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Estado de Minas

20 anos do Enem: a evolução e o que pode mudar com a chegada do novo Governo

Avanços no exame nacional refletem o perfil de universitários que se quer formar, entre ênfase nas questões ideológicas e sociais ou nas ciências exatas. Conceito de cidadão está na origem do teste


postado em 11/11/2018 06:00 / atualizado em 12/11/2018 15:36

Primeiro dia de provas do Enem na PUC Minas do Coração Eucarístico: este ano, 5,5 milhões se inscreveram para fazer o teste(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Primeiro dia de provas do Enem na PUC Minas do Coração Eucarístico: este ano, 5,5 milhões se inscreveram para fazer o teste (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

No início, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) surgiu sem grandes pretensões. Passados 20 anos, consolidado como a maior e mais importante avaliação do país, mudou mais o objetivo que a prova em si. Enunciados longos permanecem, embora já tenham sido maiores. Assim, algumas das premissas da avaliação se consolidam a cada edição, especialmente a exigência de leitura e interpretação de texto, não só em linguagens, mas em todas as áreas. O teste, que antes era por disciplinas, transformou-se em áreas de conhecimento. A interdisciplinaridade foi trazida para a prova, cobrando do estudante a capacidade de relacionar vários conteúdos para solucionar problemas.


“O cerne do Enem, desde as primeiras provas, continua em termos de conteúdo e de problemas contextualizados na vida real, na sociedade”, afirma a educadora, consultora e doutora em educação pela PUC-Rio Andrea Ramal. Ela ressalta que todas as finalidades atuais da avaliação, desde que substituiu o vestibular e ganhou uma série de políticas sociais associadas, deu à prova um caráter decisivo. “Tudo isso depende do bom desempenho no exame. Antes, era apenas uma prova de conhecimento sem finalidade decisiva. Hoje, pode definir até carreiras – dependendo da pontuação, o aluno pode entrar no curso e na universidade que quer; outros, só para entrar na universidade, acabam mudando a escolha da profissão”, relata.

Ao mesmo tempo em que agrega possibilidades, o exame escancara, a cada edição, a desigualdade de ensino no país, na opinião da educadora. “Diante de um ensino médio deficitário, a desigualdade entre quem estuda numa escola boa e outro que não estuda aparece justamente no Enem. Mas não porque a prova seja desigual, e sim porque os estudantes já chegam desiguais”, afirma Andrea.

Embora mantendo algumas de suas marcas, a exemplo da interpretação, o Enem precisou se renovar para dar um salto. Até 2008, primou pela interpretação de texto e pouco conteúdo. Segundo o educador e ex-formador do Ministério da Educação Geraldo Júnio, diretor do Colégio Arnaldo, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o MEC teve que superar esse entrave para ganhar abertura, a confiança das universidades e tornar o exame porta de ingresso para elas. Afinal, os vestibulares tradicionais avaliavam todas as áreas do conhecimento. Por isso, em 2009, surgiu o novo Enem, cujos moldes permanecem até hoje.

Naquele ano, com a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para a seleção de alunos das graduações, a teoria de resposta ao item (TRI) passou a ser adotada para a correção das provas. Outra mudança foi a adoção de quatro grandes áreas na matriz de referência: ciências, ciências da natureza, matemática, e linguagens e códigos. O exame passou a ter 180 questões objetivas, além da redação e, por isso, a aplicação que antes era em um domingo passou a ocupar dois dias. A prova também podia ser usada para certificação de conclusão do ensino médio, com o mínimo de 400 pontos em cada área e 500 pontos na redação. Outro marco foi o ano de 2013, quando, pela primeira vez, todas as instituições federais de ensino superior passaram a usar o Enem como critério de seleção para novos alunos.

Para Geraldo Júnio, um dos principais desafios atualmente é definir o perfil dos universitários que se quer para o país. “Qual a base informativa, pessoas mais técnicas com conhecimentos matemáticos ou mais de humanas? O tipo de nação reflete no foco central do governo, que dará mais peso a questões ideológicas ou de ciências exatas, conforme o perfil de cidadão que quer formar”, avalia. “Um dos motivos da criação do Enem é ser o referencial de avaliação de política pública. O uso desses dados para definir o déficit na educação básica, quais estados evoluíram ou não, é importantíssimo. Mais ainda que o fato de ser ingresso para o ensino superior. E nos esquecemos dessa origem. A partir disso, podemos traçar o perfil do universitário e as políticas.”

