
A movimentação já tem início pouco depois das 8h, quando camelôs começam a armar suas bancas ou a estender panos no chão para ajeitar as mercadorias. Nas lojas, vendedores carregam eletrodomésticos, araras de roupas, bancas de vasilhames e manequins para o lado externo. Para conferir o mostruário não precisa nem entrar. Na calçada mesmo já se olha o preço, se avalia a mercadoria e se negocia com o vendedor. Eletrodomésticos como geladeiras e fogões dividem a cena com colchões e sofás. Grandes redes se valem dos espaços que já foram alvo de outra briga em passado recente – as áreas onde antes era permitido estacionar – para expor mercadorias. A divisória com a área de calçada é demarcada por barras de ferro móveis ou fixas no chão, usadas justamente para impedir a entrada de veículos.
"Vão me dar espaço onde cabem duas mochilas e tenho 200. O camelô movimenta o comércio e é bom até para os donos de lojas"
Wellington Minas, 50 anos, camelô
Resumindo, na calcada já estreita, a passagem fica ainda mais apertada e dificulta a vida de pedestres. Em alguns trechos, camelôs montam suas bancas de um lado e de outro na mesma calcada, deixando uma espécie de “corredor polonês” para a multidão que se espreme para dar um passo à frente. Alguns pegam mesmo “carona” na demarcação das lojas e se alinham ao lado das mercadorias expostas ao ar livre, dificultando em vários momentos a percepção do que pertence ao comércio formal ou aos ambulantes. Os espaços são tão preciosos que resta a alguns vendedores informais a opção de se sentar em banquetas na rua, sob risco de se tornarem vítimas do intenso trânsito da Padre Pedro Pinto. Churrasquinho e barracas enormes de batata, acarajé e caldo de cana montadas na calçada tornam tudo ainda mais tumultuado.
O gari Célio, de 37 anos, diz que é difícil trabalhar nessa situação. “Não dá para limpar direito. Tem gari que precisa passar na rua, porque não tem espaço para se deslocar com o carrinho da varrição na calçada. A gente acaba de limpar e, quando assusta, está sujo de novo, por causa de tudo o que jogam no chão, de frutas a embalagem de meias. O prefeito arrumou o Centro, mas para aqui o Kalil ainda não olhou”, reclama. A dona de casa Dalva Nascimento Souza, de 56, é cliente do comércio em Venda Nova, mas admite que a organização poderia prevalecer. “Moro na região e, para mim, é muito mais perto vir aqui, já que encontro de tudo. Sempre foi assim e ninguém faz nada para mudar. É um absurdo não podermos sequer andar com um pouco de tranquilidade. Na época de chuva, que está se aproximando, e no fim do ano, a loucura é maior ainda”, relata.

Na manhã de sábado, dos 14 estandes ativos no centro de comércio popular, apenas três estavam funcionando. Outras 24 bancas, com nome e número do camelô sorteado, estavam encostadas em um canto de parede. Segundo comerciantes, pertencem a pessoas que não estão indo mais trabalhar no local. Adriano de Oliveira Diniz, de 32, vende roupas no Uai, mas deixou a mulher tomando conta do negócio e montou uma banquinha de doces na calçada, bem em frente à galeria comercial. No Centro de BH, ele diz que vendia mercadorias diversas na esquina da Avenida Paraná com Rua Carijós. “De segunda a quinta-feira não tem movimento, que só ocorre nos outros dias, quando há a ‘feira do Bráz’. Das 9h às 18h, minha mulher tira R$ 50 por dia. Aqui (na rua), faço entre R$ 100 e R$ 150.”

SOLUÇÕES Outro que preferiu deixar a venda de artigos eletrônicos dentro do Uai nas mãos de um parente foi Leandro Silva de Almeida, de 30, que trabalhou durante cinco anos no Centro da capital vendendo água. “Não está rendendo nada lá dentro, então, estamos voltando para a rua. Para o projeto (da prefeitura) dar certo e melhorar as vendas para quem foi sorteado para o Uai de Venda Nova, tem que tirar todo mundo da rua e manter fiscalização 24 horas. Queremos melhorias e sair das ruas. Mas, ou sai todo mundo ou não sai ninguém.”
Em Venda Nova, os ambulantes esperam as soluções prometidas pela PBH nos moldes do que foi feito no Hipercentro. O camelô Wellington Minas, de 50, começou a trabalhar nas ruas há quase três décadas, mas voltou há seis meses. Conta que nunca atuou no Centro de BH, preferindo sempre Venda Nova. Ele vende bolsas e é enfático ao dizer que não quer lugar em shopping popular. “Vão me dar espaço onde cabem duas mochilas e tenho 200. O camelô movimenta o comércio e é bom até para os donos de lojas”, acredita. O ambulante Wallace Hermelindo de Castro, de 46, vendedor de chinelos, por outro lado, espera uma chance. Ele diz ter feito inscrição no Parque Municipal, na época do cadastramento dos comerciantes irregulares do Hipercentro de BH, mas ainda não teve retorno. “Até hoje não tive satisfação. Já estive na prefeitura à procura de informações, mas ninguém soube informar.”


A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos informou que está fazendo planejamento para começar o levantamento da situação dos camelôs de Venda Nova e o cadastramento deles. O processo está na fase de contratação de agentes de campo. Acrescentou que as ações só terão início quando a PBH tiver condições de oferecer alternativas aos vendedores ilegais para inseri-los no mercado formal. A pasta não comentou a situação das mercadorias expostas na parte externa pelas lojas, mas sustentou que a fiscalização “continua atuando em Venda Nova”.
O QUE DIZ A LEI
O Artigo 230 do Código de Posturas de BH proíbe prestar serviços ou vender mercadorias no logradouro público. Em caso de descumprimento, o comerciante é notificado, está sujeito a multa de R$ 792,78 e pode ter o alvará cassado.