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Estado de Minas REPORTAGEM DE CAPA

Moradores de municípios da RMBH se agarram à esperança para recomeçar

Pessoas que foram atingidas pelas chuvas de janeiro e pelo rompimento de barragem há um ano contam com apoio de amigos e a força do trabalho para refazer suas vidas


postado em 02/02/2020 06:00 / atualizado em 02/02/2020 07:50

Morador do Córrego do Feijão, em Brumadinho, o desempregado Alcir Carlos dos Santos, com o filho caçula Júlio César, sonha em conseguir um emprego para seguir em frente(foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Morador do Córrego do Feijão, em Brumadinho, o desempregado Alcir Carlos dos Santos, com o filho caçula Júlio César, sonha em conseguir um emprego para seguir em frente (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Os nervos estão à flor da pele, os estragos por todo canto, mas a esperança triunfa para dar forças e começar tudo de novo. Dói no fundo da alma, é preciso fazer das tripas coração, mas vale a pena prosseguir – dizem moradores de Brumadinho, Sabará e Raposos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O melhor caminho, acreditam, passa pela fé na vida, encontra apoio no braço amigo e se sustenta com a força do trabalho.

Pouco mais de um ano separa a tragédia de Brumadinho, que deixou 270 vítimas, dos dramas vividos, agora, pela população de Sabará, Raposos e outros municípios mineiros. Se no primeiro o terror veio com o rompimento de barragem de rejeitos de minérios, em 25 de janeiro de 2019, neste início de ano de chuvas históricas, a destruição chegou com a cheia dos rios, o desabamento de encostas e os soterramentos.

“Ainda sofremos, pois perdemos pessoas queridas, mas precisamos tocar a vida. E a esperança é nossa guia”, diz Atamaio Ferreira, de 59 anos, casado e pai de Larissa Vitória. Olhando da varanda da sua casa, uma vastidão verde, o morador da comunidade de Córrego do Feijão, onde fica a mina que rompeu, vai continuar morando no local, e até já comprou uma geladeira nova. Já em Sabará, onde perdeu tudo o que tinha, João Apóstolo Leão Filho, de 64, ouviu do amigo de infância Eustáquio Dantas uma frase que o animou: “Pode contar comigo. Estou aqui para te ajudar”.

Também massacrado pela lama, Raposos tem, além das máquinas pesadas, uma enxada e um carrinho de mão em todo canto. O engenheiro de computação Armando Augusto Gomes Neto, de 26, pegou a ferramenta e enfrentou uma grossa camada de barro na casa da família. Mas não ficou sozinho, pois logo amigos se juntaram e o ajudaram a limpar a residência. “É triste, mais precisamos recomeçar.”

LIMITE As portas do caminhão-baú foram abertas e logo os carregadores levaram para dentro da casa uma geladeira nova, sonho antigo de Atamaio e Leuza, pais de Larissa Vitória, de 5 anos. “Já estava mesmo na hora de trocar, a outra é da época do nosso casamento, há 20 anos”, contou a mulher, satisfeita ao ver o eletrodoméstico já livre da proteção de isopor e instalado na cozinha. Ao lado, Atamaio Ferreira abria o sorriso pouco antes de revelar o interesse em continuar morando na comunidade de Córrego do Feijão, na zona rural de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Vivo neste lugar há 25 anos, minha esposa é daqui, então vamos continuar, criando nossa filha e tocando a vida”, ressaltou o inspetor de segurança, certo de que, para nortear a decisão familiar, há apenas uma palavra: esperança.

Em 25 de janeiro, quando o país lembrou um ano da pior tragédia humanitária da sua história e homenageou a memória das 270 vítimas – o rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, deixou 259 mortos e 11 desaparecidos –, Atamaio e Leuza se lembraram de entes queridos que perderam a vida soterrados pela lama de rejeitos de minério. O casal sabe que nunca vai se esquecer da catástrofe, embora acredite no fechamento de um ciclo e abertura de outro. “Nosso mundo está nesta terra, conheço cada palmo destas matas. Tenho fé na recuperação da nossa comunidade. Se a gente se entregar, acaba, já era. Não podemos abandonar”, afirmou Atamaio.

Funcionário da Vale durante 25 anos e inspetor de segurança na Mina Córrego do Feijão, da Vale, Atamaio decidiu sair da empresa depois da tragédia. O sofrimento com a morte de familiares, amigos de longa data do trabalho e de pessoas da comunidade foram se avivando, muitas vezes chegando ao limite do insuportável. Nessa escalada, houve três datas de difícil esquecimento. “Em primeiro lugar, claro, o 25 de janeiro, em que houve o rompimento da barragem, seguindo-se o dia do sepultamento dos 'restos mortais' da minha irmã Amarina. Finalmente, veio o Natal. A gente sempre se reunia, eu comprava um presente para Amarina, pois era mais do que uma irmã para mim. Desta vez não teve nada, só a saudade.

