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Estado de Minas

Título da Pampulha, agora Patrimônio da Humanidade, motiva festa na lagoa

Moradores e turistas comemoraram o reconhecimento e aproveitaram para pedir melhorias. Limpeza na lagoa é a principal preocupação


postado em 18/07/2016 06:00

Severino, a sogra, Zenith, e a mulher, Carla Márcia celebraram a votação da Unesco em Istambul(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
Severino, a sogra, Zenith, e a mulher, Carla Márcia celebraram a votação da Unesco em Istambul (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
Apesar de o anúncio ter sido feito durante a madrugada, no horário de Istambul, local onde ocorreu a reunião da Unesco, a notícia do reconhecimento do conjunto moderno da Pampulha como Patrimônio Cultural da Humanidade circulou bem cedo entre visitantes e moradores da Pampulha. Além de comemorar a conquista, os frequentadores habituais da orla aproveitavam para cobrar melhorias no cartão-postal da cidade, principalmente no fim ao mau cheiro das águas.

“A Pampulha está agora no coração do mundo. Querendo ou não, ela será mais olhada, mais vista e valorizada do que nunca. Quem mora na região vai precisar ter paciência para receber os turistas e ajudar a valorizar cada vez mais nossa região”, avaliouo administrador Aderbal Tavares dos Santos, morador há 14 anos da região.

Cada selfie ao lado de um ipê florido, cada foto do contorno da Igrejinha São Francisco de Assis ou de um detalhe da Casa do Baile, era como se fosse a primeira vez. O casal de empresários Jeferson Paiva de Sousa e Michelle Ferreira, de 27 e 30 anos, fez uma selfie em frente a uma árvore florida comemorando o título e enviou a voto para o grupo da família no WhatsApp, em Fortaleza. “É difícil um lugar em BH que traga tanto aconchego quanto a Pampulha. Estou muito feliz!”, elogiou a moça, encantada. Diversas pessoas que caminhavam ao longo da lagoa fizeram questão de manifestar seu orgulho: “Já estão sabendo do título da Pampulha?”

O casal Michelle e Jeferson, de Fortaleza, fez selfie e compartilhou a novidade com parentes no Nordeste(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
O casal Michelle e Jeferson, de Fortaleza, fez selfie e compartilhou a novidade com parentes no Nordeste (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)


“Não imaginava que essa lagoa da Pampulha fosse tão grande”, disse o estudante de arquitetura paulista Thiago Matias, de 27, que chegou ontem para passar 15 dias em BH. “Estou achando aqui muito mais limpo e bem cuidado em relação a São Paulo”, comparou.

Depois da decisão da Unesco, visitantes e moradores que já enxergam com novo olhar as curvas sinuosas da lagoa e dos monumentos de Niemeyer. “Quem diria que a Pampulha iria virar um dia patrimônio mundial! Quando eu tinha 6 anos, a lagoa era bem simples e me lembro de ter umas canoas. Mas a paisagem já era maravilhosa”, rememora a aposentada Zenith Nogueira Pinto, de 74, que caminhava ao lado da filha Carla Márcia Severino e do genro, o psicólogo Arnaldo Severino.

MAIS CEDO
Para Severino, o título poderia ter vindo, o que evitaria que a lagoa convivesse futuramente com o assoreamento e o mau cheiro das águas, devido ao abandono registrado ao longo da maioria das administrações municipais. Contrapondo-se ao marido, Carla Márcia acredita que a cada dia as coisas vêm melhorando no complexo da Pampulha, e o que falta é a instalação de banheiros públicos no ponto turístico. “Quando JK projetou uma avenida com pista dupla ligando o Centro à Pampulha, disseram que ele era maluco, mas, na verdade, o homem era um visionário. Na época, minha mãe comprou um lote baratinho aqui na região, que era bem distante do Centro”, contou Severino.

Com os olhos muito claros, Zenith custa a firmar a vista na lagoa para mostrar o lugar aonde a família fazia o piquenique, na companhia de sete dos oito irmãos ainda pequenos. “Nossa mãe morreu cedo e o principal passeio do meu pai era trazer a gente para a Pampulha. Era preciso ficar vigiando as crianças, porque elas ameaçavam pular na lagoa, que era funda”, conta a idosa, que se lembra como se fosse hoje do cardápio da maioria dos piqueniques, em toalhas estendidas às margens da Avenida Otacílio Negrão de Lima: farofa, frango, arroz e uma jarra de Ki-suco, que era preparado na hora.

