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Estado de Minas EXTREMOS GERAIS

Morador que reconheceu fósseis de dinossauro em Minas luta para que feito não seja esquecido

No 4º dia da série que retrata viagem de bike por Minas, EM mostra a luta do homem que reconheceu fósseis de dinossauro em Coração de Jesus para que a cidade não esqueça o feito


postado em 16/11/2016 11:40 / atualizado em 17/11/2016 08:03

Por causa da participação no reconhecimento de fósseis, sobrenome de Ubirajara Macedo foi usado para batizar titanossauro: ele defende criação de museu(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Por causa da participação no reconhecimento de fósseis, sobrenome de Ubirajara Macedo foi usado para batizar titanossauro: ele defende criação de museu (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

O aposentado e artista plástico Ubirajara Alves Macedo, o Bira, de 70 anos, é voluntário numa luta solitária pela preservação da memória. Ele se tornou uma espécie de guardião da história – e da pré-história – de Coração de Jesus (Norte de Minas) desde que participou diretamente da descoberta de fósseis de um dinossauro no município, em 2004. Depois de longo estudo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que os fósseis eram de um titanossauro de aproximadamente quatro metros de altura e 10 toneladas de peso, que acabou batizado como Tapuiasaurus macedoi – em referência aos índios tapuias que habitavam a região e ao sobrenome de Bira. Doze anos depois daquele achado, a história do artista plástico e sua batalha para que fósseis levados para pesquisa voltem a Coração de Jesus e para que a cidade seja reconhecida são temas da quarta reportagem da série, que retrata viagem de bicicleta de norte a sul de Minas. “Hoje, quase ninguém sabe que teve (a descoberta dos fósseis)”, lamenta.


O interesse de Bira por explorações em cavernas e matas começou cedo. O artista plástico diz se lembrar perfeitamente do local que o pai chamava de “vale dos dinossauros”, uma passagem por entre dois morros que seguia para a Lagoa Feia, onde paravam pra tomar café debaixo de um pequizeiro grande. Interessado em espeleologia, ele iniciou sua série de caminhadas aos 6 anos, sendo promovido a fotógrafo de expedições amadoras aos  8. Da primeira equipe, participavam ele, o pai e um pracinha da Força Expedicionária Brasileira que atendia pelo nome de Raimundo Doido. Por iniciativa própria, os três partiam juntos aos sábados e domingos procurando cavernas, e embora alguns fósseis tenham sido encontrados no final dos anos 50 por catadores de baru, uma fruta do cerrado, a área do vale permanecia na maior parte inacessível – havia pântanos e muita mata fechada.

Anos de desmatamento e erosão se seguiram até que, em 2004, mais um barranco desceu. Um vaqueiro foi o primeiro a notar que, daquela vez, havia um osso diferente em meio à terra. O homem levou o fóssil pra casa – pensava que era de um elefante. “Escorou numa janela”, conta Bira. Como o artista plástico  era conhecido pelo interesse por explorar áreas do município, acabou recebendo o osso de um oficial de Justiça que soube do caso. Imediatamente depois de ver o achado, Bira seguiu até o local da descoberta. “Quando cheguei lá, vi que era um dinossauro”, lembra. O esqueleto parcialmente exposto foi então protegido com uma lona. “No começo, fiquei assim meio sigiloso com aquilo”, conta. Mas ele logo tratou de espalhar a notícia, na esperança de atrair pesquisadores. “Comuniquei (a descoberta) a todas as universidades de Minas Gerais, sem exceção, mas ninguém deu satisfação”. Um canal de TV de Montes Claros chegou a fazer uma visita, mas Bira diz que o especialista convidado insistia em que os fósseis eram de uma preguiça-gigante.

Pesquisa Tudo mudou quando Bira recebeu o telefonema de um rapaz que havia visto a reportagem na TV perguntando se ele receberia pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Os estudiosos chegaram, confirmaram que se tratava de um dinossauro, e dos grandes, e iniciaram em 2005 trabalhos em dois sítios paleontológicos que se estenderam até 2011. “É o titanossauro mais completo do mundo, o único que tem a cabeça completa”, diz Bira. “Acharam quase 90%, não falta um dente”, acrescenta. De todo o processo de pesquisa, porém, o morador de Coração de Jesus lamenta a retirada de fósseis da cidade, levados para São Paulo. Ele tinha a expectativa de que um laboratório de paleontologia fosse implantado no município como contrapartida, mas o projeto nunca saiu do papel. “Até hoje, não sei por que eu entreguei esses fósseis. Perdemos o dinossauro”, diz.

Hoje, Bira segue apurando informações que recebe sobre a possibilidade de que haja mais esqueletos preservados nos locais de escavação. “Dizem: ‘em tal canto apareceu isso’. Aí, a gente vai ver se é verdade”, conta. Assim como o pai fez com ele, o aposentado costumava levar o filho em suas andanças e hoje caminha com o neto, de 12 anos. Explorando a zona rural de ônibus, ele por vezes segue para os locais relatados, pernoita na mata e retorna à estrada no dia seguinte. Qualquer material encontrado é armazenado no Centro Cultural José Alves Macedo, fundado há 12 anos por Bira e que leva o nome do pai dele. O local é mantido com a venda de artesanato. O casarão antigo abriga ainda a única biblioteca da cidade, organizada com livros, mobiliário e até telhas doadas. “O único centro que tem (em Coração de Jesus) é esse aqui, que informa, que colhe dados. O próprio arquivo do município acabou, não tem mais uma folha”, reclama.

