
De acordo com o Ibama, 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos escaparam no acidente que matou 19 pessoas e produziu o pior desastre socioambiental do país. Segundo o órgão ambiental, a área total afetada chega a dois mil hectares, sendo que 102 quilômetros dos Córrego Santarém e dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce tiveram suas margens destruídas. Outros 120 córregos, ribeirões e cursos d’água foram contaminados ou soterrados. A contrapartida prevê 40 mil hectares recuperados em toda bacia, sendo 10 mil por plantio e 30 mil por regeneração natural.
As áreas mais severamente atingidas pela lama ficam entre a barragem rompida, em Mariana, passando por Barra Longa, Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, onde a represa de Candonga praticamente foi entupida, segurando o avanço da lama mais concentrada. Nesses locais, a paisagem aos poucos vai mudando com as intervenções corretivas da Fundação Renova. Margens destruídas em Mariana e Barra Longa, por exemplo, estão recebendo o revestimento de biomantas para fixar novamente uma vegetação ciliar. Arrimos e estruturas de escoamento de água das chuvas dificultam o ingresso de parte da lama depositada nas margens para dentro dos recursos hídricos. Vastas propriedades antes encobertas pela lama de rejeitos foram aradas, receberam fertilização e algumas já produzem cana-de-açúcar e capim. Outros espaços ainda são apenas revegetados com espécies de leguminosas para que suas raízes ajudem a recuperar o solo.
Reclamações Mesmo nas áreas com algum tipo de recuperação, porém, ainda há problemas. “O terreno ficou bem pior, não produz como antes. Também deixaram a cana mole toda na beira da rodovia, ali tinha de ficar a dura para os outros não chuparem tudo”, reclama a agricultora Lia Mol Carneiro. Em Paracatu de Cima, a lama devastou o canavial e a capineira do agricultor João Celestino Arcanjo Filho, de 55. Só neste mês a Fundação Renova plantou uma roça de cana e uma de capim numa pequena fração do terreno que ele tem na várzea do Rio Gualaxo do Norte. No restante do terreno foram plantadas culturas para recuperação do solo degradado e o fazendeiro ainda recebe silagem para alimentar o gado. “É uma agonia muito grande você ter de receber a comida do gado, sem saber até quando”, afirma. O produtor rural conta que chegou a pedir para a Samarco deixá-lo plantar capim braquiária na área de recuperação, para que pudesse complementar a dieta do gado, mas não obteve a permissão. “Comprei dois sacos de sementes e plantei mesmo assim. Essas plantas que colocaram aqui não servem para nada. O gado não come, ela morre, nasce de novo e fica tudo igual estava antes”, reclama.
O pecuarista Clodoaldo Carneiro Cerceu, de 45 anos, também se lamenta. Antes do desastre, seu esquema de plantio de cana e capim garantia três cortes por ano. “Usava esterco do curral e irrigava com a água do rio (Gualaxo do Norte). Ia comprar um trator para aumentar a plantação e comprar mais bois, já estava tudo certo no banco. Não pude fazer isso e agora estou sobrevivendo da silagem que eles (Fundação Renova) estão trazendo”, lamenta.
Monitoramento da qualidade da água
A recuperação da qualidade da água dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce conta com uma importante fonte de pesquisa. O monitoramento que o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) fez nessas bacias se transformou em base de informações sobre a composição da água. A documentação fotográfica desses trechos de rios também é importante para se saber qual a extensão da degradação em diferentes posições. Na última sexta-feira a Fundação Renova iniciou o monitoramento em tempo real da qualidade da água do Rio Doce em três estações automáticas – em Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Sem Peixe. Outras 19 unidades devem entrar em operação até o final de julho ao longo da bacia. Serão analisados parâmetros como turbidez (transparência), oxigênio dissolvido e pH, transmitidos por sondas que farão a análise de hora em hora e permitirão uma atuação mais ágil e precisa da Fundação Renova e dos órgãos ambientais nas ações de recuperação da região. Das três primeiras estações, duas foram instaladas na área da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves e uma no município de Sem Peixe, a cerca de 45 quilômetros da hidrelétrica.

Fundação promete 'restabelecer condições para os produtores'
Até o final de 2018, a Fundação Renova pretende concluir todos seus projetos de recuperação ambiental e socioeconômica nas 237 propriedades rurais diretamente atingidas pela lama de rejeitos que vazou da Barragem de Fundão em novembro de 2015. A informação é do engenheiro Álvaro Pereira, gerente de implantação de projetos da área ambiental I, trecho afetado pelo rejeito entre o reservatório que se rompeu, passando por Barra Longa, Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, onde fica a represa de Candonga. “Desenvolvemos medidas emergenciais inicialmente. Porém, a implantação das ações estruturantes depende de um diagnóstico aprofundado, com planejamento, para a execução do projeto”, justificou.
De acordo com Álvaro Pereira, no período emergencial foram distribuídas 8 mil toneladas de silagens para alimentação do gado. “Foram 237 propriedades atendidas, das quais em 105 foi realizado o replantio das pastagens, com cana e capim, em terreno não atingido pela lama, além do cercamento das áreas afetadas, que receberam leguminosas para sua recuperação”, explicou.
O engenheiro se disse surpreso com as queixas de agricultores. “A fundação tem um ótimo relacionamento com eles, atendendo às suas reivindicações. Além do telefone gratuito (0800-031 2303), temos sistematicamente técnicos, entre veterinários e agrônomos, dando assistência aos proprietários rurais no local. “Podem ter ocorrido falhas, de comunicação ou no atendimento técnico, mas estamos prontos a resolvê-las”, disse o gestor. Ele afirma que, como a comunidade não está 100% atendida em suas particularidades, pode haver ansiedade entre alguns produtores.
Compensação Pereira diz que o projeto de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem prevê compensações para os produtores da área atingida, em Paracatu de Baixo e outras comunidades. “O problema central, o impacto maior, não tem como pagar. Mas vamos restabelecer as condições socioeconômicas e ambientais desses produtores, com melhorias das pastagens, manejo do gado e da genética da raça”, garantiu.
Segundo Álvaro Pereira, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater–MG) foi encarregada dos diagnósticos para apontar as ações estruturantes. A empresa se encarregou do registo eletrônico obrigatório do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a integração ao sistema de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA), para elaborar o Plano de Ação Socioeconômico e Ambiental (Pasea), que visa a execução de medidas que restabeleçam a produtividade local de forma sustentável. Um ganho para os 237 produtores é que a Renova vai realizar todas as intervenções necessárias, como replantio nas APPs, para que a propriedade atenda ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Somente nos imóveis vizinhos aos rios Alto Gualaxo e Carmo, como Paracatu de Baixo, a previsão é de recuperação de pelo menos 200 nascentes, do total de 5 mil ao longo da Bacia do Rio Doce. Entre a área do desastre até a foz do Doce serão reparadas 40 mil árvores, 10 mil de plantio direto.