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Estado de Minas

Autoridades investigam ações ambientais irregulares no pós-tragédia de Mariana

Extração irregular de minério e corte de mata ligados a obra para recuperar via soterrada no desastre com a Barragem do Fundão estão sendo investigadas. Denúncias envolvem prefeitura e empresas


postado em 07/07/2019 06:00 / atualizado em 07/07/2019 08:59

Pedreira de Monsenhor Horta, onde a extração teria sido iniciada em 2016, antes de a licença ser concedida. Vegetação recua na área, mesmo sem autorização para corte(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Pedreira de Monsenhor Horta, onde a extração teria sido iniciada em 2016, antes de a licença ser concedida. Vegetação recua na área, mesmo sem autorização para corte (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Mariana – Enquanto olhos e mentes se impressionavam com as imagens de devastação e com a morte de 19 pessoas após o rompimento da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, em Mariana, em 2015, diversas ações emergenciais precisaram ser implementadas. Sobretudo para aliviar as comunidades que ficaram isoladas, sem luz, água potável, mantimentos, medicamentos e transporte. Mas nem tudo em meio a esse esforço ocorreu de forma regular. Irregularidades já são alvo de investigações, com foco em duas jazidas das obras de cascalhamento de estradas rurais soterradas por parte dos 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram do barramento.

Extrações não licenciadas de minerais, devastação de cerca de 35 mil metros quadrados de mata atlântica sem autorização, mineração predatória com extenso passivo ambiental e suspeitas de fraudes fiscais na circulação de insumos são apuradas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e pela Receita estadual, e estão também no foco de várias denúncias encaminhadas às forças de segurança pública. Entre os suspeitos de ter cometido as irregularidades estão a Prefeitura de Mariana e as empresas de engenharia Britacon e Conterplan.

Em 2 de fevereiro de 2017, a Prefeitura de Mariana recebeu da Semad uma Autorização Ambiental de Funcionamento (AAF 00700/2017) para extrair cascalho destinado a utilização imediata na construção civil e com isso realizar obras emergenciais. Estradas soterradas e pontes em comunidades isoladas seriam beneficiadas, entre outros empreendimentos. Contudo, no local a que se destinava a autorização, na estrada para o distrito de Camargos, caminho para Bento Rodrigues, não há cascalho, gnaisse ou rocha semelhante que possa ser usada com essa finalidade. A montanha, ao contrário, contém minério de ferro, material que não é adequado para a pavimentação ou para a construção civil, de acordo com as investigações, e exige licenciamento específico para pesquisa, exploração e comércio.

SEM LICENÇA

Segundo a Semad, nem a prefeitura nem as empresas têm licenças para extração de minério de ferro. Há denúncias de que o material vinha sendo removido desde 2016, antes de a autorização ser emitida para a prefeitura. Além disso, a área de mata atlântica carecia de uma autorização especial para que a vegetação nativa fosse removida. Mas, desde 2016, perdeu quase 23 mil metros quadrados de cobertura arbórea.

Os agentes da Semad chegaram a fiscalizar e a punir os envolvidos nessa situação. Em dezembro de 2018, entraram na jazida de extração de cascalho, constataram que havia remoção de material sem licença específica e confirmaram que se tratava de minério de ferro. Na área da cascalheira foram emitidos oito autos de infração, nos quais a Prefeitura de Mariana foi multada por operar atividade degradadora do meio ambiente sem a devida licença ambiental (extração de cascalho).

A administração municipal foi punida também por operar atividade degradadora do meio ambiente sem a licença de operação, no caso, extração de minério de ferro. Pelo Auto 197.151/2019, os fiscais puniram a prefeitura por suprimir vegetação de espécies nativas em área comum sem a autorização do órgão ambiental. A empresa de engenharia Conterplan, que tinha contrato com a prefeitura, também foi autuada pelos processos 197.152/2019, AI 197.154/2019 e 197.158/2019 por operar atividade degradadora do meio ambiente sem licença de operação e por suprimir vegetação de espécies nativas em área comum sem autorização do órgão ambiental.