ORGULHO ENTRE OS PIONEIROS

Vista da varanda da Casa do Baile, a Lagoa da Pampulha é como um espelho para as lembranças de moradores de longa data da região, agora reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade. Ao ver um banco de alvenaria, logo na entrada do atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte, a geógrafa Cacilda Bonfante, que vive no Bairro São Luís desde 1971, não esconde a emoção e o entusiasmo. “Já tomei champanhe sentada ali, ao lado do meu marido”, conta Cacilda, que se diz muito feliz com a conquista do título e considera a Pampulha um “tesouro, um esplendor” da capital. “A arquitetura moderna de Niemeyer está agora ao lado de outros monumentos mineiros também reconhecidos pela Unesco, como os centros históricos de Ouro Preto e Diamantina e o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas”, afirma a geógrafa, viúva e mãe de dois filhos “nascidos e criados na Pampulha”.

Em 45 anos de proximidade com a arquitetura de Niemeyer, os jardins do paisagista Burle Marx e os murais de Cândido Portinari, Cacilda viu dias “gloriosos”, mas assistiu também a muita luta para garantir a preservação do conjunto moderno e a recuperação das águas que ainda preocupam os belo-horizontinos. “Já reclamamos muito, ficamos revoltados, pois nem sempre a Pampulha teve a atenção que merece por parte dos políticos.” E, mesmo com a conquista do título, ela alerta que todos continuam vigilantes.

Mas hoje é dia de celebrar e, ao admirar a paisagem, Cacilda explica que a Pampulha tem um ritmo diferente das demais regiões da cidade: “Aqui tudo parece mais lento, mais tranquilo. Parece um nirvana.” Mas as mudanças com o passar dos anos deixaram marcas, e uma delas está nas casas, que não tinham muros; agora estão praticamente tampadas pelas grades, bem longe das cercas vivas floridas. “A explosão demográfica foi muito grande, surgiram novos bairros. Acho que a região quase chegou ao fim da linha; mas, inevitavelmente, está no meio do caminho.”

“MATAGAL” Na manhã clara, com o sol fazendo brilhar as águas da lagoa, Cacilda se encontrou com a amiga Suzana Mainberg, arquiteta, que conhece a região desde os anos 1950 e passou a morar lá na década seguinte, quando “matagal” era a melhor palavra para definir o lugar. Defensora perpétua da região, que adora e conhece como a palma da mão, Suzana conta que se casou na Igreja de São Francisco de Assis e depois foi morar em um lote de 3 mil metros quadrados, que se tornou num refúgio ecológico.

“Muitas vezes, era só eu e eu”, brinca, a respeito dos poucos moradores de então. Para Suzana, a Pampulha sempre significou “o novo, a criação, a independência cultural”. “Nada aqui é cópia”, afirma, com orgulho. Com brilho nos olhos, conta que, no início da adolescência, residente na Serra, fez um passeio inusitado: na companhia de um tio, foi ver uma corrida de carros, as antigas “baratinhas” na orla da lagoa.

Mais tarde, em 1955, nadadora do Minas Tênis Clube, que estava com obras na piscina, passou a treinar no Iate. “O bonde chegava até aqui. Um dia, passando pela Cachoeirinha, perguntei ao condutor onde ficava a tal cachoeirinha”, recorda-se com bom humor a arquiteta, sobre a confusão juvenil com o nome do bairro da Região Leste.

Caminhando com a amiga pela orla, Suzana se lembra do tempo em que os bombeiros treinavam remo na lagoa e muitas pessoas velejavam, o que cessou com os altos índice de poluição, a partir dos anos 1970. Por estranho que possa parecer, a Pampulha já foi “mais longe”, como afirma. “Era um bairro distante, os familiares vinham aqui para minha casa passar os feriados da semana santa”, recorda. Ao lado, Cacilda fala das mudanças nas residências às margens da lagoa.

A arquiteta Suzana Mainberg admira a Pampulha desde 1950, onde se casou e mora com a família(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
A arquiteta Suzana Mainberg admira a Pampulha desde 1950, onde se casou e mora com a família (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)


“Hoje, está tudo bem diferente da época que viemos para cá. Conheço uma parte da história e meu marido me contava que frequentou o cassino, onde hoje está o Museu de Arte da Pampulha. Era tudo bem delicioso. Ficou essa história que devemos conservar”, destaca Cacilda.

Antes de se despedir, Suzana destaca a determinação do então prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek (1902-1976), para enfrentar as vozes contrárias à construção do conjunto moderno. “Com o tempo, vimos a relevância da Pampulha para a identidade brasileira, como primeira arquitetura genuinamente nacional. Além disso, há a importância para o turismo”, afirma a arquiteta.

Quem se mudou para a Pampulha há menos tempo já viu que o lugar é bem especial. É o caso do professor universitário Vinícius Maltarollo, de 30 anos, paulista, que, nas folgas, gosta de pedalar pela orla com a filha Nina, de 1 ano e 8 meses. “Parece até que é uma outra cidade, tem um clima diferente”, conta o professor, certo de que o título da Unesco valoriza um patrimônio de valor.

Arquitetura da Casa do Baile faz parte da história de vida da geógrafa Cacilda Bonfante(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
Arquitetura da Casa do Baile faz parte da história de vida da geógrafa Cacilda Bonfante (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)


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