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Estado de Minas ENTREVISTA/JOSé LUIS ROJAS TORRIJOS

'Jornalismo é cordão sanitário na pandemia', diz professor espanhol

Enquanto a 'pandemia de notícias falsas' tumultua ambiente da informação, catedrático espanhol sinaliza caminhos para a prática profissional e destaca as capas do Estado de Minas sobre a pandemia


postado em 28/06/2020 04:00 / atualizado em 28/06/2020 09:53

Em tempos de alarme e desinformação, como os que estamos enfrentando, é fundamental que a mídia exerça seu papel de controle crítico das ações dos governos e também de verificador de conteúdo dúbio ou falso, multiplicado por redes sociais e outras plataformas digitais%u201D(foto: Faculdade de Comunicação - Universidade de Sevilha/DIvulgação)
Em tempos de alarme e desinformação, como os que estamos enfrentando, é fundamental que a mídia exerça seu papel de controle crítico das ações dos governos e também de verificador de conteúdo dúbio ou falso, multiplicado por redes sociais e outras plataformas digitais%u201D (foto: Faculdade de Comunicação - Universidade de Sevilha/DIvulgação)


Se o jornalismo é o primeiro rascunho grosseiro da história, como afirmou o americano Philip Graham, ex-presidente do Washington Post, pode-se dizer que o pessoal, contudo, tem caprichado no traço. As forças de síntese e de análise das capas dos jornais impressos, em cenário informacional tão conturbado como o do pandemia do coronavírus, vêm gerando poderosas imagens capazes de ressoar no ambiente digital. Algumas dessas, criadas por designers e jornalistas deste Estado de Minas, ecoaram na região espanhola da Andaluzia, onde o professor doutor José Luis Rojas Torrijos forma futuros jornalistas na Faculdade de Comunicação da Universidade de Sevilha. “As capas do jornal diário brasileiro Estado de Minas, de Belo Horizonte, estão se sobressaindo durante a pandemia. O 'colocar-se' na página, esse valor agregado do papel”, escreveu no Twitter. Nesta entrevista exclusiva, ele comenta os percalços e tendências no cenário da indústria da informação em meio à aceleração digital impulsionada pela COVID-19.


Como você analisa a cobertura da imprensa nos países onde a pandemia saiu do controle (Espanha e Brasil, por exemplo)?
Em geral, tem sido – está sendo – mais uma demonstração da importância capital do jornalismo nas sociedades democráticas. Em uma situação de tanta confusão, medo e incerteza quanto a nossa, os jornalistas estão lá para cumprir sua missão de serviço público, que é atender a uma necessidade premente de informações verdadeiras exigidas por uma população confinada em suas casas e desejosa de saber o que está acontecendo por aí. E nem sempre os dados são oferecidos claramente pelos poderes públicos. Em tempos de alarme e desinformação, como os que estamos enfrentando, é fundamental que a mídia exerça seu papel de controle crítico das ações dos governos e também de verificador de conteúdo dúbio ou falso, multiplicado por redes sociais e outras plataformas digitais nestes meses. Participamos de um tipo de processo de seleção natural do que deveria ser um bom jornalismo, em uma situação em que ficou claro como as organizações de notícias com maior poder profissional nas redações conseguiram trazer a iniciativa, agindo como um contrapoder, colocando um pouco de ordem em face de tanto barulho informativo e recuperando parte dessa confiança e a credibilidade que havia perdido entre os cidadãos em detrimento de plataformas tecnológicas, agregadores de conteúdo ou serviços de mensagens. De fato, isso é afirmado no último Digital News Report do Reuters Institute.

Existem outros exemplos para destacar como a pandemia mudou a prática jornalística ou enfatizou sua importância em diferentes partes do mundo?
A maneira de trabalhar teve que ser diferente por razões óbvias. Com a maioria dos jornalistas trabalhando remotamente sem poder ir às redações, os jornais diários e os noticiários no rádio e na televisão têm sido uma tarefa de organizar o trabalho titânico. Apesar das limitações de não estar em contato físico direto com as fontes, o fato de que elas se tornaram mais acessíveis, pois também estão confinadas em suas casas, para coletar diferentes testemunhos ao vivo todos os dias por meio de entrevistas em vídeo, debates de streaming foram organizados para analisar os eventos atuais; eventos diretos foram promovidos para acompanhamento minuto a minuto da tragédia; a importância de um jornalismo mais infográfico e explicativo que esclarece os dados com os cidadãos foi enfatizada. A evolução da pandemia e das histórias têm sido buscadas, dando nomes próprios aos falecidos, para que eles não acabem sendo simples números frios aos olhos da população. Todo esse trabalho alimentou essa necessidade, consumindo cada vez mais notícias e quebrando recordes de audiência digital em muitos sites durante a pandemia.

Ao destacar as capas do Estado de Minas, você mencionou "valor agregado ao papel". Como a pandemia está relacionada ao resgate desse valor?
O valor agregado do artigo reside, sim, no leiaute da página, especialmente na capa, que geralmente é a página mais original e criativa do jornal. E não é apenas para o design jornalístico, mas também para a qualidade das fotografias e ilustrações que aparecem como resultado de um processo de edição difícil. Tudo isso combinado é o que faz com que notícias importantes transcendam ainda mais e impactem os cidadãos, sempre com base em um plano, uma intenção, um ângulo, uma seleção de informações e uma posição editorial. No meio impresso, tudo é mais medido, mais cuidadoso. Assim, durante a pandemia, foram vistas capas impressas poderosas que não apenas tornaram conhecidas algumas figuras da população, mas também se formou a opinião pública, sensibilizando e chamando os cidadãos a agir para ajudar a resolver esse grande problema, porque é coisa de todo mundo. Lembra-se, por exemplo, da edição do New York Times de 23 de maio, que publicou na capa e em várias páginas internas um grande obituário com 100 mil informes curtos de pessoas que morreram de coronavírus? Foi impressionante.

