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Estado de Minas

A casa dos horrores: 'código de disciplina' em asilo de Santa Luzia incluía fome, sede e agressões

Investigação policial revela castigos impostos a idosos em asilo interditado da Grande BH, que iam de privação de comida e água a agressões físicas. Cinco pessoas estão presas por tortura


postado em 02/08/2019 06:00 / atualizado em 02/08/2019 08:12

Depoimentos de internos da unidade revelam um cotidiano de crueldade que pode, inclusive, ter contribuído para mortes de idosos(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Depoimentos de internos da unidade revelam um cotidiano de crueldade que pode, inclusive, ter contribuído para mortes de idosos (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Quanto mais a apuração avança, mais macabros ficam os momentos reconstituídos pela Polícia Civil sobre a rotina do Asilo Acolhendo Vidas, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A unidade que deveria proporcionar qualidade de vida a hóspedes da terceira idade era um verdadeiro porão de agressões, maus-tratos e tortura de acordo com relatos obtidos no inquérito que já coleciona 31 depoimentos. Cinco pessoas estão presas, sendo quatro da mesma família, e os levantamentos que já foram feitos apontam que todas elas participaram pelo menos do crime de tortura. Sete mortes podem ter relação com essas agressões.

A Polícia Civil já tem fortes indícios de que pelo menos uma, de um idoso no mês de julho, foi causada por um quadro de desnutrição e desidratação compatível com uma semana sem água e sem comida. Esse tipo de privação acontecia com frequência como castigo para os idosos, segundo a delegada Bianca Prado, que preside o inquérito. A situação forçou a prefeitura local a fechar permanentemente a clínica, que já estava interditada, mas ainda abrigava internos.
 
A investigação começou na semana passada, quando três mortes ocorridas apenas no mês de julho levaram cuidadores de idosos a denunciar para o Hospital Municipal de Santa Luzia o caso. Segundo a delegada, a unidade de saúde repassou as denúncias à polícia, que abriu inquérito e prendeu a dona do abrigo. Elizabeth Lopes Ferreira, de 47 anos, é considerada a mais agressiva no trato com os idosos, segundo depoimentos já obtidos.

Ela foi presa com a filha Poliana Lopes Ferreira, de 27 anos. “Os internos relatam que eles tinham como castigo a privação de alimentação, desde 24 horas e com relatos de até três dias, banho frio e baldes de água fria retirada da piscina como castigo. Na hora das refeições, a gente tem relato de que a Elizabeth passava com uma bengala na mão e se alguém derramasse comida ou fizesse alguma coisa, ela realmente dava bengaladas nos idosos, em braços, pernas, cabeça. As feridas não cessavam”, afirma a delegada.

(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

'Os internos relatam que tinham como castigo privação de alimentos, banho frio e com baldes de água retirada da piscina. Na hora das refeições, se alguém derramasse comida levava bengaladas'

Bianca Prado, delegada do caso


 
O castigo com privação de água e comida é o que pode ter levado à morte um idoso com quadro grave de desidratação, desnutrição e hematomas pelo corpo, que faleceu mês passado. Os investigadores já localizaram o prontuário do paciente e conversaram com um médico, que disse que a situação do paciente era compatível com privação de comida e água por uma semana. A polícia, agora, corre atrás dos demais prontuários relacionados a pelo menos sete mortes de idosos que viviam no Asilo Acolhendo Vidas. Se ficar comprovado que as torturas levaram alguém à morte, a pena pode chegar a 16 anos.
 
As duas prisões, de Elizabeth e da filha, ocorreram semana passada. Ontem, mais três pessoas foram presas: Paulo Lopes Ferreira, de 53 anos, marido de Elizabeth, Patrícia Lopes Ferreira, de 21, outra filha do casal que está grávida de 6 meses, e Jorman Alexander Venâncio do Amaral, de 47 anos, que era cuidador do local havia cinco meses.
 