A partir de novembro de 2016, a mineradora Samarco passou a comprar cascalho para as obras emergenciais nos locais atingidos pela ruptura da Barragem do Fundão. Quem fornecia parte dos insumos era a empresa Britacon, que declara operar uma jazida de gnaisse na Fazenda Volta do Girau, em Lavras Velhas, no distrito de Monsenhor Horta, também no município de Mariana. Contudo, só em 2017 a empresa conseguiu licenciamento para extrair as rochas que seriam vendidas como cascalho.

Nesse período, a jazida de Monsenhor Horta ficou praticamente parada. Pelo menos oficialmente, uma vez que há dezenas de notas fiscais de entrega de cascalho em nome da Britacon expedidas desde 2016. Nessas notas, o endereço que constava da Britacon era o da fazenda que ainda não tinha licença para remover o material. A Receita estadual investiga se a empresa estava usando o minério de ferro da cascalheira municipal como sendo cascalho e repassando para outras empresas com a anuência da Prefeitura de Mariana ou se removia de alguma outra fonte ainda não identificada.

Analisando a evolução de imagens de satélite pode-se constatar que a cascalheira municipal de Mariana começa a ser ampliada e a perder sua cobertura florestal desde 2016, antes de a Autorização Ambiental de Funcionamento em favor da administração municipal ter sido emitida. A vegetação é derrubada de forma mais acelerada em 2017, somando a perda de 13.314 metros quadrados, sem que houvesse licença para tal desmate. Na pedreira de Monsenhor Horta, que é onde alegadamente a Britacon minerou o cascalho enviado para a Samarco desde 2016, também quando não tinha licença, a vegetação só recua, demonstrando atividades mais intensas a partir de 2018, chegando a ter 11.524 metros quadrados de floresta cortados naquele ano. Também não há licença ambiental para a remoção de mata atlântica, segundo a Semad.

Uma das suspeitas é que a Britacon seja de mesma propriedade da empresa de engenharia Conterplan, que devido a vários problemas legais não pode figurar entre os fornecedores da Samarco. Isso porque caminhões da Britacon que faziam a extração na cascalheira teriam sido vistos fazendo as entregas para a Samarco e utilizando o endereço da fazenda Volta do Girau, no distrito de Monsenhor Horta. De acordo com as investigações, a extração de minério de ferro poderia ter rendido cerca de R$ 3 milhões, referentes a 70 mil toneladas de material removido.
Citados não se manifestam

Consultadas sobre as suspeitas, a prefeitura e as duas empresas Britacon  e Conterplan não se manifestaram. Por meio de nota, a Samarco, dona da barragem que se rompeu em 2015 e que está com as atividades paralisadas desde então, informou que a recuperação de estradas públicas e acessos privados para restabelecer as condições de tráfego depois da tragédia está entre a série de medidas emergenciais que realizou nos últimos anos em atendimento  a determinação de órgãos públicos. 

Nesse contexto, diz o texto, “foi regularmente contratada empresa para fornecer cascalho laterítico, utilizado na recuperação de estradas não pavimentadas, sendo esse material inservível para aproveitamento econômico na operação da Samarco”.

 A mineradora afirma ainda que “jamais adquiriu minério de ferro da empresa citada que, atualmente, não é sua fornecedora” e que “os devidos esclarecimentos já foram prestados às autoridades”. 
A assessoria de imprensa da Prefeitura de Mariana informou que o secretário de Meio Ambiente. Rodrigo Carneiro, está internado, e o prefeito, Duarte Júnior, em viagem, impossibilitando que a administração pública se manifestasse.

Degradação em crescimento


Mariana – Sem qualquer proteção, a montanha rica em minério de ferro era castigada por uma tempestade em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, a 115 quilômetros de Belo Horizonte. Essa forte chuva, que chegava em jatos, colidia diretamente na serra vermelha e nua, desprovida das árvores fechadas da mata atlântica, que foram cortadas pela mineração. Como cascatas, grandes volumes de água cor de barro despencavam de uma altura de 40 metros, varrendo o solo rico e formando um rio turvo, que atingia um quilômetro depois o Córrego dos Melo, afluente importante do Rio do Carmo. A erosão progressiva atinge sem clemência a cascalheira municipal de Mariana, uma área que foi aberta para ajudar com insumos as obras de recuperação de estradas, pontes e outras construções arrebatadas pelo rompimento de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro da Barragem do Fundão, operada pela Samarco, em 2015.

