Os olhos verdes de Manuela estavam um pouco surpresos, mas logo a menina de 2 anos abriu o sorriso e até fez um coração com as mãos. Ao lado, a avó Rosângela Dietze, professora, agradeceu pela consulta e se despediu, enquanto a netinha dava um abraço no médico Rafael Pereira Freitas Mendes. Nos seus primeiros dias na Unidade Básica de Saúde do Bairro Morada do Rio, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Rafael, de 30, contratado pelo programa Mais Médicos, não tem do que reclamar. Natural de Araxá, na Região do Alto Paranaíba, e residente há 10 anos na capital, onde se formou na Faculdade de Ciências Médicas, ele diz que já pensa em se mudar para a cidade.
“É minha primeira vez em Santa Luzia, e não sabia que era tão grande, tem mais de 200 mil habitantes. Dei uma circulada pelo Centro Histórico, na terça-feira, quando cheguei, achei a cidade bonita, fiquei surpreso positivamente”, disse Rafael. Com a experiência de um ano em posto de saúde e depois seis meses numa Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) na capital, Rafael começou a fazer residência em ortopedia e resolveu trocar de área. “Tinha três opções de cidade para trabalhar e acabei escolhendo Santa Luzia”, afirmou o recém-contratado. Ao ouvir a avó de Manuela dizer que seu sobrenome era alemão (Dietze), o médico contou que, antes começar a estudar medicina, morou um ano na Alemanha, num programa de intercâmbio.
Em Santa Luzia já trabalham quatro médicos contratados pelo programa federal que desde 2013 empregava os profissionais cubanos chamados de volta pelo país caribenho. No total, serão 14 brasileiros, o mesmo número de médicos estrangeiros que partiram, informa a enfermeira Thaís Botter, diretora de Atenção Básica (PSF) da Secretaria Municipal de Saúde. Os brasileiros irão para 13 postos, pois havia dois cubanos em um deles. Thaís disse ainda que quatro já estão atuando nos bairros Morada do Rio, Nossa Senhora das Graças, Bonanza e Baronesa, este último no distrito de São Benedito. “A adesão superou minha expectativa. Eles se apresentaram rapidamente e demonstram vontade de trabalhar.” Na semana que vem, começam a atender nove profissionais e mais um vai se apresentar à secretaria.
No fim da manhã de quinta-feira, como de costume, a dona de casa Maria de Fátima dos Santos, de 55, foi à Unidade Básica de Saúde do Bairro Bonanza, na Estrada do Bananal, acompanhando o filho Deivison Antônio Conceição, de 32, portador de necessidades especiais. Ao sair da sala de consulta, era só elogios para a médica Luíza Fernandes, de 25, natural de Brás Pires, na Zona da Mata, e graduada no Rio de Janeiro (RJ). “Olha, não quero comparar com a médica cubana que ficava aqui, não! Mas essa doutora é excelente. Amei! Melhor impossível”, avaliou Maria de Fátima, na recepção, no maior carinho com o filho. “Aqui nesta unidade eles são muito bons em saúde mental”, testemunhou a mãe.
EM FAMÍLIA Na primeira consulta com a médica Isadora Leite Pessoa, de 25, mãe e filha entraram juntas: a primeira se queixando de dor no pé – “esporão”, revelou – e a segunda, de 11, com bronquite. As duas também gostaram e Cíntia Cristina Reis, dona de casa, brincou: “Falamos a mesma língua”, recebendo um sorriso da filha, Rafaela. Depois da consulta, Isadora, natural de São Lourenço, no Sul de Minas, e graduada em BH, se mostrou confiante na nova etapa do programa Mais Médicos. “Acredito que se trata de uma iniciativa muito oportuna para os recém-formados brasileiros”, disse a profissional, contratada para o Bairro Nossa Senhora das Graças, na sede do município, e que está substituindo outra profissional no Bairro Baronesa, em licença médica. Para Luíza, Santa Luzia e o Programa de Saúde da Família não têm mistério, pois atua na área há dois anos. “Gostei do local de trabalho. É muito organizado.”
Mas, na sala de espera do Baronesa, três mulheres se queixavam do atendimento, criticando a unidade básica de saúde, “onde faltam médicos, material e há sempre muita gente esperando”. Uma das mulheres não se conteve: “Está uma bagunça. Não adianta cubano, brasileiro, ninguém. Você chega aqui de manhã e fica até o meio-dia sem a tal atenção”. A diretora de Atenção Básica (PSF), da Secretaria Municipal de Saúde, Thaís Botter, informa que as críticas não procedem. “Não falta material. A médica do Bairro Nossa Senhora das Graças foi deslocada para o Baronesa, devido à licença da profissional que trabalha lá. A demora é porque há muita gente para ser atendida”, afirma.
Enquanto isso...
... Preenchimento de vagas chega a 98%
De acordo com o Ministério da Saúde, o novo edital do programa Mais Médicos mostra que os profissionais brasileiros têm escolhido municípios mais vulneráveis do país. De acordo com o balanço divulgado na quinta-feira, dos 8.366 médicos que já estão aptos a se apresentar aos gestores locais, 53,3% escolheram cidades com maior vulnerabilidade. Os profissionais que escolheram as periferias das capitais e regiões metropolitanas somaram 17,3%. De acordo com as regras do programa, os perfis das localidades variam de 1 a 8 de acordo com vulnerabilidade, sendo 8 os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei). Até a tarde de quinta-feira, havia 33.542 inscritos com registro (CRM) no Brasil. Desse total, 8.366 profissionais já estão alocados no município para atuação imediata. Ou seja, mais de 98% das vagas já foram preenchidas.
Memória
Problemas na substituição
Após cinco anos enviando profissionais de saúde para o Brasil, o governo de Cuba saiu do programa Mais Médicos. Em 14 de novembro, o país caribenho decidiu repatriar seus cidadãos, diante de críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Ainda em campanha, o político afirmou que usaria o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, conhecido como Revalida, para testar os conhecimentos dos cubanos que atuavam no país. Com as vagas abertas, o Ministério da Saúde publicou edital para selecionar brasileiros que quisessem aderir ao programa. Porém, um terço dos inscritos para substituir os estrangeiros abandonou vagas em seus postos de saúde de origem, criando um déficit de 2.844 profissionais em outras localidades. A situação foi mapeada pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Minas Gerais é o estado mais afetado.