Qual é o papel de um jornal de papel hoje?
A pandemia também acelerou as preocupações e os problemas que vêm arrastando muitas editoras de jornais há muito tempo. Como consequência do confinamento de pessoas em suas casas, a queda nas vendas de impressos foi exponencial e, com ela, também a diminuição de anunciantes e patrocinadores. Registros de usuários e visualizações de página dificilmente exclusivos em edições de jornais digitais podem compensar o saldo financeiro negativo causado pelos altos custos de produção e distribuição de jornais impressos diariamente, quando poucas cópias são vendidas. Isso levou muitas empresas a parar temporariamente de imprimir sua edição em papel com foco no produto digital ou a repensar sua periodicidade, talvez transformando jornais em domingo ou semanalmente em um futuro próximo. Embora o comprometimento das empresas jornalísticas pareça cada vez mais focado em um produto de pagamento digital de maior qualidade, e para isso eles dedicam cada vez mais esforços, o jornal de hoje deve encontrar sua razão de estar longe da velocidade com que está. Eles movem as notícias nas plataformas digitais: concentre-se em tornar o conteúdo mais calmo, reflexivo e analítico, com uma oferta diferenciada apoiada no design, na edição fotográfica e na limpeza dos textos. Mas o papel ainda é importante em muitos mercados em que a internet ainda não é universal e onde há uma longa tradição de leitura nesse meio. Será uma transição em taxas diferentes, dependendo do país, é claro, mas, em qualquer caso, a subsistência do papel dependerá de saber como se adaptar ao novo cenário, oferecendo diferenciação, para que as pessoas continuem pagando por isso.

Quando capas como essas ressoam no ambiente digital e atravessam barreiras e fronteiras, o que isso significa neste momento em que a receita está concentrada em uma plataforma (impressa), mas depende de outras para obter projeção (digital)?
As capas são o emblema de muitos meios de comunicação. A capa impressa coloca a marca e dá notoriedade e prestígio ao jornal em comparação com outros concorrentes em uma selva digital com tantos atores. Não é que o produto impresso seja um complemento ao digital, mas realmente não existe uma imagem tão poderosa para se dar a conhecer e reter os leitores como a capa. Mais do que uma conta no Twitter com dezenas de milhares de seguidores ou um produto premium oferecido a assinantes pagos. As capas de impresso também são recursos editoriais para obter tráfego nas mídias sociais e na web, atrair assinantes em potencial e expandir o público além do ponto de venda físico das bancas.

No Brasil, o fenômeno da desinformação nos grupos do WhatsApp gera o que os especialistas chamam de infodemia, uma pandemia das "notícias falsas". Como o jornalismo pode se opor a isso?
O chamado jornalismo "profissional", que ainda é uma redundância para diferenciá-lo do que alguns insistem em chamar erroneamente de "jornalismo cidadão", atua como um cordão sanitário contra essa infodemia, para a contínua intoxicação que vemos emergir entre os grupos do WhatsApp e em algumas redes sociais. É um momento atual em que o jornalismo deve mostrar seu know-how aplicando protocolos de verificação ágil antes da publicação, e não cair na armadilha da velocidade, o que às vezes leva à disseminação de informações não verificadas corretamente, que envolvem riscos em situações de crise. Agora eles chamam isso de 'verificação de fatos', mas a verificação sempre existiu. E hoje é um pilar sobre o qual o (bom) jornalismo deve confiar para agir com responsabilidade e rigor. Será uma maneira de se aproximar ainda mais dos cidadãos e de se afirmar contra outras plataformas e mídias digitais não profissionais que não apliquem métodos jornalísticos.

Desacreditar a imprensa tem sido a estratégia de muitos líderes, em várias partes do mundo. Governantes na Itália, no Brasil e nos Estados Unidos são alguns exemplos. Em tempos de pandemia, quando a informação pode salvar vidas, como o jornalismo deve enfrentar essa guerra aberta? Isso pode ser alcançado?
Acho que aqui a melhor receita é fazer jornalismo, continuar fazendo o que sempre foi feito, sem distinção de suporte ou plataforma. E embora muitos políticos não se sintam à vontade com as críticas, o jornalismo também precisa fazer pedagogia e explicar ao poder e aos cidadãos que não é o mesmo que comunicação ou relações públicas. Muitos ainda confundem um com o outro. Também é responsabilidade da mídia ser mais transparente e informar os leitores como ela obteve determinadas informações. E deve permanecer fiel à sua missão de contar o que está acontecendo de uma ampla perspectiva de fontes, para que seja o leitor quem tira suas conclusões. Não é necessário convencê-lo de nada, mas simplesmente trazer a ele a informação mais completa possível. Há um longo caminho a percorrer que não pode ser abandonado devido a muitas pressões do poder político. A principal arma do jornalismo nesta "guerra aberta" que você menciona é a sua credibilidade com o público e isso só será alcançado se você fizer bem o seu trabalho.

'As capas de impresso também são recursos editoriais para obter tráfego nas mídias sociais e na web, atrair assinantes em potencial e expandir o público além do ponto de venda físico das bancas. No meio impresso, tudo é mais medido, mais cuidadoso. Assim, durante a pandemia, foram vistas capas impressas poderosas.'
'As capas de impresso também são recursos editoriais para obter tráfego nas mídias sociais e na web, atrair assinantes em potencial e expandir o público além do ponto de venda físico das bancas. No meio impresso, tudo é mais medido, mais cuidadoso. Assim, durante a pandemia, foram vistas capas impressas poderosas.'


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