(foto: Placa que identifica empreendimento municipal tombada sobre monte de minério: sinal de abandono da área, onde efeitos negativos sobre o meio ambiente continuam)
(foto: Placa que identifica empreendimento municipal tombada sobre monte de minério: sinal de abandono da área, onde efeitos negativos sobre o meio ambiente continuam)


Além da remoção de minério de ferro sem licença, do corte não autorizado da mata atlântica e das suspeitas de uso de minério para fins particulares como se fosse cascalho, os prejuízos da exploração dessa área continuam a provocar efeitos negativos sobre o meio ambiente. A reportagem do Estado de Minas esteve na cascalheira e pôde verificar que todo o terreno foi abandonado pelas atividades municipais, uma situação que agrava a degradação ambiental, chegando a atingir o Rio do Carmo, um dos mananciais mais devastados pelo rompimento da barragem, ao lado dos rios Gualaxo do Norte e Doce, num ponto em que a água ainda não chegou a ser contaminada pelos rejeitos desprendidos de Fundão.

Para chegar até a cascalheira, toma-se a estrada de Camargos, que leva também a Bento Rodrigues, a comunidade abandonada depois de ser soterrada pelos rejeitos. Um pouco antes se chega às obras de construção da nova Bento Rodrigues, que é erguida pela Fundação Renova para que as cerca de 300 famílias de moradores da vila destruída sejam acolhidos. São 7,5 quilômetros do Centro de Mariana até a cascalheira. A estrada é muito utilizada por ciclistas, por se tratar de uma das vias da Estrada Real, um movimento que ainda não voltou a ser o mesmo desde o rompimento. Ao longo da via, a mata atlântica é vigorosa, permeada por propriedades rurais e cortada por cursos d'água. A visão da cascalheira municipal é um rombo nessa paisagem, um morro de terra vermelha cercado pela floresta.

Logo nos acessos dessa área de produção já se notam os sinais de abandono. A placa que identifica o empreendimento municipal está tombada sobre um monte de minério à margem da estrada. Nela consta a identificação da cascalheira e há um alerta para que apenas pessoas autorizadas entrem no terreno. Mas isso também não é suficiente para frear invasões. Bem próximo a essa placa, cresce um monte de entulho formado por restos de construção civil e lixo doméstico.

Isso mostra que caminhões com tijolos, blocos, azulejos, ferragens, latas de tintas, solventes e verniz invadem esse espaço e ali despejam os resíduos de suas atividades, sendo seguidos também por moradores que por lá depositam lixo de suas casas. Com a força das águas que desce do terreno aberto para a mineração, esses resíduos engrossam a contaminação dos recursos hídricos e ingressam no Rio do Carmo.

Percorrendo o terreno entre os cursos de água barrenta que descem pelo morro, observa-se que o processo erosivo já fez despencar várias curvas que formaram a cava durante o processo exploratório. Grandes voçorocas se ampliam, engolindo o terreno e injetando minério e resíduos nas enxurradas formadas pelas chuvas que caem sobre aquele terreno.

SEM ATIVIDADE A reportagem constatou também que as atividades da jazida de gnaisse de Monsenhor Horta, onde a empresa Britacon afirma operar, estão completamente paradas e a vegetação que constava nas imagens de satélites foi removida. Segundo a Semad, isso ocorreu sem licenciamento. Com as chuvas, a água também desce carreando resíduos, sobretudo aqueles vindos das estradas internas. Mais uma vez o destino é o Rio do Carmo, que corre no vale imediatamente abaixo desse terreno.

Em 11 de setembro de 2017, a fiscalização ambiental da Prefeitura de Mariana e a Polícia Militar do Meio Ambiente realizaram uma fiscalização na jazida de Monsenhor Horta, operada pela Britacon. Foram lavrados os autos de infração 76.365 e 76.366 ao se constatar, sem que houvesse licença, a implantação de uma pilha de rejeitos, a abertura de uma estrada para transporte de material extraído e a extração de vegetação nativa e exótica. As multas geradas somaram R$ 23.238,13.

Procuradas, nem a prefeitura nem a empresa se manifestaram.


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