O estudante Lucas Fernandes Tavares, de 19 anos, aluno do 2º período de economia da PUC Minas, fez as provas do Enem no ano passado. “Vimos no colégio as matérias do ensino médio durante o 1º e o 2º anos e, no 3º, nos dedicamos à revisão para o Enem. Nos sábados e domingos havia mais provas, simulados e atividades. Acabava a aula na sexta-feira esgotado e tinha ainda que enfrentar simulados no fim de semana. Depois de julho foi ainda mais intenso, com o agravante de ter a preparação para o exame e a obrigação de ser aprovado no colégio. Caso contrário, nada adiantaria”, lembra o jovem, então estudante do Coleguium.

Lucas conta que, embora tenha passado o ano todo com a ideia de se acostumar com o tempo de prova e outros detalhes para ficar tranquilo durante o teste, não foi bem isso o que ocorreu. “Na hora da prova, é diferente. Você não está no ambiente da sua escola, não está com os colegas e ainda pensa que estudou três anos para estar ali. O estresse é muito grande. É tudo ou nada. O fato de ter feito tantos simulados ajudou em relação a quem não teve a mesma preparação, mas o cansaço e o estresse falam alto na hora”, relembra.

MUDANÇAS
Um novo modelo de currículo e as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tornam iminentes aprimoramentos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas, polêmicas lançadas logo depois do primeiro domingo de provas, na semana passada, fazem pairar no ar dúvidas sobre mudanças que podem afetar, justamente, algumas das marcas registradas da avaliação. A presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, idealizadora do exame, defende o teste: “O Enem não é do PSDB, não é do PT. É do Brasil. E tenho expectativa de que ele continue assim”.

O vereador Carlos Bolsonaro (PSL/RJ), filho do presidente eleito Jair Bolsonaro, afirmou em redes sociais que o Enem precisa de mudanças por continuar “petista”. Logo depois, o irmão dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, criticou a questão 37 do caderno de Linguagens, que abordava o socioleto – uma variante da língua falada por um grupo social – empregado por travestis e homossexuais, conhecido por pajubá, considerado elemento do patrimônio linguístico. Mais tarde, em entrevista ao vivo a uma emissora de televisão, o próprio Jair Bolsonaro também criticou a abordagem da prova.

Questões sociais, sobre direitos humanos e ligados às minorias, sempre permearam o Enem, na redação ou em questões de múltipla escolha, desde a primeira edição. A consultora Andrea Ramal ressalta que neste ponto o exame é alinhado a teorias mais modernas da educação, que saem do conteúdo objetivo e exigem análise crítica de questões sociais e ligadas à cidadania. “Elas incorporam valores que a sociedade considera importantes, como inclusão de deficientes, meio ambiente e a questão de gênero. Tudo isso só aparece no Enem porque é tema discutido na sociedade em geral”, destaca. Sobre possíveis mudanças nesse aspecto específico da prova, ela considera prematuro fazer especulações. “Vai depender da autonomia que o MEC e o Inep tiverem.”

Para o educador Geraldo Júnio, diretor do Colégio Arnaldo, mudanças nesse sentido são possíveis, mas pouco prováveis para o ano que vem. “A discussão de minorias é parte da sociologia e está impregnada na matriz curricular. Por isso, primeiro é necessário alterar a matriz para depois modificar a avaliação”, diz. Ele destaca ainda as discussões sobre a BNCC. “O Enem sofrerá mudanças, mas por uma evolução da educação. Pode haver alteração em questões por questões políticas, mas mudar algo que deve estar pronto em agosto é um prazo muito curto.”