LEMBRANÇAS VIVAS


Também no Córrego do Feijão, o desempregado Alcir Carlos dos Santos, de 41, se vale da palavra “esperança” para imaginar o futuro da comunidade, onde vive com a mulher, também desempregada, e os quatro filhos. À espera do ônibus para ir ao médico com o filho caçula, Júlio César, de 13, Alcir não tem vontade de deixar o lugar, embora as lembranças ainda estejam fortes na memória. “Minha esperança maior é de arrumar um emprego. Trabalho como auxiliar geral, vivo aqui há nove anos, não há como ir embora.”

Os olhos verdes de Alcir seguem o bailado de um beija-flor de asas no mesmo tom e insistente em voar em torno de uma folhagem. Ele olha o entorno, as árvores, e a estrada com poças d'água das chuvas. O homem lamenta que a mercearia fechou depois da tragédia, muitos vizinhos foram embora, ficando o vazio dilacerante de outros que bateram em retirada.

Mas há o futuro – e ele se espelha no rosto sereno e tranquilo de Júlio César, que estuda no distrito de Casa Branca, Brumadinho. Depois de conversar com um amigo, o menino com olhos da mesma cor dos do pai conta que gosta muito de Córrego do Feijão. “Sair daqui... só se fosse para Brumadinho”, diz o garoto, que tem todo o tempo do mundo para fazer seus planos e escolhas. De repente, o beija-flor sai do meio da folhagem e volta a dançar no ar. Pai e filho acompanham o voo, mas a atenção é interrompida pelo ônibus, que chega e vai levar Alcir à  consulta médica.

FÊNIX O casal de comerciantes João Moreira do Carmo e Vera Lúcia Rocha Barcelos do Carmo chegou a Brumadinho há três anos, vindo do Bairro Tirol, na região do Barreiro, em BH, e, “guiado por Deus”, escolheu o Parque da Cachoeira para ficar e estabelecer a loja de variedades. Da cozinha da casa ampla e arejada dá para ver o lugar destruído pela fúria da lama da Vale. “Já foi medido pelos engenheiros. Daqui até lá, são 155 metros. Naquele dia, a gente estava fazendo uma feijoada”, recorda-se João.

O casal transpira afetividade. “Agora, estamos como fênix. Recuperando tudo”, resume Vera Lúcia, professora, citando o mito da ave, da mitologia grega, que ardia em chamas para ressurgir das cinzas. “Temos que pensar que é bola pra frente, o passado passou. Nosso ideal deve ser apenas a esperança”, acrescenta o marido. Evangélicos, João e Vera creem piamente que chegaram ao Parque da Cachoeira atendendo a um “chamado” e, por isso, não pretendem deixá-lo. “Gostamos daqui, é tranquilo, e sempre recebemos nossos seis filhos (de casamentos anteriores) e oito netos. “Todos convivem bem”, orgulha-se.

Desse “ano” que se fechou no último 25 de janeiro, o casal guarda datas que não se escondem facilmente atrás das paredes da memória: o dia da tragédia, o 29/1, quando a sirene tocou “por engano”, e no início de fevereiro de 2019, quando uma chuva torrencial, com vento, dobrou árvores e pôs o povo em alerta. “A tempestade foi pior do que o dia do rompimento da barragem”, atesta Vera.

, esperança e luta são palavras de força e determinação para se começar um novo tempo em Brumadinho, diz o diácono Jorge Rasuck, que atua pela Arquidiocese de Belo Horizonte em municípios do Vale do Paraopeba, com ênfase na Paróquia São Sebastião, em Brumadinho. Fé para enfrentar a perda, afinal, são 270 famílias numa situação de muita dor; esperança para fortalecer a população e encontrar outras fontes de renda, como o turismo; e luta para que o carro-chefe da região, o minério, obedeça a condições melhores de extração e valorize o bem mais precioso perdido nessa história: a mão de obra. “Muita gente, e cada um tem seu tempo, achou que estava tudo acabado, mas confiamos que essas três palavras (fé, esperança e luta) balizem as ações de agora em diante.”  

Passando na ponte sobre o Rio Paraopeba, no Centro da cidade, a estudante de computação gráfica e professora de informática Laice Marcílo Silva, de 24, comunga da ideia de que a esperança não pode morrer. “Há quatro anos, vim de Colatina (ES). Como trabalho com as crianças, tenho que manter a esperança, afinal, não podemos influenciar, com pessimismo, as novas gerações”, pondera a jovem.




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