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Estado de Minas

Tragédia de Janaúba escancara crise no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte

Chegada das vítimas mais graves de incêndio em creche encontrou hospital de referência operando no limite. João XXIII enfrenta crise financeira, falta de pessoal e de equipamentos


postado em 14/10/2017 06:00 / atualizado em 14/10/2017 07:30

Gigante com média superior a 3 mil cirurgias mensais, Hospital de Pronto-Socorro trabalha à máxima capacidade e ativou plano de catástrofe em meio a crise que se agrava há três anos(foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press)
Gigante com média superior a 3 mil cirurgias mensais, Hospital de Pronto-Socorro trabalha à máxima capacidade e ativou plano de catástrofe em meio a crise que se agrava há três anos (foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press)

Uma máquina que nunca para, trabalha a todo vapor e que tem sofrido em suas engrenagens o peso da crise financeira na saúde enfrenta, desde a última semana, um de seus maiores desafios. O Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, referência em Minas no atendimento a politraumatizados, intoxicação e queimados, ativou seu protocolo de catástrofe para receber 11 vítimas do incêndio na creche em Janaúba, no Norte de Minas, no último dia 5, que já provocou 11 mortes. Essa não é a primeira vez que o plano de contingência para atendimento a múltiplas vítimas é acionado, mas, agora, ocorreu em meio a um problema que se arrasta há cerca de três anos. Na unidade, funcionários convivem com atraso e parcelamento de salários, faltam médicos e outros profissionais de saúde, equipamentos estragados demoram a ser consertados ou repostos e até mesmo insumos chegam a faltar nos estoques, o que atrasa procedimentos e cirurgias. Há ainda deficiências na infraestrutura física. Funcionários sustentam que a situação afeta o trabalho e cobram melhorias e investimento na unidade de urgência e emergência que realiza 340 atendimentos por dia.

 

No dia da tragédia na cidade do Norte de Minas, o vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, ateou fogo a cerca de 35 crianças, professoras e ao próprio corpo dentro de uma sala de aula da Creche Gente Inocente, onde trabalhava. No mesmo dia, crianças começaram a ser transferidas para o HPS, vindas de avião e entubadas. Algumas tinham até 90% do corpo queimado, em quadro considerado gravíssimo. O ato criminoso deixou nove crianças e uma professora morta e mais de 40 feridos. O autor do ataque também morreu, ainda no local.

Um dia antes do incêndio, o diretor do João XXIII, Sílvio Grandinetti, já havia detalhado a situação preocupante da unidade a integrantes da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que visitaram o hospital. Na ocasião, foi constatado, segundo parlamentares, que o sistema elétrico apresentava defeitos, elevadores estavam em estado crítico, o projeto de segurança e incêndio está defasado e que em alguns casos falta até água quente para banho de pacientes. A carência de pessoal e a falta de verba também ficou constatada na visita à instituição. Somente no quadro de médicos, o déficit observado foi de 65 profissionais. “Perdemos profissionais em função das condições precárias de trabalho, e não temos governabilidade sobre o pagamento dos salários, que é feito pela Secretaria de Estado de Planejamento”, informou a assessoria de imprensa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), por meio de nota.

"É inevitável que toda essa situação acabe afetando o atendimento. O hospital está sempre cheio e equipes estão desfalcadas por aposentadorias e afastamentos, e as reposições não ocorrem sempre"

Marcos Mafra, coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica

Na ocasião, o diretor disse ainda que o HPS precisar de uma obra estrutural no valor de R$ 100 milhões, mas que não há perspectiva para chegada do recurso. Ele explicou que o custo de manutenção mensal do estabelecimento é de R$ 5 milhões, mas que o faturamento não chega a R$ 3 milhões. A assessoria da Fhemig mencionou ainda uma dívida de cerca de R$ 6 milhões que o município de Belo Horizonte teria com a fundação. Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que “o encontro de contas entre dívidas em relação a débitos da Secretaria Municipal e Secretaria de Estado da Saúde/Fhemig está sendo feito” e que o trabalho ainda não foi concluído, pois há discordância entre valores, conforme análise de cada esfera.

