, nas áreas de manobra dos hospitais começam a se enfileirar ambulâncias vindas de todas as regiões de BH e outros municípios de Minas. A reportagem chegou a ver cinco paradas simultâneas na garagem da Santa Casa. Com suas luzes de alerta ligadas e, às vezes, chegando com as sirenes acionadas, buscam vagas para pacientes com a COVID-19. O movimento se concentra sobretudo na Santa Casa, Hospital das Clínicas, Centro Especializado em COVID-19 (Cecovid) e na UPA Centro-Sul.

O condutor de ambulâncias Hebert Rodrigues, de 28, conta que a estada dos pacientes dentro dos veículos de socorro tem se prolongado com a dificuldade de vagas para atender ao número crescente de doentes. “O normal tem sido esperar de 30 a 40 minutos dentro da ambulância. Os hospitais estão enfrentando um verdadeiro sufoco. E isso nos expõe mais ao vírus”, afirma.

Marcas profundas

Na sexta-feira, a reportagem do EM mostrou que um colapso do sistema de transporte de doentes também pode ocorrer, porque vários tripulantes de ambulâncias estão sem vacinação ou receberam apenas uma dose do imunizante contra o coronavírus. “Recebi duas doses na empresa. Mas as pessoas têm de fazer a parte delas, manter a distância até a vacinação chegar. É terrível a pessoa já vir sozinha e ficar esperando sem destino, intubada no oxigênio dentro do carro, até ser levada para uma área isolada, de onde não sabe quando sairá e se vai sair. Uma doença muito triste”, afirma.

Limpeza das calçadas nos quarteirões que abrigam os hospitais é só o começo da jornada de pessoas que fazem da área um pulmão testado a cada instante(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Limpeza das calçadas nos quarteirões que abrigam os hospitais é só o começo da jornada de pessoas que fazem da área um pulmão testado a cada instante (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Uma das cenas mais impactantes para o condutor de ambulâncias Hebert Rodrigues é um retrato de como as novas variantes do coronavírus afetam mais jovens e os fazem ser levados em estado gravíssimo para os hospitais. “Nunca vou me esquecer do transporte que fiz de uma bebezinha, de 10 meses, que já veio intubada. Chegou de avião ao aeroporto da Pampulha, vinda de São Paulo para o Mater Dei. Marcou muito, porque o nome dela era o mesmo da minha filha: Valentina. Minha menina tem 3 anos. O bebê era muito pequena e frágil e soubemos que tinha sofrido duas paradas cardíacas no voo”, conta.

Ele destaca que o acompanhamento psicológico tem sido fundamental nessas horas. “Pelo desgaste que estamos sofrendo, pelos casos impactantes, é preciso ter esse apoio profissional. Não podemos perder o nosso foco. Por isso, não acompanhei o destino do bebê, apenas desejei sorte e as bênçãos de Deus”, disse.

Desolação 

Sentados na mureta da área de manobra do hospital do Ipsemg, o marido e a mãe da dona de casa Camila Franciele Silva Barbosa, de 29, vivem esse drama desde quinta-feira (18/03). “Ela já tinha consultado o médico aqui (no Ipsemg) queixando-se de dores, de falta de ar, muita tosse. Mas o médico nem fazia exame e a mandava voltar, mesmo grávida de oito meses”, afirma a mãe, Sueli Cândida da Silva Barbosa, de 53.

Dias depois, Franciele enfrentava febre persistente e teve de ser levada às pressas para o mesmo hospital, onde foi internada e nunca mais vista. “Disseram que, para vê-la, teria de fazer um exame de COVID-19 e o teste mais barato custa R$ 270. Não tenho dinheiro nem para comer aqui nas lanchonetes em volta do hospital, tem dia que passo sem nada na barriga”, reclama a mãe.

O drama é também desolador para o marido da dona de casa, o autônomo Adriano Aparecido de Oliveira, de 38, que soube por informações obtidas na recepção do hospital que a esposa teria sido submetida a parto normal e seu filho prematuro havia nascido, mas estava internado

“Meu filho nasceu, não sei como está, em que condições. Não sai da minha cabeça a preocupação com eles, queria informação. Queria conhecer meu filho”, desabafa, em lágrimas.

Alta ocupação e demanda aos milhares

As internações em hospitais da Rede SUS-BH ocorrem por meio da Central de Internação (CINT), quando a solicitação chega à CINT. O quadro clínico do paciente é avaliado por um médico regulador e, de acordo com a disponibilidade de vagas, o paciente é encaminhado para o hospital. Na região hospitalar, foi criado no ano passado o Cecovid, que funciona dentro da UPA Centro-Sul. O serviço especializado atende 24 horas, contando com 36 leitos, sendo 12 leitos de cuidado semi-intensivo e 24 leitos de observação.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de BH (SMSA), a UPA Centro-Sul e o Cecovid contam com médico, enfermeiro, técnicos de enfermagem, auxiliar administrativo e de serviços gerais. “São cerca de 330 profissionais. As equipes dos plantões diurnos são compostas por 8 médicos, 7 enfermeiros e 22 técnicos de enfermagem. Já nos plantões noturnos, são 6 médicos, 6 enfermeiros e 19 técnicos de enfermagem. Em março, até o dia 17, foram realizados 3.014 atendimentos nos dois serviços, sendo 1.611 só no Cecovid Centro-Sul”, informa a SMSA.

Na Rede Fhemig, as referências de atendimento são os hospitais Eduardo de Menezes e Júlia Kubitschek, ambos no Barreiro, sendo que o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII frequentemente atende pacientes que se mostram contaminados e depois de estabilizados são transferidos. Na região hospitalar, a única referência da Fhemig é no atendimento pediátrico aos casos de COVID, no Hospital Infantil João Paulo II (antigo Centro Geral de Pediatria), que tinha 25 casos respiratórios suspeitos ou confirmados dos 28 leitos de enfermaria: 90% de ocupação. Na UTI, 17 (85%) dos 20 leitos estão ocupados. “A média de permanência dos casos em crianças tem sido de nove dias. (O hospital) Possui 780 profissionais de saúde, de todas as categorias necessárias ao atendimento”, informa a rede.

A reportagem entrou em contato com a Rede Semper, Santa Casa – São Lucas e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas até o fechamento desta edição não obteve resposta aos questionamentos e pedidos de informações estruturais do atendimento e sobre pacientes.


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