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Estado de Minas

MP usa contas da própria Vale para cobrar da mineradora quase R$ 10 mi por morte

MP do Trabalho acusa mineradora de ignorar as próprias avaliações ao propor indenizações a famílias de funcionários. Estudo interno classifica como %u2018reduzidos%u2019 valores fixados pela Justiça


postado em 27/03/2019 05:09

Bombeiros em instalações onde estavam vários trabalhadores no momento da catástrofe: companhia propõe valores muito abaixo dos que ela própria avalia como justos(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
Bombeiros em instalações onde estavam vários trabalhadores no momento da catástrofe: companhia propõe valores muito abaixo dos que ela própria avalia como justos (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )


“Observa-se que, considerando a política e valores da Vale, nas quais a vida humana está em primeiro lugar, cabe destacar que os valores que vêm sendo arbitrados (pela Justiça para indenizações por mortes) são bastante reduzidos.” A frase faz parte de análise do Departamento de Planejamento e Desenvolvimento Ferroso da mineradora, elaborado em 1981 e atualizado em junho de 2015. Nele, a empresa precifica a vida, em caso de rompimento de barragens, em US$ 2,6 milhões (cerca de R$ 10.046.400). De olho no que considera mais uma manobra que burla os próprios procedimentos – a Vale propôs, a título de indenização para vítimas do desastre de 25 de janeiro, valores bem abaixo do que ela mesma projeta – o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com ação na Justiça cobrando pagamento de valores que variam de R$ 8 milhões a R$ 9,5 milhões por família de 242 trabalhadores mortos e desaparecidos na tragédia em Brumadinho. Outros R$ 2 bilhões de indenização à comunidade também são pedidos no processo. Solicitação de bloqueios para assegurar os pagamentos já chega a R$ 3 bilhões apenas na Justiça do Trabalho.

Os pedidos integram ação civil pública e coletiva e se referem a trabalhadores próprios da mineradora ou terceirizados. Por ser uma ação trabalhista, não engloba vítimas que moravam ou trabalhavam na zona de autossalvamento. Na ação civil coletiva, estão somados os danos material (na forma de pagamento de pensão) e moral, num total que chega a R$ 9,5 milhões. Os procuradores Geraldo Emediato de Souza e Luciana Marques Coutinho requerem o pagamento de pensão considerando a remuneração completa do trabalhador – o que inclui salário, média de horas extras, férias e 13º salário – até a data em que cada funcionário completaria 78 anos. Esse período tem como base a expectativa de vida no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A Vale, por sua vez, oferece um pagamento mensal correspondente a dois terços do salário líquido do trabalhador, até a data em que ele completaria 75 anos. “Isso é o que prevê a pensão previdenciária por morte. E não estamos falando de Previdência, mas de morte causada pela empresa”, contesta o procurador Geraldo Emediato, coordenador do Grupo Especial de Atuação Finalística do MP do Trabalho.

“Objetivamos a justa reparação, com base em alguns pontos comuns entre a Samarco (subsidiária da Vale e responsável pelo desastre em Mariana, em 2015) e a Vale. Esse é o segundo evento de responsabilidade da empresa. Laudos demonstraram que a Vale, ao despejar resíduos em Fundão (Mariana), que estava sendo alteada, foi responsável direta pelo rompimento. Laudos demonstraram o mesmo em Brumadinho”, ressaltou. “A empresa vem adotando uma conduta predatória, negligente e irresponsável e isso exige punição exemplar”, destacou.

Por danos morais, o MPT pede um mínimo de R$ 5 milhões por família, considerando o valor de pelo menos R$ 1 milhão por pessoa. Para Geraldo Emediato e Luciana Marques, os valores propostos pela Vale estão muito aquém do que deveria ser pago. A mineradora quer indenizar irmãos em R$ 75 mil, pai e mãe em R$ 150 mil e filhos e cônjuges ou companheiros(as) em R$ 300 mil. “Estamos postulando uma reparação justa. A empresa está tentando cooptar famílias para firmar acordos baixos, para servir de modelo na Justiça e, assim, indenizar indevidamente as pessoas”, denuncia Emediato. “Somente uma sanção exemplar e pedagógica pode evitar que uma tragédia ocorra de novo. A negligência matou mais de 300 pessoas e mais de 3 mil estão em alerta o estado.”

O procurador destaca a importância de as famílias não firmarem acordos individuais e esperarar o resultado da ação do MPT, que deve ser apreciada pela 5ª Vara do Trabalho nos próximos dias. “Uma vez firmado um acordo individual com advogado das famílias, o acordo é válido e a pessoa não pode entrar na ação coletiva”, ressaltou. Luciana Marques lembra que a legislação estabelece como grupo familiar ascendentes, descendentes, irmãos e pessoas que dependiam economicamente de cada trabalhador.

Aos empregados sobreviventes, o Ministério Público do Trabalho pediu a garantia de emprego para todos que atuavam na Mina Córrego do Feijão, sejam funcionários ou prestadores de serviço, durante três anos, prazo para descomissionamento da barragem, além de atendimento médico, psicológico e auxílio-creche. A justificativa é que embora não tenham sido vítimas diretas, esses empregados não têm como trabalhar. O MPT cobra ainda a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que dá direito a pensão previdenciária. Com expedição obrigatória até o dia seguinte ao acidente de trabalho, o documento ainda não foi emitido para todos. No próximo dia 1º a Vale terá de informar se já emitiu a comunicação.

A ação civil pública pede à Justiça que a Vale pague R$ 2 bilhões de indenização. Se acatada, MPT, Justiça do Trabalho, comunidade, prefeitura e sindicatos vão criar uma comissão para definir o destino do dinheiro. Ele poderá ser usado para equipar a Defesa Civil, construir um hospital na cidade, comprar viaturas, construir um memorial em homenagem às vítimas, para cursos de qualificação, entre outros.

BLOQUEIOS O MPT pediu ontem à Justiça também o bloqueio de R$ 2 bilhões da Vale para assegurar o pagamento das indenizações, em caso de vitória nas ações. O pedido para que R$ 1,6 milhão fiquem retidos já havia sido acatado em 27 de janeiro, dois dias depois da tragédia de Brumadinho. “A responsabilidade da Vale é objetiva e, ainda que não houvesse o dolo, a culpa, a responsabilidade do acidente de trabalho é do empregador”, concluiu o procurador.

Por meio de nota, a Vale informou que não foi notificada sobre a ação do MPT.


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