INSATISFAÇÃO “Todos os funcionários se esforçam para oferecer o melhor para o atendimento aos pacientes. Mas é inevitável que toda essa situação acabe afetando o atendimento, porque a demanda é enorme e diária. O hospital está sempre cheio e, paralelamente a isso, equipes estão desfalcadas por causa de aposentadorias e afastamentos, e as reposições não ocorrem sempre, sob alegação de que o estado não está podendo contratar por causa de Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma o coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica do João XXIII, Marcos Mafra. Além disso, há a questão dos salários, que vêm sofrendo atrasos e têm sido pagos de forma parcelada. De acordo com o coordenador, em razão de todos os problemas, funcionários estão trabalhado com sobrecarga e insatisfeitos.

“Algumas pessoas começaram a adoecer e isso tem sido visto nitidamente na rotina do hospital”, afirmou. Ele disse ainda que uma unidade que funciona a todo vapor exige manutenções permanentes, mas elas não vêm ocorrendo na mesma velocidade de que o hospital necessita. “Tudo isso envolve gastos. E, no dia a dia, a gente vê muita coisa estragada. Vai desde equipamentos até um banheiro sem porta, um vaso sanitário sem tampa, um elevador pifado. Quando o paciente é internado em um hospital, ele quer que tudo esteja funcionando de forma adequada”, afirmou Marcos Mafra.

Chegada de ferido no incêndio: 'Foi uma semana de muita comoção e dor', diz médico(foto: Túlio Santos/EM/DA Press)
Chegada de ferido no incêndio: 'Foi uma semana de muita comoção e dor', diz médico (foto: Túlio Santos/EM/DA Press)
O médico que, assim como tantos profissionais do HPS teve a rotina de trabalho alterada desde o dia do incêndio na Creche Gente Inocente, desabafa sobre a última semana em que pacientes gravíssimos chegaram ao hospital. “Foi uma semana de muita comoção, de muita dor. Nenhuma das crianças chegou consciente. Todas estavam entubadas e tinham estado grave. As que tiveram alta nos últimos dias estavam muito assustadas”, contou. O cirurgião acrescenta que, mesmo com toda a situação de crise, todos os funcionários que estavam de folga e foram convocados ao trabalho diante do quadro de emergência compareceram e até mesmo quem não foi chamado se prontificou a ajudar.

A respeito do atendimento às vítimas de Janaúba, especificamente, o médico conta que todos os esforços foram empenhados pelo hospital, mas reconhece que há situações pontuais em que, por demanda excessiva e falta de recursos, algum tipo de serviço é protelado. “Neste momento, há uma cobrança muito grande da sociedade e também de nós, profissionais, para resolução dos problemas das crianças e dos dois adultos (internados na unidade). Estamos trabalhando muito rapidamente e da melhor forma. Queremos ver o paciente, de modo geral, receber alta o quanto antes. Mas, por vezes, temos desafios, porque o setor público tem que seguir procedimentos burocráticos, fazer licitações que, com a falta de recursos, ficam ainda mais complicadas”, diz o médico. 

ESFORÇO
Segundo a Fhemig, a atual situação do Hospital João XXIII, assim como de outras unidades assistenciais da fundação, “está sendo devidamente analisada, com a urgência que o tema requer”. “Lembramos que tanto Minas Gerais quanto os demais estados e a própria União enfrentam uma severa crise econômica, o que levou Minas a decretar calamidade financeira, exatamente com o objetivo de retomar investimentos em áreas prioritárias, como a saúde. Ainda assim, a Fhemig está envidando todos os esforços para a melhoria da estrutura do João XXIII”, afirma a nota.
O texto acrescenta que houve investimento de R$ 6 milhões na compra de outro tomógrafo, novos monitores, camas, adequação dos elevadores e da caldeira da unidade.


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