Sem estradas que permitam o acesso aos sítios onde estavam os fósseis, o sonho de Bira é mobilizar a cidade e negociar para asfaltar o caminho e criar um a espécie de museu a céu aberto. “No sítio está tudo parado. O fazendeiro cercou a área para o gado não destruir”. Hoje, no município em que o Tapuiasaurus macedoi foi descoberto, duas réplicas de dinossauros que mais se parecem a tiranossauros rex e decoram um parque são das poucas referências de que ali houve um capítulo fundamental da paleontologia brasileira.

Diários da bicicleta

 

Como previsto, o agageiro quebrou

Deixando Cônego Marinho numa parada para reabastecimento “movido a prato feito”, como diria um colega cicloviajante, sigo para Januária num dos trechos mais cênicos da viagem. Serras e formações rochosas vão dando lugar a canaviais com a proximidade do Vale do São Francisco. Passadas as primeiras fábricas de cachaça em Brejo do Amparo, a igreja matriz no local da antiga taba indígena lembra que ali se encontra um dos povoamentos mais antigos do estado. A chegada em Januária, com mais de 65 mil moradores, é também o primeiro encontro com o Velho Chico. Aproveito a cidade para organizar equipamentos e despachar mais peso nos correios, e após alguns dias, sigo no fim de tarde para a vizinha Pedras de Maria da Cruz, também na beira do rio. Na manhã seguinte, ainda na BR-135, alcanço Lontra a tempo de encontrar um restaurante aberto e sigo para Japonvar, onde passo a noite numa pensão simples, mas simpática. Passando para um trecho isolado de terra, meu bagageiro de canote quebra numa descida mais inclinada, após 15 quilômetros de trepidação. Recordo do experiente ciclista Carlão, que, avaliando o mesmo set ainda em Belo Horizonte, inspecionou a peça e profetizou: “Vai quebrar”. Fiz sinal para o primeiro (e único) morador passando de moto e ele se dispôs a ajudar, levando a bagagem até Brasília de Minas, que alcancei no fim do dia após conversas na zona rural de Angicos de Minas ao som da rabeca de Pedro Doido. O alojamento de uma trupe de teatro foi meu abrigo por três noites. Deixando o lugar e seguindo para o Sul, a última parada foi num restaurante com fogão a lenha próximo às margens do Rio Pacuí, em Ponte dos Ciganos, no meio do caminho até Coração de Jesus.

Notas do pedal

(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

 

Raiz musical

Angicos de Minas, distrito na zona rural de Brasília de Minas (Norte do estado), abriga um personagem presente no imaginário dos adultos da região. Andarilho e músico, Pedro Doido, chamado também de Pedro Candinha, nasceu Pedro Rodrigues de Jesus, filho de dona Candinha. Ainda pequeno, na primeira vez em que pegou numa rabeca, já tocou o Canto de Bom Jesus, e nunca mais parou. Há quem diga que teria 100 anos, com palpites que chegam aos 104 anos, mas segundo uma sobrinha, o cálculo mais correto somaria 97 anos de idade. Na juventude e quase toda a vida adulta, percorreu a pé a região, tocando sozinho por fazendas e estradas, correndo da perseguição de crianças e cachorros e se apresentando nas festas e folias que encontrava. “Ele ficou no mundo, dormia nos matos, calçadas, carregando uma pirata (chicote) e a rabeca”, conta Canuta Maria de Jesus, de 92 anos, “depois que veio pra cá é que o povo respeita mais ele”. Dona Canuta, como é conhecida, adotou o andarilho há 50 anos, que hoje mora numa casa simples de um cômodo construída pra ele. Viúva há 6 anos, o marido no fim da vida, sabendo que estava partindo, teria pedido que seguisse cuidando de Pedro. “Todo mundo tomou amor com ele”, explica.

Praia em Minas

(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
(foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

A Praia de Minas, em Januária, permaneceu aberta este ano de 9 de julho a 7 de agosto, gerando renda extra para os barqueiros do Rio São Francisco que atravessam visitantes a R$ 2 por pessoa. Uma área para banhistas é delimitada pela Marinha e muda todo ano conforme o movimento do rio. Barracas funcionam dia e noite enquanto houver movimento, “fritando peixe até a água dar no joelho”, brinca no balcão a cozinheira Maria Domingas dos Santos, 23 anos de praia. “É a melhor coisa que tem no Norte mineiro”, diz o poeta e pescador Carlos Lúcio Nunes de Oliveira, mais conhecido como Carlúcio, que declama poemas se protegendo do caboclo-d’água e denunciando um rio que chora pela falta que fará no futuro. “Quem não conhece não sabe o que perde, pena que é pouco tempo”.

 


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