
Mas as outras mães que passam pelo mesmo sofrimento que Valdete e dividem o mesmo teto com ela não escondiam a alegria e, muito menos, a certeza de que seus pequenos (mesmo grande, filho é sempre criança) terão o mesmo sucesso no tratamento. E se algum dia ocorrer algum revés terão novamente um lugar para se abrigar durante esses tempos difíceis. Valdete e outras 27 mães moram na Casa de Apoio Aura (Associação Unificada de Recuperação e Apoio), no Bairro Santa Efigênia, que abriga famílias do interior e seus filhos (de até 18 anos) que precisam ficar na capital para fazer tratamento contra o câncer. Sem nenhum custo, com assistência de enfermagem 24 horas, e toda a infraestrutura necessária para dar suporte às crianças e às mães. Tudo mantido com doações, serviços voluntários e muito amor e dedicação.
“Aqui acontecem muitos milagres. É uma mágica, mas a gente sabe quem faz”, brinca a psicóloga Ana Lúcia Aguilar Machado, diretora da Casa de Apoio Aura, que este ano completou 16 anos de funcionamento e logo estará em uma sede nova e própria. Ela conta que toda vez que a casa precisa de uma vaga para receber alguma família nova, alguém tem alta. Ou quando precisa de algo para completar o tratamento (próteses e equipamentos médicos), aparece uma doação. “É incrível”, conta.
A nova sede da casa vai ser em um prédio de 12 andares, no mesmo bairro, com escolinha, semissuítes para abrigar mães e filhos e ala separada para crianças transplantadas que precisam de cuidados especiais, além de estacionamento e outros recursos que garantem acessibilidade. A mudança para a nova sede ainda não ocorreu por causa de alguns entraves para a liberação do habite-se, mas de acordo com Ana Lúcia, um voluntário se encarrega dos trâmites administrativos para que a mudança logo possa ser feita.
VISITAS “As famílias que chegam aqui passam o tempo que for preciso até se curar. Já teve gente que ficou aqui três anos. E quem vai embora sempre volta para dar um abraço na gente”, relata Ana Lúcia, apontando Liliane Silva da Rocha, de 18, e sua mãe, Risete Silva da Rocha, de 50, que chegaram ontem de Minas Novas para fazer um controle e rever os amigos da Casa Aura. Liliane teve um linfoma em 2005 e viveu na casa durante 11 meses, tempo que durou seu tratamento. Uma vez por ano as duas vêm à capital para fazer acompanhamento. “Minha filha está ótima e curada. Voltou a estudar e tem uma vida normal”, conta Risete. Segundo ela, a experiência com a doença da filha pegou toda a família de surpresa, mas o apoio da Casa foi fundamental. “A gente tem de largar tudo para trás e começar uma vida nova, longe da família, longe de tudo. Então, ter um local de apoio é muito importante”, conta.
Além da moradia, as famílias têm acompanhamento psicológico, fonoaudiólogo, nutricional, fisioterapeuta. E ainda há os voluntários que aparecem sempre para brincar com a meninada, contar histórias, fazer mágicas e sair com as crianças para passear. As mães recebem também uma cesta básica para enviar para o interior, já que muitas abandonam o emprego para acompanhar o tratamento dos filhos. A maioria das acompanhantes das crianças em tratamento, uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são as mães, mas vire e mexe aparece algum pai ou outro parente para também dar apoio.
DESCOBERTA A maioria das crianças que estão na Casa de Apoio Aura descobriram o câncer de repente. Vera Aparecida Miguel Santos, de 35, moradora de João Pinheiro, conta que o filho nunca ficou doente. De repente, no fim do ano passado, começou a reclamar de dores esporádicas de cabeça. “A gente dava um analgésico e passava. Cheguei a levar no médico, mas ele disse que podia ser problema de vista ou televisão demais”. Mas, segundo ela, como as dores se tornaram muito frequentes, ela voltou ao médico e pressionou por um exame mais detalhado e seu filho Luiz Fernando Santos, de 7, foi diagnosticado com um tumor na cabeça já em estágio avançado. Ele está em tratamento desde janeiro. O caso é semelhante ao de Kristian Gabriel, de 8, segundo relata a mãe Keila Alves, de 22. “Eu comecei a achar as mãos e os lábios dele muito brancos e percebi que ele não tinha mais o mesmo ânimo para brincar, vivia cansado. Quando fomos ver, ele estava com anemia e as plaquetas muito baixas”, relata. O resultado foi leucemia. Mesmo caso de Kevelli Rarielly, de 5, de Lassance, que começou a reclamar para a mãe, Katielle Lemos Lopes, de 27, de dores nas pernas. Manchas também apareceram pelo corpo. “Rapidamente ela quase não andava mais. Ficamos muito assustados”, lembra a mãe. Segundo ela, o tratamento começou a ser feito rapidamente, o que garante chance maior de recuperação.
Para discutir a importância desse diagnóstico precoce, a Casa de Apoio Aura realiza quinta-feira o simpósio “Setembro Dourado – Despertar para o câncer infantojuvenil”, que contará com palestra do oncologista Joaquim Caetano Aguirre Neto, que atua em hospitais de referência em Belo Horizonte. O seminário vai das 19h às 22h, no auditório da Fumec (Rua Cobre, 200, Bairro Cruzeiro). As inscrições são gratuitas e devem ser feitas pelo e-mail inscrições@aura.org.br. A taxa é um litro de leite integral longa vida. A campanha “Setembro Dourado” tem por objetivo alertar a sociedade para a importância do diagnóstico precoce de câncer em crianças e adolescentes. Segundo os médicos, 70% dos casos da doença podem ser totalmente curados se descobertos no início.
