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Estado de Minas RETRATOS DO SOFRIMENTO

Moradores de Governador Valadares que contraíram a chikungunya relatam rotina de dor

Moradores de Governador Valadares que contraíram a febre chikungunya contam sua saga de aflições em decorrência da doença e a agonia de não saber quando se livrarão dos sintomas


postado em 14/05/2017 06:00 / atualizado em 14/05/2017 08:20

A necessidade de cuidado e atenção constantes fazem com que não apenas a dor nas articulações aflija os doentes da febre chikungunya. Muitos sofrem por se sentir como um fardo para os familiares, já que deles necessitam para atividades simples, como tomar banho ou usar o banheiro. Mães que sofrem por não poder tomar conta dos filhos. Mulheres que amargam o afastamento dos maridos devido à grande dor que sentem ao menor toque. A desconfiança dos patrões, que acabam não podendo contar com seus empregados doentes. A agonia da incerteza de não saber se essa sina se resumirá a dias ou se vai durar meses ou até anos.

O sofrimento dos pacientes de Governador Valadares, a cidade mineira mais afetada pela febre chikungunya, está estampado nos rostos e marca a história de vida de cada um deles. Pais de família, mães solteiras, jovens casais, idosos desesperados. O fluxo dentro do Centro de Atenção em Arboviroses é de pessoas consternadas, gente gemendo de dor sobre macas ou nos leitos, pacientes se arrastando com soro ligado aos seus braços e muitas queixas. Mas é ali também que recebem o alívio, as doses de medicamentos que lhes aplacam as dores nas articulações e hidratam seus corpos enfraquecidos pela enfermidade. Um cuidado que aos poucos restaura o ânimo para que consigam voltar a exercer suas profissões e retribuir o amor dos familiares e amigos.

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Sem descanso

Mariana Alves da Conceição, de 28 anos, intérprete de libras

Há dois meses tenho esses sintomas. Um dia acordei com muita dor, sentindo calafrios, cheguei ao trabalho tremendo e tive de ir embora. Fui ao médico, onde constataram que era chikungunya. É a terceira vez que venho ao Centro de Atenção em Arboviroses. Às vezes, fico com muita febre, com dor lombar, nas pernas, no corpo. Passo noites com dormências nas mãos e dores muito fortes.

Com isso, a gente não descansa e passa o dia ainda pior. A nossa rotina muda toda, porque não damos conta mais de fazer as coisas. A gente trabalha muito indisposto, tem de ir ao médico novamente para pegar atestado. Até minha vida social está ruim. Tem me acontecido muito: vou trabalhar de manhã, sinto muitas dores e tenho de pedir para sair. A dor pode vir devagar, aos poucos, ou de uma vez só,  insuportável, nas pernas e na coluna. É uma fadiga enorme que a gente sente.

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Apelo à compreensão

Maria Aparecida Roque, coordenadora do Centro de Atenção em Arboviroses

Sei muito bem o que os pacientes daqui passam porque também tive essa doença. É um mal que te incapacita. Temos febres, náuseas e problemas nas articulações. Tivemos um surto muito grande, já chegamos a atender entre 100 e 150 pacientes por dia e não terminou, porque entre seis meses e um ano essas dores continuam, as pessoas acabam sendo encaminhadas para os postos de saúde para tratar do reumatismo.

O doente do chikungunya precisa de prioridade e uma atenção continuada. Os pacientes são afetados em todas as suas atividades. No caso das mulheres, por exemplo, não conseguimos trabalhar em casa nem fora dela. As mãos ficam comprometidas, não é possível andar direito nem se sentar. Em casa, você não consegue colocar o filho no colo, e até na vida conjugal você acaba sentindo tantas dores e desconforto que se afasta do marido. As pessoas com chikungunya precisam sobretudo de uma grande compreensão da empresa onde trabalham, da família e do parceiro.

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )

Peso da dependência

Rosimary Oliveira Martins, de 46 anos, dona de casa


Sou de Bertópolis, na divisa com a Bahia, e vim morar aqui com minhas filhas. Não tenho marido, mas isso nunca tinha sido problema para a minha luta. Eu dava conta. Só que já tem quase três meses que estou nessa peleja com a febre chikungunya. É a segunda vez que sou internada. Na primeira, foi minha irmã quem me trouxe. Aí me medicaram com soro, levei alguns remédios. Achei que ficaria bem, mas agora estou atacada do corpo todo. Não tem um lugar no meu corpo em que não sinta dor.

Não consigo me virar para nada. Se alguém me chama, tenho de girar o corpo inteirinho, porque o pescoço não vira. Minhas mãos e meus dedos não se fecham, meus pés incham. Se saio um pouquinho com minha filha, na volta vou direto para a cama, porque a dor vem forte demais. Sinto todas as minhas juntas inchadas.

Hoje não consegui nem me levantar sozinha. Tive de pedir ajuda. Minha irmã precisou chamar o Samu e vim de ambulância, mas aqui preciso de ajuda de todo mundo. A dor é muito forte, não desejo o que passo para ninguém. Já peguei dengue, mas a chikungunya é mil vezes pior. Não consigo pegar nada com a mão. Não consigo nem segurar um copo, um prato, um talher. Não consigo mais fazer nada. Para me levantar, preciso de ajuda. Para usar o banheiro, preciso de ajuda.

Minha filha falou assim para mim: ‘Mãe, você não serve para mais nada.’ É difícil ouvir isso, principalmente porque eu sou mãe e pai das minhas meninas. Tenho duas filhas, uma de 13 e outra de 15 anos e uma moça que me ajuda em casa. Se não fosse ela, não sei como ia fazer, porque minhas meninas são menores e só têm a mim para cuidar delas. Minhas meninas estudam durante o dia e não podem ficar comigo. Se é uma coisa mais leve até posso tentar fazer, mas lavar uma roupa e cozinhar não consigo.

Sinto mais falta é das minhas mãos e dos meus pés. Minhas mãos servem para fazer tudo e os pés para me locomover. Não posso mais ir aonde quero nem fazer o que quero. Depender dos outros para fazer de tudo é a pior coisa do mundo. E tem ainda essa agonia de não saber quando vai passar tudo isso, se é um ano ou dois. O meu caso já passou para reumatismo.

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Fraqueza total

Lourdes Honorato Pereira, de 73 anos, dona de casa

Faz 15 dias que estou com a doença e tenho sentido muitas dores no corpo todo, nas juntas. Estava em casa quando as dores começaram. Pensei então em ir à igreja para rezar e ver se melhorava, se Deus me ajudava, mas tive de voltar correndo e me deitar, porque não estava aguentando de tanta dor. Aí, muita gente veio me dizer que tinha umas coisas boas de a gente tomar para melhorar. Tomei um suco de inhame e não funcionou. Bebi um suco de laranja e não adiantou. Recomendaram comer um mingau. Comi dois pratos e tive uma queimação terrível no estômago. Depois fui ficando mais fraca, não aguentava mais me alimentar direito e acabaram me trazendo aqui para o hospital (Centro de Atenção em Arboviroses).

Lá no meu bairro está todo mundo com isso daí (chikungunya). Todo mundo derrubado em casa, sem poder trabalhar, as crianças sem estudar. Não tinha tantos mosquitos lá perto de casa. Moro perto do rio, mas as margens andam muito sujas e acho que isso é que fez com que os mosquitos aumentassem. A gente até tenta limpar a nossa casa, o quintal e tudo mais, mas não adianta se as outras pessoas não fizerem a parte delas e limparem suas casas, porque os mosquitos vão ficar lá.


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