 

 


(foto: GladystonRodrigues/EM/D.A Press)
(foto: GladystonRodrigues/EM/D.A Press)

COMO O ENEM MUDOU A MINHA VIDA

Jonas Damaceno Emiliano, de 19 anos, 2º período de medicina
na Faculdade de Ciências Médicas

Moro no Bairro Santa Helena e estudei como bolsista na unidade do Bairro Industrial, no Barreiro, do Colégio Santo Agostinho. Passei no Sisu em 1º lugar, no curso de engenharia de minas da UFMG. Gosto muito de química, por isso tinha interesse em engenharia. Não tentei medicina porque minha pontuação não dava – tirei 750 e a nota de corte foi 780. Passei em medicina em outra universidade, mas queria nas que são referências para mim: UFMG ou Ciências Médicas. Nela, fiquei na lista de espera e, depois de uma semana, me chamaram. Fiquei em 1º lugar no Prouni e consegui bolsa de 100%. Durante o ano passado todo, me trancava no quarto nos fins de semana para fazer provas passadas e, com uma garrafa d’água e uma barra de cereal, simulava o ambiente da prova. Fazia redações toda semana, sem exceção, e decorava a estrutura delas. Tirei 980 na produção de texto. Perdi 20 pontos em algum erro de português. O que apertou mais foi o segundo domingo de provas, pois não dei tanta atenção às questões mais fáceis. O Enem é uma ótima ferramenta para o jovem de hoje mudar sua expectativa de vida. Meu pai é pastor e minha mãe, costureira. Sou o primeiro a fazer uma faculdade. Não teríamos condição de pagar R$ 7 mil de mensalidade. O Enem permite acesso ao ensino superior tanto a quem tem condição de pagar quanto a quem não tem.”

 

Três perguntas para...

Maria Inês Fini,
presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), idealizadora do Enem

 

Qual avaliação a senhora faz desses 20 anos?


É uma das políticas mais vitoriosas em termos de avaliação. Tinha um formato de prova, passou para outro. Tem ajudado quase 100 milhões de jovens a realizar o sonho de acesso ao ensino superior.

De todas as mudanças ao longo de 20 anos, qual a senhora destaca como sendo a mais significativa?


No ano de 2009, o exame mudou para cumprir um papel de grande formatação. O Haddad (então ministro da Educação, Fernando Haddad) usou outra referência que já eu havia feito em 2002 para o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos). Pegou matriz do Encceja, reduziu um pouco e usou para evidenciar quatro áreas do conhecimento e não só uma prova integrada que juntava as quatro áreas. Também vieram a interdisciplinaridade, contextualização e qualquer tipo de tarefa cognitiva usada para a solução de problema. O Brasil teve essa chance no início dos anos 1990. O Renato (Paulo Renato Souza, então ministro da Educação) queria acabar com a história de os meninos viajarem de um canto ao outro para fazer vestibular. Não queria um vestibular nacional, mas bastante diferente e nos demandou um exame com possível aplicação nos processos seletivos das universidades, como alternativa ou complemento. Havia toda uma ebulição em torno do conceito de aprendizado, segundo o qual informação não é conhecimento e memória não é inteligência. Trabalhamos muito e nos esforçamos para fazer esse tipo de prova diferente que está voltada para a nossa educação.

Abordar questões sociais e de direitos humanos é uma marca da prova. E houve críticas na semana passada em relação a isso. Há possibilidade de mudanças na prova a partir do ano que vem?


Identificar as características de um dialeto não vai transformar um participante em gay. É uma tipologia do texto e a resposta está no próprio enunciado da prova. É uma falta de respeito com a juventude imaginar que ela vai ser influenciada se ler uma prova assim. O Enem sempre procurará fazer abordagens sobre questões da nossa sociedade. Respondo por oito Enems. Os temas das redações têm sido polêmicos, são momentos de reflexão da juventude. Há uma provocação muito grande e preferi me calar ao longo da semana, para não entrar nesse jogo. Há várias associações nacionais de escolas e grupos se manifestando a favor do Inep e do Enem. É uma cena que eu gostaria de ter evitado. É desconsiderar a juventude brasileira. Esse é um exame da cidadana.

 

Não perca, neste domingo gabarito extraoficial das provas do Enem 2018, parceria Chromos/Portal Uai.


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