Jorman, conhecido como JP, era o braço-direto de Elizabeth e também figura muito presente nos relatos dos idosos. Segundo a delegada, em um dos casos ele teriam pisado na cabeça de um idoso que caiu no chão. Também há relatos de que Paulo agrediu uma idosa com socos nos seios. Patrícia e Poliana também agrediam pacientes, conforme a delegada, mas Patrícia estava mais distante nos últimos meses, devido à gravidez. Poliana disse que não trabalha no asilo e é dona de um salão, mas quando a polícia chegou ao local ela estava vestida como cuidadora e atendendo idosos. Contra ela, as denúncias são de agressões frequentes, com predomínio de tapas no rosto dos internos.


DINHEIRO


Entre os fatos que a polícia terá que checar estão até mesmo apropriação de dinheiro dos idosos. “A gente tem a viúva de um ex-interno relatando que, quando seu marido morreu, Elizabeth não entregou os documentos e retirou dois meses de aposentadoria depois da morte dele”, diz a delegada Bianca Prado. Outra idosa, caracterizada como bastante lúcida pela polícia, diz que se sentiu ameaçada e coagida a assinar uma procuração que dava poderes para a dona do asilo agir em seu nome. Várias procurações foram encontradas na unidade. O preço desembolsado por familiares para manter parentes no asilo variava entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil, segundo a polícia.

Prefeitura decide fechar a unidade


Na tarde de ontem a Prefeitura de Santa Luzia fechou, de maneira permanente, a Casa Acolhendo Vidas. Segundo o Executivo municipal, os pacientes que ainda estavam internados na estrutura foram realocados. Alguns seguiram com familiares, enquanto outros foram para outro asilo, esse em Belo Horizonte. Ainda de acordo com a prefeitura, 16 idosos continuam internados no Hospital Municipal Madalena Parrilo Calixto sob cuidados médicos. Ao menos três idosos seguem em setor de urgência da unidade de saúde.
 
A equipe de reportagem do Estado de Minas esteve no asilo na manhã de ontem, e constatou que em torno de 10 idosos ainda permaneciam no local, aguardando o desfecho do caso. Segundo a Polícia Civil, havia então sinalização de duas famílias para buscar seus parentes, mas o restante ainda não teria para onde ir.

Com a prisão de Paulo Lopes Ferreira, que era encarregado de tomar conta do asilo depois que a mulher também foi presa, coube a um primo dele ficar no local na manhã de ontem. “Vim para ficar com eles depois que o Paulo foi preso. Fiz o café da manhã e estamos esperando o que vai acontecer”, afirmou Denilson Ferreira.
 
“É muito importante que as famílias entendam a sua responsabilidade. A responsabilidade primária é da família. A gente pede que procurem a prefeitura, procurem o hospital, retirem o seu familiar. O que a gente está pedindo não é que quem não tem condições de cuidar leve para casa. O que nós estamos pedindo é que essa família ampare o seu familiar, que o transfira para uma outra instituição, mas que verifique qual é essa instituição e verifique a seriedade dela”, completa a delegada Bianca Prado.
 

Diário da dor


Veja exemplos de agressões e outras situações que já foram relatadas em depoimentos à Polícia Civil:

Castigos
» Idosos que deixavam comida ou objetos cair ficavam sem água e comida por períodos que podiam chegar a três dias

Agressões
» Pacientes também eram punidos com golpes de bengala, socos, pisões e tapas no rosto. Em um dos casos um idoso teve a cabeça pisada depois de cair no chão. Em outro, uma idosa foi agredida com socos nos seios

Apropriação de dinheiro
» Há relatos de que a dona do asilo retirou dois meses de aposentadoria de um idoso depois que ele morreu. A polícia investiga se a subtração era rotina

Coação
» Uma idosa disse ter se sentido ameaçada a assinar uma procuração que dava totais poderes à dona do asilo em seu nome

Mortes
» Sete óbitos podem ter relação com as torturas praticadas dentro do asilo, sendo três no mês de julho. Em uma delas, a Polícia Civil acredita que há fortes indícios dessa relação.

Punição
» Se confirmada a tortura como causadora de morte, a pena pode chegar a 16 anos de cadeia 
 


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