
“O fundamental é a função da peça, a peculiaridade, o diferencial. E apresentar também a evolução, as mudanças ao longo do tempo. Na minha mesa de trabalho, por exemplo, há um torno de bronze – alguém já ouviu falar em torno de bronze? –, a caderneta de um velho armazém localizado na Avenida Paraopeba, atual Augusto de Lima, no Centro da cidade, cujo telefone era o número 14, e um minicatálogo telefônico de 1971 distribuído como brinde por uma empresa”, mostra o criador do museu. Com seu tradicional chapéu branco, ele se apressa a dizer que não acumula, nem coleciona, muito menos é antiquário. “Sou objeteiro”, afirma satisfeito com o neologismo inventado para sua missão. E, determinado, avisa que o museu é totalmente analógico, físico, sem toque virtual.


Economista de formação, nascido “na segunda metade da década de 1940”, natural de Ouro Preto, na Região Central, e residente na capital desde os 5 anos, Antônio Carlos mostra amor paternal pelos objetos e, sem herdeiros, avisa que eles são “seus filhos”. Caminhando pelos estreitos corredores, recorda a primeira peça que entrou para o acervo. “Foi ainda em Ouro Preto, eu tinha de 4 para 5 anos, e, naqueles tempos, as crianças eram amamentadas no peito até essa idade. Um dia, minha mãe me deu o leite numa mamadeira improvisada, feita numa garrafa de guaraná e uma chupeta. Daí em diante não parei mais de me interessar pelos objetos e sua funcionalidade.”

Lugar de destaque
A organização do Museu do Cotidiano, ainda com visitas marcadas com antecedência para pequenos grupos, começa pelo fundo do galpão. Antônio se orgulha em mostrar as prateleiras brancas, no total de mil metros lineares, que encontrou num ferro-velho e eram usadas como gôndola de supermercado. Bem distribuídas estão as peças de escritório, troféus sobre o cofre da antiga estação ferroviária de BH, bola de futebol autografada por Pelé, móveis de cartório, relógios, ourivesaria e lapidaria, tesouras de alfaiate e a seção de vícios, com isqueiros de todos os tamanhos e formatos, cachimbos e charutos. Um destaque é o macacão usado pelo piloto supercampeão Ayrton Senna (1960-1994) no Grande Prêmio do Japão, e adquirido da viúva, brasileira, do mecânico da equipe. No mezanino, já podem ser vistos os quadros do pintor Lorenzato (1900-1995).

Artistas plásticos, designers e estudantes, com seus professores, são visitantes contumazes do acervo. “Não quero um museu de antiguidades, mas em constante movimento. Tenho peças de 300 anos e também de dois dias atrás”, revela o guardião. Quando esteve no local, o ex-goleiro da Seleção Brasileira Emerson Leão se emocionou ao ver as tesouras de alfaiete, profissão que seu pai exerceu. Já o francês Pierre Catel, responsável por vários projetos museográficos em Minas, se espantou ao ver acervo de tal dimensão. “Ele disse que tenho objetos para 90 museus”, recorda Antônio Carlos com alegria.
Ao visitar o acervo, o secretário de estado de Cultura e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) Angelo Oswaldo, observou que “Antônio Carlos Figueiredo estabeleceu uma coleção inusitada, que brota do cotidiano de ontem ou do amanhã, ao buscar todo tipo de objeto que referencie a vida que passa. Com isso, criou um formidável acervo histórico, repleto de narrativas, no qual os espectadores encontrarão ou formarão as mais diversas perspectivas de compreensão do cotidiano”.
SERVIÇO
Museu do Cotidiano
Rua Bernardo Guimarães, 1.296, entre a Avenida João Pinheiro e a Rua Sergipe, perto da Praça da Liberdade
As visitas, com duração de no máximo duas horas, devem ser marcadas pelo telefone (31) 99612-2431 ou pelo e-mail museudocotidiano@hotmail.com