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Estado de Minas

Santuário do Caraça busca reconhecimento da Unesco

Complexo que abriga monumentos naturais e históricos cataloga toda a sua riqueza para concorrer ao título de Paisagem Cultural da Humanidade concedido pela Unesco


postado em 28/09/2016 06:00 / atualizado em 28/09/2016 08:29

Dominada pelo maciço que inspirou nome do santuário, Reserva Particular do Patrimônio Natural tem área protegida de 10,1 mil hectares e rica biodiversidade, além da beleza arquitetônica de suas construções(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Dominada pelo maciço que inspirou nome do santuário, Reserva Particular do Patrimônio Natural tem área protegida de 10,1 mil hectares e rica biodiversidade, além da beleza arquitetônica de suas construções (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Nem a maravilha do Barroco mineiro nem a ousadia do conjunto moderno da Pampulha: desta vez, as atenções se voltam para a riqueza da biodiversidade. Com 242 anos de história e visita anual de cerca de 70 mil pessoas entre brasileiros e estrangeiros – este ano de 46 países –, o Santuário do Caraça quer se tornar Paisagem Cultural da Humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Dono de 12,4 mil hectares entre Catas Altas e Santa Bárbara, na Região Central mineira, o patrimônio religioso e ambiental tem números superlativos: cerca de 800 tipos de líquens, quase 400 de aves, 800 de besouros, 50 de cobras e outros habitantes da vegetação exuberante.


“Sabemos que o caminho será comprido, mas confiamos. Estamos nos mobilizando e conversando com especialistas, a fim de preparar o dossiê que será apresentado à Unesco”, disse, ontem, o diretor do complexo do Caraça e superior da comunidade dos lazaristas ou vicentinos, padre Lauro Palú. Entre os especialistas do setor que serão procurados para auxiliar na empreitada ele cita o pesquisador da Universidade do Estado de São Paulo Percival Tirapelli, que já marcou visita ao santuário, e a ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, agora consultora, arquiteta Jurema Machado.

De acordo com o escritório da Unesco Brasil, já receberam o título de Paisagem Cultural no país a cidade do Rio de Janeiro e, em julho – paralelamente ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade –, o conjunto arquitetônico concebido por Oscar Niemeyer (1907-2012) e interligado pela Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Minas é o estado brasileiro com maior número de bens culturais destacados pela Unesco – além da Pampulha, os centros históricos de Ouro Preto e Diamantina e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas.

PROTEÇÃO “Nosso entusiasmo é grande, afinal, recebemos gente de todo canto do mundo, até de países mais distantes, como o Quirguistão. O Caraça faz parte das reservas da Biosfera da Serra do Espinhaço Sul e da Mata Atlântica e também do Caminho da Estrada Real”, afirma Padre Lauro. Em 1994, o complexo se tornou unidade de conservação do Ibama – Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com área protegida de 10,1 mil hectares do total de 12,4 mil ha. Se conquistado o título, a visibilidade internacional e a visitação deverão crescer, já que a chancela da Unesco funciona como cartão de visitas, fortalecendo o turismo.

Padre Lauro explica que o Caraça é também um grande laboratório para pesquisadores. Foram eles que constataram a riqueza da fauna e da flora. “Temos aqui 241 espécies de samambaias, seis vezes mais, por exemplo, do que a Espanha. De orquídeas, já foram registradas mais de 200 espécies”, diz o diretor do complexo, localizado a 120 quilômetros de Belo Horizonte. E não é de hoje que o local desperta interesse. No século 19, viajantes europeus conheceram esse patrimônio, a exemplo do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) e das expedições dos alemães Carl von Martius (1794-1868) e Johann Baptiste von Spix (1781-1826).

Em mais de 240 anos de história são muitos os relatos sobre o Caraça. Ao conhecer, em 1881, esse que foi um dos primeiros colégios do Brasil, dom Pedro II (1825-1891) deixou escrito: “Só a visita ao Caraça paga a viagem a Minas”. Saudado em nove línguas pelos alunos, o imperador agradeceu o cumprimento em todas e presenteou a instituição com um vitral de cinco metros – Jesus no templo entre os doutores –, que pode ser contemplado na Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, pioneira no estilo neogótico no país.

