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Estado de Minas

Aluna do Belas Artes denuncia censura da UFMG a exposição

Exposição ''Corparte: corpo e arte, parte e cor'' foi considerada inapropriada para exposição por causa de menores que circulam pelo câmpus


postado em 22/06/2018 13:13 / atualizado em 22/06/2018 21:36

(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
A exposição “Corparte: corpo e arte, parte e cor”, em que a estudante de Artes Visuais da UFMG, Sylvia Triginelli, retrata corpos nus de mulheres negras e gordas, foi alvo de censura pela escola de Belas-Artes da universidade. 

O trabalho mistura pintura e fotografia “usando apenas a câmera, sem edições”, como define a artista e foi considerado inadequado para exposição no prédio. 

(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
A exposição é "resultado do trabalho final da disciplina de fotografia do curso”, explica a aluna. “Conversei com o professor, pedi ajuda para consolidar a proposta e elaborei um relatório para ele. A ideia era trabalhar com modelos negras e gordas”, revela. “Ele achou ótima e disse que eu poderia expor o trabalho”. 

Sylvia Triginelli conta que, durante os meses nos quais se dedicou à produção das fotografias, usou material da UFMG, como câmeras profissionais, e trabalhou com três modelos. “Comecei a estudar pintura e percebi que havia um padrão de corpo nas mulheres que eram representadas. Quis fazer aparecerem os desenhos naturais do corpo, queria captar a beleza natural”, explica. 

(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
(foto: Sylvia Triginelli/Divulgação)
O trabalho, exposto no dia 13 de junho, foi censurado logo após a montagem. “O superintendente da escola de Belas-Artes veio falar comigo. ‘Você tem permissão?’ De quem? As fotos são de nudez explícita! Não podem ficar aqui”.

A aluna explica que o professor dela, que autorizou a exposição, também é vice-diretor da escola de Belas-Artes e teve uma conversa com o superintendente. “Me deram duas opções. ‘Ou você tira as obras, ou censura a nudez’”, diz. De acordo com alunos ouvidos pela reportagem, o superintendente teria alegado que a censura das imagens se deu por elas estarem expostas em um local de passagem de menores, em referência aos alunos da Cruz Vermelha que transitam pela UFMG. 

Repercussão

(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)
(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)
A decisão de censurar a exposição indignou alunos e professores da escola de Belas-Artes. “Não é a primeira vez que isso acontece na escola, os alunos pegaram a minha dor”, conta Sylvia. 

Dias após a censura, uma intervenção no prédio em protesto ao ocorrido foi realizada. “Na quarta-feira fizemos um protesto silencioso. Mais de 50 artistas e professores participaram. Ficamos sentados sem roupa, mas com papel vegetal por cima do corpo”, explica. 

Além do apoio dos alunos, o professor do Departamento de Artes Visuais da UFMG, Marcos César de Senna Hill, publicou uma carta aberta em repúdio à atitude da universidade. “Me senti fortemente atingido pela situação constrangedora de cerceamento da liberdade de expressão e sem nenhuma possibilidade de diálogo”, escreveu. No texto, o professor cita o “Guia Prático de Classificação Indicativa”, produzido em 2012 pela Secretaria Nacional de Justiça a partir do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça. No documento, há uma determinação que permite a classificação “livre” para obras que tenham “nudez de qualquer natureza, desde que exposta sem apelo sexual, tal como em contexto científico, artístico ou cultural”. 

(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)
(foto: Sylvia Triginelli/Acervo Pessoal)
A comissão de Direitos Humanos da OAB-MG também emitiu uma nota de repúdio à censura, na qual afirmou que “não há nada de apelativo ou erótico” na exposição e classificou o episódio como um “fantasma da censura”. 

Para Sylvia, a repercussão da obra e a censura estão relacionadas a velhos preconceitos. “Tenho duas visões em relação ao que aconteceu. A primeira é que hoje está acontecendo uma onda conservadora que está revivendo velhos preconceitos”, explica. A outra razão é a nudez de mulheres gordas e negras. “Outros alunos já me relataram que fizeram exposições parecidas só que com mulheres dentro dos padrões de beleza e nada disso aconteceu. Não é só o conservadorismo. Na porta do Belas-Artes têm uma Vênus de Milo”, argumenta. “Pretendo continuar trabalhando com esses corpos, se deu essa repercussão é porque eles ainda incomodam. Em setembro, vou levar a exposição para o Pará”, conta. 

De acordo com Sylvia, depois da divulgação da carta aberta e da manifestação dos alunos, a exposição foi liberada e pode ser acessada na Escola de Belas-Artes. 

O outro lado

Na noite desta sexta-feira, em nota assinada pelo diretor Dr. Cristiano Gurgel Bickel, a Escola de Belas-Artes da UFMG se manifestou sobre o caso. De acordo com o órgão, na manhã do último dia 13, o superintendente da Escola decidiu "suspender temporariamente a montagem da exposição", devido à mostra não apresentar classificação indicativa alguma, norma exigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). 

No dia seguinte, 14 de junho, segundo o diretor, a aluna Sylvia Triginelli e sua mãe compareceram ao Diretório Acadêmico da Escola, com intuito de esclarecer a questão. Na ocasião, segundo a direção, a instituição "prestou os esclarecimentos sobre o ocorrido, reafirmando que não houve nenhuma intenção de censura, mas sim a preocupação institucional de que a exibição pública da obra artística estivesse em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente". 

No mesmo dia, em reunião da Congregação, a direção da Escola, o professor da disciplina e a representação estudantil prestaram os mesmos esclarecimentos à comunidade, de acordo com o relato feito pelo diretor Dr. Cristiano Gurgel Bickel.

Ainda segundo a Escola de Belas-Artes, não houve qualquer tipo de censura, mas sim uma reafirmação de "sua conduta de respeito ao exercício livre da expressão artística, garantido pela Constituição Federal brasileira, em harmonia com o Estatuto da Estatuto da Criança e do Adolescente".

Diante do posicionamento, a estudante Sylvia Triginelli disse que nenhuma informação foi passada pela Escola sobre a necessidade de indicar a faixa etária em exposições. “Nunca foi passado para os alunos essa informação. Tanto que tive uma reunião com o vice-diretor e o diretor, e colocamos, eu e um advogado, que nunca recebemos essa informação”, disse.

Ela informou, ainda, que depois da divulgação da carta aberta e da manifestação dos alunos, a exposição foi liberada, com faixa etária livre, e pode ser acessada na Escola de Belas-Artes. A informação sobre a liberação foi confirmada pela Escola de Belas-Artes.

(Conteúdo atualizado por João Henrique do Vale e Gabriel Ronan)
 
*Estagiário sob supervisão do editor Benny Cohen  


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