Fundado em 1774 pelo português Carlos Mendonça Távora, chamado de Irmão Lourenço de Nossa Senhora, o santuário hoje pertencente à Província Brasileira da Congregação da Missão reserva surpresas e mistérios. Não é à toa que seu apelido é “Porta do Céu”. Sem dúvida, natureza e religiosidade comandam a vida no lugar. Anualmente, em 7 de setembro, às 17h, a luz solar bate diretamente sobre o sacrário da igreja. Também nos solstícios, época em que o Sol passa pela sua maior declinação boreal ou austral, há espetáculos de beleza: no inverno, a luz incide sobre a imagem de São Francisco, padroeiro secundário da igreja; no verão, sobre São Vicente, fundador da Congregação dos Lazaristas.

A diversidade permeia todos os espaços desse patrimônio tombado desde 1955 pelo Iphan e incrustado no topo do Maciço do Espinhaço, tendo a Serra do Caraça como sentinela. No prédio – que foi colégio até 1912 e seminário até 1968, ano em que foi destruído por um incêndio – está a pinacoteca, com quadros, relíquias e alfaias (paramentos) catalogados e guardados com máxima segurança. Para o pesquisador Rudney Avelino de Castro, mestre em ciências sociais, que apresentou o trabalho “Santuário do Caraça: Um corpo de memórias na escritura do tempo”, no 12º Congresso Luso-afro-Brasileiro, em Lisboa, Portugal, “o viajante recém-chegado percebe que o Caraça não se estabelece como uma arquitetura isolada a refletir um passado morto”. Ele prossegue: “Ao contrário, espelha a universalidade do conhecimento na sua biblioteca de documentos centenários, nos utensílios, quadros e objetos, e nas pinturas. Sua igreja de estilo gótico é o convite a uma viagem vertiginosa, como quem adentra o túnel do tempo e a Europa do século 13. Porém, é notório o fato de toda essa excentricidade ser arrebatada pela natureza vivaz que se forma ao seu redor”.

Padre Lauro conta que o Caraça fica em uma área de transição entre mata atlântica e cerrado, onde vivem 79 espécies de mamíferos, entre eles o lobo-guará, as onças preta e parda e a anta. A história do lobo já correu mundo: sempre no início da noite, um deles chega perto da igreja para receber, em bandejas, pedaços de frango oferecidos pelos padres. Há 34 anos e meio o ritual se completa para alegria dos turistas, especialmente crianças.

HISTÓRIA

1774   
   O português Carlos Mendonça Távora, conhecido como Irmão Lourenço de Nossa Senhora, funda o Caraça para ser uma casa de hospedagem e acolhida de peregrinos e visitantes

1819  
 Morre Irmão Lourenço, que deixa, em testamento, as terras e a ermida para dom João VI, com o objetivo de ser construída uma escola no local

1820    Dom João VI faz a doação do Caraça aos padres lazaristas. Naquele ano, os padres Leandro e Viçoso fundam o colégio, que funciona até 1912

1831     Dom Pedro I e a imperatriz dona Amélia visitam o Caraça, um dos primeiros colégios de Minas

1842    O colégio interrompe suas atividades devido a problemas políticos envolvendo os padres na Revolução Liberal, e se transfere para Campina Verde, no Triângulo Mineiro

1854    Transferência do seminário de Mariana para o Caraça e reabertura do colégio em 1856

1881     Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina visitam o Caraça

1955    Igreja e demais dependências são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

1968  
   Na madrugada de 28 de maio, o fogo destrói o edifício do colégio. Não houve vítimas

1972    A partir daquele ano o Caraça se torna hospedaria, embora sem deixar de ser uma casa religiosa

1994    O complexo se torna Reserva do Patrimônio Natural (RPPN), com área protegida de 10.187 mil  hectares, do total de 12.475 mil hectares

2013  
 Dentro do projeto da Estrada Real, entra em operação o Roteiro Entre Serras: da Piedade ao Caraça, ligando os dois monumentos naturais e passando por Caeté, Barão de Cocais, Santa Bárbara e Catas Altas


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